Aumento do tempo de internação de jovens em conflito com a lei é criticado

Especialistas criticaram o relatório que prevê mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A proposta deve ser discutida e votada pela Câmara dos Deputados em breve e estipula aumento de três para até oito anos do período de internação dos adolescentes, de 16 a 18 anos, que praticarem ato infracional equiparado a crime […]

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Especialistas criticaram o relatório que prevê mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A proposta deve ser discutida e votada pela Câmara dos Deputados em breve e estipula aumento de três para até oito anos do período de internação dos adolescentes, de 16 a 18 anos, que praticarem ato infracional equiparado a crime hediondo, tais como tortura e tráfico de drogas.

Durante o debate, no Instituto Sedes Sapientiae, zona oeste da capital paulista, para discutir os avanços e desafios dos 24 anos da promulgação do ECA, os especialistas condenaram a proposta prevista no relatório do deputado federal Carlos Sampaio (PSDB-SP). Em seu site, o deputado defendeu a medida. “O plenário da Câmara deve reproduzir o sentimento da nação, que está indignada com essa questão da impunidade. Muitos adolescentes têm plena ciência do ato infracional que estão praticando e muitas vezes ficam internados por apenas um ano”, disse.

Mas, para o juiz Reinaldo Cintra Torres de Carvalho, que integra a Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo, o aumento da pena não resolve o problema. “O que resolve a longo prazo é a prevenção. E, no caso de adolescentes, instituições de segregação e as unidades de internação com bom atendimento e bom serviço, ampliando seu trabalho, e com políticas públicas visando também as famílias. É preciso cuidar, não punir”.

Opinião semelhante foi manifestada pelo advogado Ariel de Castro Alves, do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente. Alves disse que a proposta fere o princípio constitucional da brevidade. “Tem um princípio do estatuto que é o da brevidade das medidas socioeducativas. Oito anos [de internação] para um jovem de 16 anos representa 50% de seu tempo de vida. Fere esse princípio que está na Constituição. Essa é uma forma de tentar driblar a questão da redução da maioridade penal, que é inconstitucional”. Alves disse não ser contrário ao debate ou reavaliação do tempo de ressocialização, que foi definido na década de 90, “mas não com essa finalidade”.

A psicóloga Paula Saretta de Andrade e Silva reclamou que questões como essas são discutidas ou viram leis sem embasamento teórico ou estatístico que possam justificá-las. “As pessoas se posicionam sem nenhum dado relevante ou científico. Não há estatísticas para se falar. Se se comparar com vários outros países que fizeram isso, não tem dado certo. Por que olhamos para casos isolados, como se em todos os cantos houvessem adolescentes com esse mesmo perfil [de cometer crimes considerados hediondos]? Não estamos olhando para a grande massa de adolescentes que estão presos. Tem aquelas pessoas que argumentam que os adolescentes estão perdendo muito pouco, ou que três anos [de internação] é muito pouco. Perder a juventude é uma perda muito grande, que nunca mais terá recuperação. Isso não é uma questão de números. O grande problema é se olhar só para dados isolados. É preciso olhar para a população em geral”.

Para Ariel Alves, a legislação atual referente às crianças e adolescentes, embora tenha representado grande avanço no país, precisa ser, de fato, efetivada. Ponto que também foi defendido pelo juiz. “Uma das dificuldades do ECA é que não aprendemos ainda a trabalhar de forma multidisciplinar. A política educacional deve estar ligada à política de saúde e de assistência social, por exemplo”, citou o juiz Carvalho durante o debate.

“A integração operacional e multidisciplinar nem sempre ocorre. A maior parte das crianças em abrigos estão lá por problemas de alcoolismo de seus pais”, ressaltou. Segundo ele, o ECA ainda apresenta muitas falhas provocadas pela falta de implementação e efetividade. “Casos recentes que tiveram grande repercussão, como o assassinato do menino Bernardo Boldrini, em abril, no Rio Grande do Sul; as denúncias de exploração sexual infantil durante a Copa do Mundo; e a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que absolveu o fazendeiro Geraldo Brambilla, de 79 anos, acusado de estupro e exploração sexual de vulneráveis, ao considerar que o réu foi induzido a erro quanto à idade das vítimas e que elas já eram ‘prostitutas’; demonstram o quanto a proteção integral das crianças e adolescentes no Brasil ainda é uma utopia”, disse o advogado.

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