Leis usadas durante protestos em Rio e São Paulo sob críticas

Maneira como a legislação é aplicada gera críticas de organizações de direitos civis, que temem arbitrariedade da polícia, e de juristas, que veem exagero. Temor é de que manifestantes acabem intimidados a ir às ruas. Na semana passada, um casal foi preso em São Paulo durante um protesto e indiciado sob a Lei de Segurança […]

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Maneira como a legislação é aplicada gera críticas de organizações de direitos civis, que temem arbitrariedade da polícia, e de juristas, que veem exagero. Temor é de que manifestantes acabem intimidados a ir às ruas.

Na semana passada, um casal foi preso em São Paulo durante um protesto e indiciado sob a Lei de Segurança Nacional – resquício da ditadura, atualizada pela última vez em 1983. No Rio de Janeiro, após seguidos quebra-quebras no início do mês, a polícia passou a recorrer durante manifestações à chamada Lei de Organização Criminosa, em vigor desde setembro.

A forma como as duas leis vêm sendo aplicadas desencadearam críticas de organizações de defesa dos direitos civis, que temem arbitrariedade por parte da polícia, e de juristas, que enxergam exagero nelas. Além disso, ambos temem que as normas possam acabar coibindo a participação pacífica da população em protestos.

“O Estado está apontando para um endurecimento e uma criminalização excessiva do protesto”, opina Atila Roque, diretor-executivo da Anistia Internacional no Brasil. “O risco que corremos é de assistir a um rompimento de uma linha muito tênue que separa a ação preventiva, que é muito legítima, do abuso do poder sobre os que simplesmente estão ali para protestar e acabam tendo sua liberdade de expressão cerceada.”

Para Roque, em casos como no protesto do Rio de Janeiro, a polícia tem instrumentos para evitar a ação de depredação sem adotar força excessiva e criminalizar os protestos. “Eu não proponho que a polícia não atue. Mas ela não pode atuar rompendo com a legalidade e o direito democrático de manifestação e adotando instrumentos como a Lei de Segurança Nacional e a de Organização Criminosa”, diz.

Juristas divididos

Na noite de segunda-feira (07/10), o casal Humberto Caporalli e Luana Lopes foi detido e indiciado pela Lei de Segurança Nacional – que prevê de três a dez anos de prisão – após participar de um protesto em São Paulo em apoio à greve dos professores no Rio de Janeiro.

De acordo com a polícia, os dois carregavam latas de spray e uma bomba de gás lacrimogêneo. Ainda na semana passada, um juiz decidiu pelo relaxamento da prisão, e o casal já foi liberado. Juristas dizem que as punições previstas pela Lei de Segurança Nacional são mais duras do que as do Código Penal, que prevê penas de seis meses a três meses de prisão.

Para Rafael Custódio, coordenador do programa de Justiça da ONG Conectas, a lei é desnecessária e sua aplicação, um exagero. “Mesmo que receba críticas de que é velho, há o Código Penal. A polícia tem outros instrumentos nas mãos para lidar com essas questões”, afirma. “Acredito que existe uma resposta desproporcional do Estado, que faz com que os manifestantes se sintam vigiados e intimidados, o que não é compatível com a Constituição.”

Para Atila Roque, da Anistia Internacional, será um retrocesso se a lei se configurar numa estratégia efetiva do estado de São Paulo justo no momento em que a ditadura faz 50 anos (em 2014) e durante as investigações da Comissão da Verdade. “Neste contexto, deveríamos estar atentos a qualquer tentação autoritária que faz parte da cultura institucional do Estado brasileiro”, afirma.

Já o presidente do Conselho da Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo (Acrimesp), Ademar Gomes, diz que a aplicação da Lei de Segurança Nacional é válida, mesmo que tenha sido criada durante a ditadura militar. Para ele, o Código Penal é ultrapassado e, as penas, brandas demais.

“Como a lei não foi revogada, não temos outra que possa ser usada pelo Poder Judiciário com mais rigor. Como a lei serviu para a ditadura para acabar com o vandalismo, acho que serve também para a democracia, porque o povo brasileiro não compactua com a violência”, opina Gomes. “A manifestação democrática é aceita por toda a população, mas não uma guerra urbana, como está acontecendo no Brasil.”

Mais duras que Código Penal

O Rio de Janeiro viveu um clima de tensão na segunda-feira passada. Depois de uma passeata pacífica de apoio à greve dos professores das redes de ensino estadual e municipal, houve quebra-quebra no centro da cidade. Um grupo de cerca de 200 pessoas pichou, quebrou janelas e tentou invadir e incendiar a sede da Câmara Municipal.

No dia seguinte, a Polícia Civil anunciou algumas mudanças para evitar que episódios como esses se repetissem. Grupos como os “black blocs” – que, usando máscaras e roupas pretas, promovem o dano material como forma de protesto – serão enquadrados na Lei de Organização Criminosa, aprovada em agosto e em vigor desde setembro.

O texto da lei diz que a reunião de quatro ou mais indivíduos, formal ou informalmente, através de qualquer meio, para a prática criminosa seja interpretada como organização criminosa. Os enquadrados poderão pegar penas mais severas, que chegam a até oito anos de prisão.

Segundo Bruno Shimizu, defensor público e coordenador do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o conceito de crime organizado é absolutamente aberto: pode ser uma empresa que sonega tributos, uma facção prisional ou até mesmo um grupo terrorista.

“No fim, as próprias autoridades das forças de segurança acabam decidindo de forma ideológica quem deverá ser enquadrado ou não neste crime. Este é o grande problema, nitidamente esta é uma medida autoritária”, afirma. “Quando o Estado começa a editar normas criminais que têm conceitos absolutamente abertos, isso influencia o arbítrio não só da polícia, mas também da magistratura, que poderão dar parâmetros amplos do que é o crime organizado.”

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