Empresas analógicas crescem em brechas da evolução digital
Formada em publicidade e ciências sociais, Debora Emm, 29, teve uma ideia para um negócio próprio ao tentar ajudar um colega de empresa. “Um engenheiro me pediu dicas para estudar sociologia. Comecei a conversar com ele para entender quem ele era, que conhecimentos já tinha e o que precisaria. Percebi que havia algo novo aí. […]
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Formada em publicidade e ciências sociais, Debora Emm, 29, teve uma ideia para um negócio próprio ao tentar ajudar um colega de empresa.
“Um engenheiro me pediu dicas para estudar sociologia. Comecei a conversar com ele para entender quem ele era, que conhecimentos já tinha e o que precisaria. Percebi que havia algo novo aí. Como eu poderia ajudá-lo mais do que o Google faria?”
E, mesmo em uma era em que tanta informação está disponível na internet, ela acreditou que havia espaço para criar uma nova carreira: a de “curador de conhecimento”.
Isso foi há três anos. Sua empresa, chamada Inesplorato, tornou-se lucrativa em 2012 e hoje emprega 17 “curadores de conhecimento”, com a proposta de identificar necessidades de conhecimento e formas de provê-lo, para empresas e indivíduos.
Débora e sua equipe pesquisam, sob demanda, universos amplos de conhecimento – de História a gastronomia; de psicanálise a geografia.
Para o comitê olímpico do Rio, por exemplo, fizeram um estudo sobre a cultura da cidade; para amparar as estratégias de uma multinacional de produtos de higiene, pesquisaram a história da beleza.
A Inesplorato é parte de um pequeno grupo de empresas que, apesar de atuarem em ambientes dominados pela evolução digital – como o da informação, o da fotografia e o da música -, descobriram nichos para crescer oferecendo serviços “analógicos”.
“Hoje temos muita informação sendo produzida, mas nossa capacidade de processá-la não acompanhou na mesma velocidade. Não acompanhou isso de forma qualitativa”, justifica Débora.
Capacidade humana
A palavra-chave aí é “qualitativa”. Para estudiosos, empresas conseguem sobreviver no meio não-digital se forem capazes de prover nichos específicos de mercado, com produtos e serviços diferenciados.
“Você encontra nichos analógicos em áreas em que se valoriza a capacidade humana, onde a mídia analógica tem qualidade reconhecida”, opina Sergio Penedo, professor de tecnologia e informação da Faap.
É o caso do mercado fotográfico, em que muitas empresas foram atropeladas pelo avanço de câmeras digitais, de smartphones e do Instagram.
A empresa austríaca Lomography manteve seu portfólio analógico, apostando em atrair um público específico: “Que gosta de fotos mais artísticas, mas não necessariamente feitas por profissionais”, explica Filipa Richter, diretora comercial da empresa no Brasil.
Seu público-alvo são pessoas entre 17 e 25 anos, que já cresceram sob a fotografia digital (“para quem o filme analógico é novidade”, diz Richter), e o grupo dos nostálgicos, que são pessoas mais velhas, com poder aquisitivo alto e que apreciam o lado vintage e a qualidade das fotos tradicionais.
A empresa diz ter vendido 500 mil câmeras e 1,2 milhão de filmes analógicos no mundo em 2012. Tem uma loja em São Paulo e no ano que vem reabrirá a do Rio de Janeiro.
Bolachas
Na música, a qualidade do som é apontada como um dos fatores para a recente retomada do mercado de discos de vinil.
Executivos do setor acreditam estar vendendo também uma “experiência”, já esquecida por muitos dos que consomem música digital.
“Há o que vemos como experiência tríplice: a visual, das capas (dos discos); a tátil, pelo prazer de manusear o vinil; e a auditiva, em razão de um som com comprovada maior qualidade”, opina João Augusto Ramos, executivo da indústria fonográfica que reabriu, em 2009, a Polysom, fabricante carioca de vinis.
A fábrica havia fechado, dois anos antes, por falta de pedidos e instalações precárias.
Nos EUA, as vendas de discos de vinil cresceram 33,5% no primeiro semestre deste ano, segundo pesquisa da Nielsen. A Polysom diz esperar aumento de 60% até o final do ano.
Interação com o digital
Mas, mesmo oferecendo serviços analógicos, “é inevitável dialogar com os meios digitais”, opina Rodrigo Carvalho, professor do núcleo de economia criativa da ESPM-RJ.
“Você pode fazer isso com modelos flexíveis de negócios, criando valor a partir das necessidades do cliente.”
Por exemplo, alguns dos vinis da Polysom são vendidos junto com um cartão de memória, com as músicas do álbum em formato digital, para que o consumidor possa ouvi-las também em MP3.
“Quem compra digital está atrás de portabilidade e rapidez para ouvir a música que gosta. Quem compra vinil está disposto a dispensar mais tempo parado ouvindo música”, diz João Augusto. Dessa forma, a empresa tenta atender os dois públicos.
A Lomography, por sua vez, mantém comunidades de fotografia online e vende aparelhos que, acoplados a câmeras digitais, escaneiam e digitalizam negativos de fotografias antigas.
“Não queremos concorrer com o digital, mas sim acrescentar e interagir com ele”, diz Filipa Richter.
Para Carvalho, da ESPM-RJ, outros setores que estão sofrendo a dura concorrência do avanço digital também começam a buscar alternativas de nicho – algumas também analógicas.
“Acredito que esse seja o caminho para o setor de turismo e hoteleiro, em que a prestação de serviço genérica não vai mais funcionar”, diz, em alusão à concorrência com sites – como Decolar e Airbnb – que substituem a função do agente de turismo e do próprio hotel.
A saída para alguns, opina, será atender bem alguns nichos, “como fazem os hotéis-boutique ou hotéis que vendam experiências (além da hospedagem)”.
A Inesplorato, por sua vez, acredita habitar “o mesmo universo” que ferramentas como Google e Yahoo.
“Mas nosso caminho é diferente. Em vez de algoritmo, usamos o caminho humano”, afirma Débora Emm.
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