Álbum resgata grandes gênios do século 19

Nas últimas décadas, alguns músicos vêm desbastando essa deformação

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Villa-Lobos é um dos grandes compositores do século 20, em sentido absoluto, e naturalmente o maior compositor brasileiro, ninguém tem dúvida. Mas sua persona pública avassaladora acabou por recalcar a música brasileira que lhe era anterior. Assim, a farta produção pianística no século 19 até hoje permanece em parte submersa, esquecida.

Nas últimas décadas, alguns músicos vêm desbastando essa deformação. As gravações pioneiras de Roberto Szidon na década de 1970, o trabalho formidável de Maria Teresa Madeira na integral Nazaré e a caixa Piano Brasileiro, de Miguel Proença (cobrindo de Nepomuceno a Lorenzo Fernández, Fructuoso Vianna e Guerra Peixe, entre outros), constituem marcos de décadas passadas.

O pianista Alexandre Dias, incansável à frente do Instituto Piano Brasileiro, vem promovendo o resgate da imensa produção brasileira. Isso tem provocado pianistas a começar a tocar todo esse repertório pianístico “esquecido”, do século 19.

No streaming

Por tudo isso, é importante o álbum Piano Brasileiro do Século 19, da pianista Karin Fernandes, que chega às plataformas de streaming nesta sexta-feira, dia 26. É atraente pela diversidade de compositores como Marcelo Tupinambá — pseudônimo do engenheiro Fernando Álvares Lobo (1889-1953) para fazer música à vontade —, Alberto Nepomuceno, Carlos Gomes e Henrique Oswald.

E relevante porque traz três primeiras gravações mundiais. Duas delas, com certeza, já deveriam existir em mais de uma gravação. São as de Harmonias do Coração e Angelitude, na versão original para piano solo de Chiquinha Gonzaga (1847-1935).

“Como iria gravar música do século 19, não tinha como não gravar Chiquinha Gonzaga, mas eu queria algo inédito e sabia que, por incrível que pareça, ainda existem muitas peças inéditas”, conta Karin, em entrevista ao Estadão. “Além do que, decidi que, salvo numa temática muito fechada de repertório, sempre irei incluir compositoras nos meus trabalhos, gravando, tocando ou até no repertório dos meus alunos e alunas.”

Para isso, Karin conversou com Maria Teresa Madeira, que indicou a ela Wandrei Braga, pianista, pesquisador da vida e da obra de Chiquinha e criador do site chiquinhagonzaga.com. “Pesquisei e pedi ajuda a Wandrei sobre a questão do ineditismo. Por fim, decidi gravar as duas que estão no álbum e que, inacreditavelmente, nunca foram gravadas comercialmente no formato original para piano solo.”

A terceira première mundial em gravação é uma autêntica descoberta. Trata-se de três dos 18 Études pour Virtuoses, assim mesmo, em francês, de Arthur Napoleão (1843-1925), um pianista português que rodou a Europa e conheceu Rossini, Berlioz e Liszt Ele esteve pela primeira vez no Brasil em 1857, apaixonou-se pelo Rio de Janeiro e mudou para lá definitivamente em 1866.

Até sua morte, em 1925, correu o País como pianista. Também foi editor de partituras e professor de piano sabem de quem? Chiquinha Gonzaga.

Karin se encantou com esses “études”, incluiu três neste álbum e promete para 2022 gravá-los na íntegra. “No começo do ano, eu pesquisava repertório brasileiro ainda inédito. Alexandre Dias, do Instituto Piano Brasileiro, me falou desses 18 Études pour Virtuoses. A maioria nem sequer foi tocada, e existem registros de gravação caseira de uns poucos apenas”, conta Karin.

“Quando recebi o arquivo com as partituras, me encantei por elas imediatamente. A minha verve de música nova também serve para música do século 19 que não é tocada ou gravada, pois esta música também é nova”, conta. “Adoro dar uma outra opinião, um outro olhar, e questionar o que já está posto como verdade. Como nunca ninguém até hoje gravou esses Études?”

Karin gravou Pressentiment, Duo d’Amour e Nouveau Trémolo, que Napoleão dedicou a Louis Moreau Gottschalk (1829-1869), um pianista prodígio itinerante, que rodou a América Latina inteira e barbarizou no Brasil em 1869, autor de Trémolo: Grand Étude de Concert.

 

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