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Livro amplia detalhes sobre Clarice Lispector

Teresa Montero traz ainda dois aspectos importantes sobre Clarice Lispector no livro
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Em 27 de janeiro de 1950, a escritora Clarice Lispector (1920-1977) foi fichada pela Delegacia Especial de Segurança Política e Social, cujo arquivo reunia informações sobre lideranças políticas, militares, comunistas, integralistas, associações, periódicos, entre outros. “O que nos chama a atenção é o que teria levado a polícia política a fichar a escritora considerando-se que, na ocasião, ela não exercia nenhuma atividade fora do seu ofício como escritora que pudesse nomeá-la de ‘subversiva’”, observa a professora Teresa Montero, uma das maiores especialistas na vida e obra de Clarice e que lança agora À Procura da Própria Coisa (Rocco), biografia da escritora e que pode ser considerada uma edição revisada e aumentada de Eu Sou Uma Pergunta, da mesma Teresa, publicada em 1999.

Nesses mais de 20 anos que separam as duas obras, Teresa aumentou o volume de sua pesquisa com informações praticamente desconhecidas, trazendo mais detalhes sobre a biografia da grande escritora — como o fichamento pela Polícia Política. Na pesquisa, Teresa não encontrou evidências que justifiquem tal ato, assim, elabora algumas hipóteses.

Uma delas é o fato de Clarice ter “nacionalidade russa”, como consta em sua ficha. “Nascer na Rússia era motivo para as autoridades policiais especularem possíveis vínculos com os ideais comunistas”, argumenta a pesquisadora.

Clarice era casada com Maury Gurgel Valente, que trabalhava no Itamaraty, na Divisão Econômica, e auxiliava a Comissão de Reparações de Guerra. “Ser esposa de um funcionário do Itamaraty a tornava mais suscetível?”, especula Teresa, lembrando ainda da amizade do casal com o jornalista Samuel Wainer e sua esposa, Bluma, que no entender da polícia do governo de Eurico Gaspar Dutra podiam ser classificados como “comunistas”.

Mais evidentes pareceram os motivos de outro órgão de investigação a ficar de olho em Clarice Lispector, como Teresa também mostra no livro. Em 1973, o Serviço Nacional de Informações, o SNI, considerado o principal órgão de inteligência da ditadura militar, reuniu documentos que, além de trazer informações biográficas da autora, informa ter ela participado da passeata dos estudantes contra a censura, no Rio, em 1968, integrando o grupo de intelectuais e artistas.

Discurso

A ficha aponta uma declaração de Clarice ao jornal Última Hora: “Eles têm toda razão em lutar por um mundo menos podre do que esse em que vivemos atualmente”. Outro documento informa que Clarice teria participado ainda de uma reunião com religiosos e líderes sindicais, no Colégio Santo Inácio, no qual pronunciou discurso sobre a “necessidade de união de classes contra a ditadura”.

Também sobre esse fichamento, Teresa levanta hipóteses. Ela lembra que Clarice era colaboradora do Jornal do Brasil desde 1967, no qual publicava crônicas aos sábados. “A imprensa estava sob censura. A visibilidade de uma coluna certamente motivava uma observação permanente pelos órgãos de informação”, diz a pesquisadora, lembrando ainda que o redator-chefe do JB era Alberto Dines, jornalista vigiado de perto pelo SNI. Segundo Teresa, a coluna não é citada na investigação do órgão, que ressalta a participação de Clarice na passeata em apoio aos estudantes, em junho de 1968. “A adesão de um grupo expressivo de artistas e intelectuais reflete como Clarice estava sintonizada coletivamente contra o regime ditatorial em vigência naquele período. Isso justificaria a abertura da ficha naquele momento?”, questiona.

Finalmente, Teresa Montero lista outro fato que confirma o quanto Clarice estava sob o controle pelos serviços de informação da época: a entrevista que fez, para a revista Fatos & Fotos, com o poeta Ferreira Gullar, em 1977. O escritor acabara de voltar de um exílio e, ao chegar, passara por momentos tensos ao ser detido para as chamadas averiguações de praxe, já que havia sido indiciado em 1971.

“A entrevista mostrou em alguns momentos de forma explícita como Clarice partilhava da visão de mundo de Gullar”, constata Teresa, lembrando que a grande admiração da escritora pelo Poema Sujo, livro de Gullar então recentemente publicado e que se tornaria uma das obras-primas da literatura brasileira, “demonstrava uma adesão explícita aos valores em defesa da liberdade, em prol da democracia e contra as desigualdades”.

Logo depois de publicada a entrevista, o Centro de Informações do Exército, o CIE, acrescentou no histórico que produzia sobre o poeta o seguinte informe: “Clarice Lispector, da mesma linha de seu entrevistado, Ferreira Gullar, procura tornar simpática a imagem deste ‘poeta’ criado pelo PCB”.

Henfil

Teresa Montero observa, contudo, que as atitudes públicas da autora não a poupavam de críticas de setores da esquerda, notadamente daqueles que não a conheciam bem. Ela cita o caso do cartunista Henfil, que exigia dos escritores uma literatura engajada e, para ele, Clarice era “alienada”, “vivia numa redoma”.

Teresa Montero traz ainda dois aspectos importantes sobre Clarice Lispector no livro: uma rara entrevista da escritora a uma emissora de TV e críticas favoráveis à sua obra escritas, sob pseudônimo, por Patrícia Galvão, a Pagu.

“Clarice não demonstra animosidade na entrevista ao jornalista e apresentador Araken Távora, que idealizou Os Mágicos, um programa premiado, em 1976”, comenta Teresa. “Ela está em seu apartamento na Rua Gustavo Sampaio, com seu cachorro Ulisses. E, dos 6 minutos que restaram desse documento que tem 45 anos (custodiado pelo Arquivo Nacional) e que foi um dos primeiros da TVE, ela fala de literatura.” De fato, questionada se escrevia por vocação ou necessidade, Clarice é direta: “Eu só escrevo porque não consigo deixar de escrever. É mais forte do que eu”.

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