Aquário: arquiteto diz que pesquisar fauna do Pantanal em ambiente artificial vai gerar erros

Celso Costa acredita que a única motivação da construção do Aquário em Campo Grande foi política e pessoal, e não científica

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Celso Costa acredita que a única motivação da construção do Aquário em Campo Grande foi política e pessoal, e não científica

Crítico aberto e declarado da construção do Aquário do Pantanal, Celso Costa, arquiteto sul-mato-grossense de longa carreira profissional, aponta em entrevista ao Midiamax quais são os fatores que fundamentam a sua frontal rejeição à obra de Ruy Ohtaque, feita sob encomenda do governador Puccinelli.

Celso Costa rebate o principal argumento para a construção de obra de R$ 100 milhões do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Ictiofauna Pantaneira. Em ciência e ecologia, o termo “ictiofauna” se refere ao conjunto das espécies de peixes de uma região biogeográfica, e neste caso, o Pantanal.

O arquiteto afirma sem reservas que é impossível reproduzir em tanques as mesmas condições naturais do habitat das milhares de espécies que seriam pesquisadas nos laboratórios do Aquário, artificial.

“Eu posso dizer pra você com segurança: em cima de uma premissa errada, você aplicando altas tecnologias, você cresce o erro, não cresce a solução, mas cresce o erro. As consequências podem ser terríveis porque nós teremos alguma coisa escrita por cientistas, em cima de uma coisa artificial, quando há 150 quilômetros daqui nós temos in natura. E não custa R$ 100 milhões”, assevera Costa.

Oficialmente, o Aquário terá “17 mil metros quadrados (90m de comprimento e 18m de altura), 16 grandes aquários dentro do prédio, além dos 05 instalados na área externa, neles estarão presente 4.275.000 litros de água e 263 espécies da fauna aquática”, inclusive de espécies amazônicas.

Para se ter uma ideia, a enorme diversidade do Pantanal é descrita pela Embrapa Pantanal em todo o seu gigantismo.

“O Pantanal sul-mato-grossense é uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta e está localizado no centro da América do Sul, na bacia hidrográfica do Alto Paraguai. Sua área é de 138.183 km2, com 65% de seu território no estado de Mato Grosso do Sul e 35% no Mato Grosso. A região é uma planície aluvial influenciada por rios que drenam a bacia do Alto Paraguai, onde se desenvolve uma fauna e flora de rara beleza e abundância, influenciada por quatro grandes biomas: Amazônia, Cerrado, Chaco e Mata Atlântica”, registra a Embrapa.

Desde o ano 2000, o Pantanal é tido como Reserva da Biosfera, por se constituir numa das mais diversificadas reservas naturais da Terra.

Diante da impossibilidade de pesquisar os seres do Pantanal dentro dos limites do Aquário, segundo Costa, ele aponta o fator determinantepara a construção da obra –a vontade de ordem política do governador André Puccinelli.

“Pode ser megalomania, deixar o nome para posteridade, uma coisa desse tipo ‘eu fui governador, que posso dizer mais tarde que eu fiz coisa desse tipo’, não imagino de outra forma”, assevera Costa.

Confira a entrevista:

Reportagem – Que fatores o senhor contesta na própria concepção do Aquário do Pantanal?

Celso Costa – Nós temos que analisar isso por alguns aspectos, o político e social e o científico – e o aspecto do estado do Mato Grosso do Sul em relação ao mundo. A repercussão de uma pesquisa é muito gratificante no momento em que tem sucesso, e ao mesmo tempo, em que serve ao mundo de saber.

O Pantanal é único no mundo. Nada consegue reproduzir. E o que nós estamos fazendo é um Pantanal artificial. Nós temos que analisar sob o aspecto da moradia desses peixes, seu habitat, que leva em conta, em primeiro lugar, a água.

A água é fundamental para que esses peixes estejam aclimatados no seu ambiente. Ora, no Pantanal é sabido que nós temos água pesada, altamente alcalina salobra. Para esses peixes, o seu ambiente é esse aí.

Para que você faça uma água artificial,salobra, é extremamente difícil e cara. Reproduzir aquela água é a coisa mais difícil que tem. Se eu misturar um copo de água do rio Paraná com um copo do rio Paraguai, ela desaparece, e vira uma só, porque a água é muito flexível, ela toma o seu rumo.

Agora, os peixes vivem no seu habitat e do seu alimento principal, que estão lá. E o alimento principal é o que vive dessas águas alcalinas.

Reportagem – Por que é impossível recriar o alimento para os peixes num ambiente artificial?

Celso Costa – Quando nós nascemos, tem um período de três anos de adaptação do ser humano. Enquanto ele está na barriga da mamãe, está num ambiente universal. Quando ele nasce, leva três anos para se adaptar. Então vai adaptar na neve ou aqui no Pantanal. Esse adaptar significa pegar coqueluche, sarampo, catapora, e em outros lugares, outras coisas. Agora, quando eu faço a pesquisa sobre um determinado alimento, faço em seu habitat. Não num aquário.

O aquário tem por base em seu ambiente a água. Essa água é da própria da natureza do seu entorno. As plantas que vivem lá dependem dessa água. Os peixes que vivem lá dependem dessa água. A mistura de água, plantas, que são os alimentos dos peixes, é a vida que existe lá. Eu não posso fazer um tanque aqui em Campo Grande igual ao Pantanal.

