Contra ‘progresso’ a qualquer custo, parada antiga na BR-163 quer sobreviver
Duplicação da via ameaça existência do restaurante, referência histórica de MS
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Duplicação da via ameaça existência do restaurante, referência histórica de MS
Poderia o progresso destruir um sonho de quase 50 anos e desmoronar um negócio de família, que além de tudo é uma referência física, cultural e afetiva dos viajantes que vez ou outra já cruzaram a estrada?
Esta a reflexão que fica após ouvir da história contada por dona Maria Inês Tomaz.
Em sua família desde 1958, o que hoje é o restaurante Água Rica, na BR 163, logo após o distrito de Anhanduí, é pura história e um punhado de nostalgia, materializadas nas paredes de madeira do charmoso chalé que, desde a década de 1960, é referência para viajantes. Em meio ao concreto, pastos, poeira das obras, calor e sol de lascar, Água Rica é o ponto em que a rodovia torna-se acolhedora, com vegetação nativa, muita sombra e, claro, água fresca. Está a cerca de 60 km de Campo Grande, possivelmente a última parada para quem cruza a via rumo à cidade. Bom para esticar as pernas, saborear um delicioso pão de queijo com suco de guavira, bem geladinho.
O que tem tirado o sono da família Tomaz, no entanto, é a iminente duplicação da BR 163. O imóvel deverá ficar intacto, digamos assim. Mas, por contenção de despesas, a empresa que gerencia a via recém privatizada, a CCR MS Via, preferiu efetuar a duplicação bem em frente ao local, o que acabará com árvores, estacionamento, sombra e sossego. O local ficará mais vulnerável a acidentes, devido à proximidade do acostamento, que praticamente margeará o restaurante. E o movimento, involuntariamente, vai cair.
Isso porque não haverá retorno nas proximidades. E como a via receberá um meio fio dividindo as mãos, os clientes que partem de Campo Grande serão desestimulados a parar no local. Mais grave que isso é a questão ambiental: em outro trecho pertinho dali, a estrada quase alcançará a margem da fonte Água Rica, uma nascente que abastece o restaurante e pessoas que vivem nas imediações, além de também matar a sede do gado da fazenda que fica do outro lado da rodovia.
Histórias de estrada
Em meados do século passado, quando a estrada ainda era de terra e um caminhão saindo de Dourados levava até três dias para chegar à Campo Grande, a Água Rica era um ponto de descanso, um alento aos viajantes. “Meu pai veio de Minas Gerais e começou a trabalhar como motorista de fazendeiros. Nesse meio tempo ele conheceu minha mãe, casou e conseguiu comprar um lote de terra de uma fazenda. Aqui tinha uma estrada boiadeira, que passava por trás, então meu pai construiu uma barraca. Até que meu pai, em agosto de 1958, mandou construir a casa de madeira. Não tinha asfalto, não tinha energia elétrica, o que tinha era a água da fonte”, conta Inês.
O restaurante Água Rica, no entanto, engrenou como negócio de família com o esposo de Inês, Joaquim Tomaz, o saudoso Quinzinho, que faleceu em um acidente de carro em setembro de 2013. Ele recebeu a incumbência de tocar o restaurante montado pelo senhor Franklin e dona Adaila, os pais de Inês, e fez com carinho, desde 1973. “O Quinzinho veio trabalhar aqui, a gente se conheceu, nos casamos, aí minha mãe decidiu entregar o ponto pra gente, pois meu pai tinha falecido e o ponto estava arrendado. Demos uma reformada, para não mexer muito, porque as pessoas pediram para não mudar nada”, relata Inês.
Assim, diversas gerações de viajantes contam histórias sobre o local, coisas que nem Maria Inês ou sua filha, Fabianne, poderiam lembrar. Histórias de Quinzinho, do senhor Franklin e de dona Adália, que de alguma forma chegam à família e marejam os olhos de mãe e filhas. “Tem pessoas que chegam aqui e falam do meu pai, do meu avô, coisas que a gente nem sabia. Tem senhores que param aqui e compartilham histórias, que passam por gerações. Cada dia pode ser uma descoberta. É esse acolhimento, essa troca, que fazem daqui um lugar especial, que tem que ser preservado”, relata Fabianne Tomás, filha de Inês e de Joaquim Tomaz.
Resistência
Após o falecimento de Quinzinho, foram crescendo os boatos de que a via seria duplicada para o lado do restaurante. Com a privatização da BR 163, os boatos se confirmaram e a decisão da empresa veio como veredicto, sem chance de argumentação. “Disseram apenas que sairia mais barato para eles. Mas isso aqui gera emprego, é fonte de água, tem uma história, não pode ser simplesmente assim. Ainda bem que ele (Quinzinho) não viu isso, porque iria acabar com ele”, relata Inês.
Para resistir, a estratégia da família é transformar o Água Rica – e sua fonte – em patrimônio cultural. A família já acionou advogado, procurou o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). “A dor da ausência do meu pai e tudo o que o Água Rica significava para ele faz a gente querer mais ainda manter isso aqui, que ele dizia que era o paraíso dele. E também em respeito a todas as pessoas que têm vínculo com esse lugar”, aponta Fabianne. “Isso é a nossa vida, é nossa história”, conclui.
Uma petição online busca assinaturas para que o local seja preservado integralmente. Você pode demonstrar apoio clicando AQUI e assinando o documento.
A reportagem entrou em contato com a CCR MSVia e questionou o porquê da via ser duplicada na margem esquerda (sentido Campo Grande-Dourados), na altura do km 341, onde está o restaurante Água Rica. Por meio de nota, a concessionária respondeu, sem mais detalhes, que a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) ainda discutem a questão, por conta da definição da Licença Ambiental. “O restante da duplicação, segundo o contrato de concessão, deve ser realizado em 48 meses de prazo. Esse prazo começa a contar a partir da data de emissão da Licença de Instalação em nome da Concessionária, o que ainda não ocorreu”, traz a nota.
(Matéria editada às 15h16 para acréscimo de informações)
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