MP usa santinhos para alertar paulistano sobre desaparecidos

Há dois anos e quatro meses o taxista Alberto Correia dos Santos, 50 anos, trocou as corridas feitas para os clientes para correr em busca do filho, em uma briga contra o tempo mais árdua que a do trânsito. Na última vez em que se viram, dia 19 de maio de 2012, Rodrigo Correia dos […]

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Há dois anos e quatro meses o taxista Alberto Correia dos Santos, 50 anos, trocou as corridas feitas para os clientes para correr em busca do filho, em uma briga contra o tempo mais árdua que a do trânsito. Na última vez em que se viram, dia 19 de maio de 2012, Rodrigo Correia dos Santos, então com 20 anos, havia saído para trabalhar – como o pai, também ao volante de um táxi. Desde então, nunca mais foi visto. Deixou uma filha de cinco anos.

“Minha vida é procurar meu filho. Não consegui mais voltar ao trabalho, só faço uns bicos. A vida da gente até continua, mas mudou tudo, né? Fim de semana eu vou para a escadaria da Sé, já fui a hospitais, IMLs, até a presídio em Praia Grande já fui em busca dele, mas era alarme falso. Eu não desacredito: agradeço o que chega de informação e continuo procurando, pois sei que vou encontrá-lo”, disse.

Santos falou nessa quarta-feira, dia em que o Ministério Público de São Paulo realizou uma entrega de santinhos em estações de trem da capital paulista. Em vez de candidatos à disputa eleitoral, porém, o material estampou fotos de crianças desaparecidas. A estratégia foi coordenada pelo Programa de Localização de Desaparecidos em parceria com a agência de publicidade VML, que disponibilizou os impressos.

O filho do taxista é um dos casos acompanhados pelo programa, que, implementado em novembro do ano passado, concluiu este ano que pelo menos 3 mil desaparecidos foram enterrados como indigentes, na cidade de São Paulo, entre os anos de 1999 e 2013. Entre os casos mais comuns de desaparecimento, estão os de jovens do sexo masculino, como o caso de Rodrigo, idosos e crianças.

“Percebemos que, em geral, o serviço público não se comunica: as pessoas eram enterradas como indigentes e as famílias não eram avisadas, mesmo tendo registrado boletim de ocorrência sobre o desaparecimento. Mas não havia a conversa, por exemplo, entre o serviço que fez a necropsia do corpo, o que registrou o B.O. e o que fez a verificação do óbito, a fim de que esses dados pudessem ser cruzados”, explicou a promotora Eliane Vendramini, coordenadora do programa.

De acordo com a promotora, entre as causas de desaparecimento estão desde problemas mentais e familiares a aspectos criminais, como situações de tortura e tráfico humano.

“Pedimos à Secretaria Estadual de Segurança Pública, e fomos atendidos, para que se emitisse uma portaria que determinasse a modificação do sistema de busca pelos desaparecidos –de modo que os casos não criminais sejam minimamente pesquisados”, disse. “Há casos de desaparecidos abrigados em asilos ou hospitais que essas instituições não conseguiram comunicar as famílias”, citou.

Conforme a coordenadora, o MP instaurou inquérito civil público para que, juntamente com outras esferas de governo, seja montado um banco de dados unificado alimentado pelas informações sobre os desaparecidos. Além do Instituto de Identificação, a iniciativa compreende também secretarias estaduais de Saúde e Segurança e o serviço de verificação de óbito, além da Prodesp (Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo).

A previsão é que o banco, organizado pela Prodesp, passe a operar até o começo do ano que vem.

“Questão dos desaparecidos é tão importante quanto eleição”

Sobre a campanha com os santinhos com fotos de crianças, a promotora explicou que a ideia era “mostrar que a questão dos desaparecidos é tão importante quanto o debate eleitoral” sem que, contudo, a iniciativa ganhasse ares eleitorais –daí não terem siso usadas fotos de adultos.

“Pedimos às pessoas que, uma vez que algum parente desapareça, isso seja comunicado à polícia imediatamente. Não tem que esperar tempo algum, como já se cogitou; se as causas do desaparecimento forem criminosas, ou se envolverem quem não possa se defender, como um doente mental, uma criança ou um idoso, quanto mais tempo se demora, menores são as chances de encontrar”, declarou a promotora.

Promotora cita caso de jovem do interior de SP

Que caso mais a impressionou desde que o programa começou a atuar?, quis saber a reportagem.

“Foi a busca de um rapaz que sabemos que está vivo, com problemas de memória, desaparecido da cidade de Santa Cruz, na região de Marília (centro-oeste paulista)”, contou. “Ele se chama Érico Carvalhar Junior, e isso foi há mais de três anos: ele usava remédios controlados, morava com os pais, estava bem, com pouco mais de 30 anos, e em dado momento uma pessoa se suicidou se jogando na frente do carro dele. Isso fez com que ele voltasse a ter problemas mentais, abandonasse tudo e desaparecesse. Os pais estão diuturnamente voltados a buscar o filho, que tem três filhos em São Paulo. Sabemos que ele está vivo por ele possuir tatuagens marcantes e já termos recebido informações de que foi visto em outras cidades, em situação de rua –mas toda vez que a equipe do programa ou a polícia chega ao local relatado, ele não está mais. Isso me toca pelo todo, pelos pais, pela causa. As pessoas precisam entender que o problema do outro pode ser o seu, em algum momento”.

Como denunciar

Além do registro do B.O. nas delegacias, o desaparecimento pode ser comunicado ao MP pelo telefone do programa, o (11) 3119-7183, ou pela página no Facebook. Denúncias também podem ser feitas pelo site do MP.

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