Reportagem – E o Pantanal não deve ser uma coisa só, tem biomas e diversidades internas?

Celso Costa–O Pantanal é tão diversificado que por isso tem a sua riqueza.

Reportagem – Mas pelo que o sr. afirma, é impossível reproduzir toda a diversidade do Pantanal num aquário, mas esse é exatamente o principal argumento do governo do estado para construí-lo, ao custo de R$ 100 milhões até aqui?

Celso Costa – Por isso que nós estamos falando de coisas erradas. Isso um grave erro na concepção. Eu posso dizer pra você com segurança: em cima de uma premissa errada, você aplicando altas tecnologias, você cresce o erro, não cresce a solução, mas cresce o erro.

As consequências podem ser terríveis porque nós teremos alguma coisa escrita por cientistas, em cima de uma coisa artificial, quando há 150 quilômetros daqui nós temos in natura. E não custa R$ 100 milhões.

Reportagem– Uma das justificativas do arquiteto Ruy Ohtake para o aditivo de R$ 20 milhões era a de fazer uma alteração para separar jacarés de antas e lontras, mas na natureza não tem essa separação?

Celso Costa – Você já viu como é que vivem a onça e a capivara¿ A capivara sabe que a onça vai pular, e quando ela percebe, corre e mergulha, e aí a onça se perde. Então o habitat dela tem a sua defesa, é o rio. Eles convivem.

Agora você imagine pesquisar um peixe que foi retirado do seu habitat natural e colocado num habitat artificial, e querer estudar o seu comportamento. Você não está analisando o peixe da forma natural.

Reportagem -Mas se não terá a água correta, se serão colocadas plantas artificiais em conjunto com plantas naturais, entre outras coisas, o que acontecerá?

Celso Costa – O resultado final disso é errado. Não vai se conseguir o objetivo de fazer uma pesquisa no ambiente natural. Qualquer cientista que vier aqui, e ver que o Pantanal está a 150 quilômetros, não vai querer ficar no aquário, ele vai lá ver no ambiente. São pesquisadores, não são ‘trouxas’.

Reportagem – Mas se a flora e a fauna do Pantanal estão próximas, qual é a razão de se fazer um aquário, em sua opinião?

Celso Costa – Eu tentei definir, mas não consegui. Pode ser megalomania, deixa nome para posteridade, uma coisa desse tipo “eu fui governador, o que posso dizer mais tarde que eu fiz”, coisa desse tipo, não imagino de outra forma.

E outra coisa, R$ 100 milhões é um edifício de 35 andares, justamente a Santa Casa.Nós estamos pagando caro demais para uma coisa que está errada, com a premissa errada.

Dizer que eu vou fazer uma coisa que eu não sei quanto vai custar é um atestado de burrice, com tanta tecnologia, com tantos programas que falam pela gente. Não há como justificar o erro, a não ser dizer “olha, eu estou errado”. Agora, justificar os valores porque tem que fazer uma coisa não planejada, está se justificando os erros que vão acontecer até o final dessa obra.

Reportagem – E qual a pesquisa correta?

Celso Costa – Se eu pegar uns metros quadrados do Pantanal para pesquisar, passo um bom tempo da vida trabalhando. Mas eu tenho que ter uma visão do global. Não posso ter todo o Pantanal num aquário.

O Pantanal é vivo porque existe porque há a Amazônia, os Andes, um regime diferenciado de águas (seca e cheias), um ambiente milenar, que aí se formou o atual ambiente, que nós vamos estudar.

Reportagem –E sobre o projeto arquitetônico. Hoje, mais que antes, há um apelo pelo verde, pelo meio ambiente, então é natural que a arquitetura queira se incorporar às áreas preservadas, e não subjugar as áreas verdes, como no caso do Parque das Nações Indígenas, um patrimônio de Campo Grande?

Celso Costa – Aquele ambiente do parque está voltando a ter as árvores antigas, que foram preservadas, está ficando muito bonito, é um cartão postal de Campo Grande, está se adequando. Agora, não vamos ter um broche, colocado lá naquele parque e fazendo do parque uma propriedade do broche.

A forma daquele trem, que eu não quero chamar de uma bola de futebol americano, não tem nada a ver com a arquitetura sul-mato-grossense, nada a ver com nosso estado, e nada a ver com o mundo.

Aquilo é faraônico, uma forma terrível para se construir, imagina os vidros que serão colocados lá, da forma que está na maquete, custando essa fortuna (cogita-se no mercado da construção do MS que a importação dos vidros custará mais de uma dezena de milhões de reais).

É um projeto mal estudado, a mim parece que foi encomendado com prazo de entrega, desrespeitando frontalmente os sul-mato-grossenses, em todos os aspectos.

Reportagem – O governo está buscando empresas para referenciar a gestão do aquário, e já estão surgindo empresas multinacionais. Qualsua opinião?

Celso Costa – O Estado investe na Educação, desde o prézinho até a universidade, e depois abandona, não há uma continuidade.

Se o Estado está formando biólogos, se está produzindo engenheiro, arquiteto, economistas, ele tem que se preocupar em dar aos que estão sendo produzidos e se formando, dar a eles o trabalho que merece. Nós temos um déficit no Brasil que é absurdo, em todas as áreas da ciência e da tecnologia, e nós temos profissionais de braços cruzados.

Gente comendo muito, e gente não comendo nada. Se não houver a política ao lado do profissional, dando a todos eles aquilo que é de direito para resolver o problema, não dá certo.

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