Por que partidos ‘nanicos’ têm tanto espaço no debate eleitoral?

No último domingo, o candidato do PRTB à Presidência, Levy Fidelix, gerou grande polêmica ao fazer um discurso que classificou como de ‘enfrentamento’ aos homossexuais durante o debate organizado pela Rede Record. Em declarações consideradas homofóbicas pela comunidade LGBT, o presidenciável disse que “homossexuais precisam receber tratamento psicológico” e convidou a população …

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No último domingo, o candidato do PRTB à Presidência, Levy Fidelix, gerou grande polêmica ao fazer um discurso que classificou como de ‘enfrentamento’ aos homossexuais durante o debate organizado pela Rede Record. Em declarações consideradas homofóbicas pela comunidade LGBT, o presidenciável disse que “homossexuais precisam receber tratamento psicológico” e convidou a população a ‘combatê-los’.

“O Brasil tem 200 milhões de habitantes, daqui a pouquinho vai reduzir para 100 [milhões]. Vai para a avenida Paulista, anda lá e vê. É feio o negócio, né? Então, gente, vamos ter coragem, nós somos maioria, vamos enfrentar essa minoria. Vamos enfrentá-los.”

O discurso teve grande repercussão nas redes sociais e até mesmo o jornal britânico The Guardian noticiou o assunto. Levy Fidelix, que não chega a ter 1% das intenções de voto, literalmente, roubou a cena do penúltimo debate entre os presidenciáveis.

Mas, segundo analistas ouvidos pela BBC Brasil, isso só pode acontecer por causa de uma falha no sistema eleitoral brasileiro. É ela que permite que partidos com pouca representação na sociedade tenham acesso ao fundo partidário e espaço em debates e no horário eleitoral gratuito de rádio e televisão.

Na próxima semana, Levy Fidelix verá seu nome nas urnas mais uma vez. Será a segunda ocasião em que ele disputará o cargo máximo do Executivo, mas ele também já concorreu a prefeito, governador, deputado federal e vereador. Jamais se elegeu.

Leia também na BBC Brasil: Para nanicos, lei eleitoral favorece partidos grandes

O presidenciável do PRTB é um dos cinco candidatos à Presidência que, de acordo com as últimas pesquisas, não alcançam sequer 1% das intenções de voto. Os demais são José Maria (PSTU), Mauro Iasi (PCB), José Maria Eymael (PSDC) e Rui Pimenta (PCO).

Segundo o último levantamento do Datafolha, a corrida é liderada por Dilma Rousseff (PT), com 40%, seguida por Marina Silva (PSB), 27%, e Aécio Neves (PSDB), 18%. Em seguida, empatados com 1% cada, vêm Pastor Everaldo (PSC), Luciana Genro (PSOL) e Eduardo Jorge (PV).

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Sistema eleitoral

A legislação eleitoral garante a todos os partidos tempo para propaganda eleitoral gratuita e recursos do fundo partidário – 5% do fundo é distribuído em partes iguais a todos os partidos registrados, e 95%, conforme o número de votos obtidos pela sigla na última eleição para a Câmara.

Dentre os partidos que disputam o último lugar na corrida presidencial, o PRTB de Fidelix, que elegeu dois deputados federais, recebe a maior fatia, cerca de R$ 110 mil por mês. O menor valor é destinado ao PCO de Rui Pimenta, R$ 42 mil mensais.

Em um mês, todas as siglas abocanham R$ 25 milhões do fundo partidário. As maiores porções vão para o PT (R$ 4,2 milhões) e PMDB (R$ 3 milhões) – partidos com maiores bancadas na Câmara.

Para Maria do Socorro Souza Braga, professora de ciência política da Universidade Federal de São Carlos (UFScar), o fundo partidário é uma das razões para a existência do que ela chama de “partidos de aluguel”, que sobrevivem sem apoio popular em um sistema bastante competitivo.

Outro motivo, diz ela, são as coligações partidárias. A legislação permite que siglas se unam em disputas para o Executivo ou Legislativo.

Nas eleições para o Executivo, partidos grandes buscam os pequenos para ampliar sua fatia de tempo de TV. Em troca, afirma Braga, as siglas grandes podem convencer financiadores a doar para os pequenos, transferir-lhes recursos ilegalmente ou, em caso de vitória, recompensá-los com cargos.

“As negociações para a formação de coligações são uma caixa preta”, afirma Braga.

E nas disputas para o Legislativo, siglas pequenas podem eleger candidatos que recebam poucos votos, desde que estejam em coligações bem votadas. Isso porque, segundo a fórmula eleitoral, o total de votos recebidos por uma coligação tem peso importante no preenchimento das vagas.

Na última eleição para a Câmara, em 2010, os votos recebidos por Ana Arraes (PSB-PE), por exemplo, ajudaram a eleger outros 20 deputados da coligação, que incluía PP, PDT, PT, PTB, PSC, PR e PC do B.

Deputado mais votado, o palhaço Tiririca (PR-SP) ajudou a eleger outros três congressistas de sua coligação. Neste ano ele deve se reeleger e arrastar outros deputados para a Câmara.

Para Braga, a possibilidade de que partidos se coliguem em eleições para o Legislativo ajuda a explicar por que candidatos como Levy Fidelix se candidatam à Presidência mesmo sem chances de vencer.

Ela diz que a candidatura dá projeção nacional aos candidatos e a seus partidos, fazendo com que sejam procurados nos Estados por outras siglas em busca de alianças para o Legislativo.

Representantes de partidos pequenos, no entanto, rejeitam o rótulo de ‘nanicos’ ou de legendas ‘de aluguel’ e afirmam que seu fraco desempenho se deve a distorções causadas pela legislação eleitoral, que permite grandes doações a candidatos e favorece as agremiações maiores.

Reforma política

Para Braga, as propostas de reforma política devem incluir mecanismos para barrar o que ela chama de “partidos de aluguel”. Ela afirma, no entanto, que as principais medidas em discussão para resolver o problema poderiam gerar outras distorções.

Uma das medidas é a criação de cláusulas de barreira. A proposta impediria que partidos que não obtivessem um percentual mínimo de votos em determinado número de Estados elegessem candidatos para o Congresso.

A outra medida é a proibição das coligações.

Para Braga, as duas medidas reduziriam drasticamente o número de partidos, favorecendo poucas siglas. “Alimentaria uma espécie de cartel entre partidos que já são muito fortes e que formariam uma ‘partidocracia’”.

Para barrar os partidos ‘nanicos’, a professora defende que no preenchimento de cadeiras no Legislativo se considerem apenas os votos direcionados a cada sigla, independentemente de estarem coligadas.

Já Francisco Teixeira, professor de História Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), avalia que o Brasil deveria adotar a cláusula de barreira.

Ele defende que somente partidos que obtenham 5% dos votos em ao menos sete Estados possam eleger congressistas e participar de coligações.

Os que não cumprissem os requisitos, diz ele, poderiam continuar existindo, mas fora do Legislativo.

Teixeira afirma que hoje muitos partidos pequenos lançam candidatos à Presidência na esperança de futuramente elegê-los para o Congresso ou Assembleias Legislativas. Com a cláusula de barreira, segundo ele, essa prática seria abandonada.

O professor defende, ainda, que partidos barrados pela cláusula de barreira percam suas fatias de horário eleitoral gratuito.

“Não é justo que a população pague o horário gratuito para um partido que não consegue ter representação”.

Leia também na BBC Brasil: Penúltimo debate tem confrontos, mas presidenciáveis só repetem discursos

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