Auxiliar de limpeza, haitiano dá aulas de inglês para voltar à faculdade

Voltar aos bancos de uma faculdade é o principal objetivo de Wilgard Fils-aimé, 21, desde que deixou o Haiti, no final de dezembro de 2012. A poucos dias de completar 11 meses vivendo no Brasil, o jovem persiste no sonho e, em busca dele, decidiu dar aulas de inglês para brasileiros como forma de aumentar […]

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Voltar aos bancos de uma faculdade é o principal objetivo de Wilgard Fils-aimé, 21, desde que deixou o Haiti, no final de dezembro de 2012. A poucos dias de completar 11 meses vivendo no Brasil, o jovem persiste no sonho e, em busca dele, decidiu dar aulas de inglês para brasileiros como forma de aumentar sua renda de atuais R$ 854 por mês.

Desde abril de 2013, Wilgard trabalha como auxiliar de limpeza em uma empresa terceirizada que presta serviços para a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Além do inglês aprendido na escola, o jovem fala fluentemente o francês, língua oficial do Haiti, e o crioulo, língua nativa.

“As pessoas [com] que converso durante o trabalho sempre falavam que eu podia dar aula. Aí comecei a pensar na ideia. Será bom para eu guardar mais dinheiro para voltar a estudar no ano que vem”, explica o rapaz. “Por enquanto, dou aula para um médico e o filho dele, mas muitas pessoas já mostraram interesse em aprender”.

O gosto de Wilgard pelos estudos é tão grande que ele chegou a fazer dois cursos superiores ao mesmo tempo no Haiti durante dois meses. De manhã fazia letras e, à tarde, ciências contábeis. “Quis aprender um monte (sic). Recebi uma bolsa de estudos para um deles e aí tentei conciliar. Dormia acho que 3h ou 4h por dia”, relembra feliz.

Sem saber os motivos, o rapaz teve a bolsa de estudos cancelada pela instituição e precisou trancar a matrícula. O outro curso era caro demais (2.500 dólares por mês) para a renda da família.

Vinda para o Brasil

Wilgard desembarcou no aeroporto de São Paulo no dia 29 de dezembro de 2012 após ser “resgatado” em Córdoba, Argentina, por um primo que vivia e trabalhava no Brasil.

Convidado por seu tio, um comerciante que vivia há sete anos na Argentina, o jovem deixou o Haiti com o propósito de cursar o ensino superior, já que em sua cidade natal, Arcahaie, a família não teria condições de bancá-lo.

Com a passagem paga pelo tio, Wilgard seguiu para a Argentina, porém ao chegar ao aeroporto seu tio não estava lá como haviam combinado. “Quando cheguei não tinha ninguém. E eu nem cheguei a pegar o endereço porque ele me disse para não se preocupar, pois ele iria estar lá esperando por mim”, explica. Segundo o jovem, ninguém sabe o que aconteceu com o tio. Informações de que ele teria falecido chegaram até seus familiares, porém até hoje não foram confirmadas.

Ao se ver sozinho em um país desconhecido, o rapaz entrou em contato com a mãe no Haiti e depois de algumas horas seguiu para um hotel. Ficou por lá durante três dias, enquanto a mãe tentava fazer contato via telefone com o tio em Córdoba e com a outra parte da família que morava em São Paulo.

Haiti não é aqui

“Foi muito triste. O dinheiro foi acabando e meu primo foi me pegar lá na Argentina e me trouxe para São Paulo. No começo eu quis voltar para o Haiti, mas lá é pior e a vida é assim. Às vezes é boa, às vezes não”, lembra. “Eu quero fazer faculdade e lá eu não tinha condições. E qualquer lugar é melhor que o Haiti, o custo de vida é muito alto e ainda é muito perigoso.”

Passado o susto e já instalado na casa de familiares, Wilgard procurou regularizar sua situação de permanência no Brasil, documento que precisa ser renovado a cada seis meses, segundo ele.

Chegou a trabalhar com construção civil em Minas Gerais, mas não se adaptou. “Foram quase dois meses trabalhando em obra. Dormia mal, comia mal. Foi bem difícil.”

Diante da dificuldade retornou para São Paulo e continuou em sua busca por trabalho até que a mãe de um amigo o indicou para trabalhar em seu atual emprego.

Para ele, o que mais atrapalha a vida no Brasil é a falta que sente de casa e, principalmente, da mãe. “Todo dia sinto saudades. Olho as fotos do meu país na internet, das praias”, suspira. “É bem difícil, mas não saio daqui enquanto não conseguir cursar uma faculdade. Se voltar [ao Haiti], só volto depois disso.”

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