Pedido de asilo de ativista no Uruguai ‘é o 1º desde a ditadura’

Especialistas procurados pela BBC Brasil classificaram como “surpreendente” e “arriscado” o pedido de asilo político no Uruguai solicitado pela advogada Eloisa Samy, acusada de participação violenta em manifestações. A solicitação – usada mais comumente nas ditaduras latino-americanas do século passado – “é o primeiro pedido de asilo desta modalidade desde o fim da ditadura”, di…

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Especialistas procurados pela BBC Brasil classificaram como “surpreendente” e “arriscado” o pedido de asilo político no Uruguai solicitado pela advogada Eloisa Samy, acusada de participação violenta em manifestações.

A solicitação – usada mais comumente nas ditaduras latino-americanas do século passado – “é o primeiro pedido de asilo desta modalidade desde o fim da ditadura”, disse à BBC Brasil a professora da faculdade de Direito da UFRJ e especialista em migrações e refugiados, Vanessa de Oliveira Batista.

Vanessa Batista explica que Eloisa optou pelo “asilo diplomático”, concedido quando uma pessoa está dentro de seu próprio território e faz um pedido de abrigo ao consulado de outro país.

“Este tipo de asilo politico foi muito usado nos países latino-americanos durante as ditaduras no século passado”, observa.

“Por isso é surpreendente: em tese, vivemos legalmente num estado democrático de direito. Mas todos sabemos que existem abusos. Quando pede asilo, ela também está denunciando internacionalmente que haveria perseguição política em nosso país.”

Pedido negado

O pedido foi negado pelo governo uruguaio na noite da segunda-feira, menos de 24 horas após ter sido feito formalmente. Procurados pela BBC Brasil, nem o consulado uruguaio em São Paulo nem a Embaixada do país em Brasilia deram informações sobre o caso.

Samy e mais dois ativistas se abrigaram durante toda a segunda-feira no consulado uruguaio no Rio de Janeiro em busca de acolhida no país vizinho. O prédio chegou a ser cercado por agentes da Polícia Militar e da Delegacia de Repressão a Crimes de Informática, que conduz as investigações.

Eloisa Samy e outros 22 réus respondem a processo por formação de quadrilha no Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ). Segundo o Ministério Público (MP-RJ), a advogada teria cedido sua casa para o planejamento de atos violentos em protestos.

Além disso, conforme a investigação da Justiça, a atuação de Samy nos protestos não se limitaria em oferecer apoio jurídico a manifestantes, como afirma a defesa, mas também em participar ativamente de atos de vandalismo.

Sua prisão preventiva foi decretada na sexta-feira passada pela 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro. Desde então, a advogada e outras 17 pessoas são consideradas foragidas.

‘Arriscado’

Em vídeo publicado na internet, Eloisa afirma se considerar “uma perseguida política, sendo criminalizada pela atuação na defesa dos direitos de manifestação”.

No filme, ela pede “liberdade e anistia” aos presos e diz que foi denunciada por formação de quadrilha armada junto a pessoas que “sequer conhecia.”

De acordo com Rodrigo Mondego, um dos advogados de defesa que acompanham o caso, “não há nada concreto” contra os ativistas indiciados. À imprensa, em frente ao consulado, Mondego afirmou que “considera Elisa uma presa política.”

Apesar disso, alguns juristas ouvidos pela BBC Brasil consideraram “estranho” o pedido de asilo.

“Não acompanho o caso de perto, mas o asilo ocorre quando a pessoa se sente perseguida ou tem seu direito de defesa cerceado”, avaliou o diretor do Instituto de Relações Internacionais na UNB, em Brasilia, Eiiti Sato.

“O que acontece é que muitas vezes a pessoa não entende por que a Justiça não atendeu a seu pleito. E é preciso cuidado nisso. Imagina se todo mundo que discodar de uma decisão pedir asilo?”

Procurado antes da decisão do governo uruguaio, Oscar Vilhena Vieira, diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, disse que o fato de o Brasil viver uma democracia “fragiliza” a solicitação de acolhida.

“Me parece arriscado. Eles vão ter que convencer as autoridades uruguaias de que seus casos são específicos já que o Brasil é um país democrático”, afirmou.

Por outro lado, ponderou Vilhena, “deve-se reconhecer que, ao mesmo tempo em que temos uma democracia estabilizada, também temos uma polícia que abusa da força em muitas circunstâncias”.

Conforme o texto da Convenção de Caracas, que definiu em 1951 a modalidade de asilo escolhida por Samy, “o asilo só poderá ser concedido em casos de urgência e pelo tempo estritamente indispensável para que o asilado deixe o país com as garantias concedidas pelo governo do Estado territorial, a fim de não correrem perigo sua vida, sua liberdade ou sua integridade pessoal.”

O desafio para os ativistas, afirma o acadêmico, seria “provar que esta violência sistêmica estaria sendo usada como motivação política e de perseguição”.

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