Pai é condenado em danos morais por abandono afetivo de 2 filhos

A 4ª. Turma Cível do Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, deu provimento a um recurso intentado por dois menores que moveram ação de indenização por danos morais em face de seu pai, em razão de abandono afetivo, ocorrido logo depois da separação da mãe dos menores. Em primeiro grau o pedido de indenização […]

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A 4ª. Turma Cível do Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, deu provimento a um recurso intentado por dois menores que moveram ação de indenização por danos morais em face de seu pai, em razão de abandono afetivo, ocorrido logo depois da separação da mãe dos menores.

Em primeiro grau o pedido de indenização foi julgado improcedente, mas os menores recorreram e obtiveram a reforma da sentença, havendo o pai sido condenado a pagar a cada um dos filhos a importância de R$ 100.000,00, por danos morais decorrentes de abandono afetivo.

De acordo com os autos, os filhos relataram que o abandono teve início ainda quando a família tinha convívio comum. Essa situação se agravou após o nascimento do segundo filho, o pai deixou o lar, abandonou a família e se mudou para outro Estado, assumindo relação extraconjugal, passando então a não mais visitar os filhos.

O filho mais velho afirmou que diversas vezes tentou contato com pai, mas sempre recebeu recusa ou distanciamento como resposta. O filho mais novo sustentou que o pai saiu de casa quando ele tinha apenas 45 dias de nascido e nunca mais procurou vê-lo, sendo que somente após 5 anos eles se encontraram por acaso em um shopping, ocasião em que foram apresentados e que permaneceram juntos por apenas 10 minutos, nunca mais recebendo a visitação do pai.

Documentos juntados aos autos informam que os filhos sofrem com abalos morais pela ausência e indiferença do pai, inclusive passando por internações em clínicas psiquiátricas, diagnósticos de depressão e déficit de atenção.

O argumento do pai foi o de que jamais abandonou os filhos, “muito menos por vontade própria”, afirmando que a separação com a mãe dos apelantes foi traumática e longa, e que se mudou de cidade em razão da vida profissional, onde refez sua vida pessoal. Ele sustentou que a distância física não o impediu de buscar a convivência e presença na vida dos filhos, sendo impedido pela mãe das crianças. O pai afirmou que não deixou de prestar auxílio material, pois paga pensão alimentícia de R$ 8,2 mil reais.

O relator da Apelação Cível, Des. Dorival Renato Pavan, entendeu estarem presentes os requisitos para indenização por abandono afetivo e, consequentemente, os elementos para caracterização da indenização por dano moral.

O Relator partiu da premissa de que o direito de visita aos filhos não é uma faculdade do pai, mas um direito subjetivo impostergável do filho, de ter consigo a presença do pai, essencial para a formação de sua personalidade e de seu caráter. A privação da visita, por ato voluntário, sustentou o Desembargador, não é suprida pelo pagamento da pensão alimentícia, que tem outra natureza jurídica e outra finalidade e não supre a ausência voluntária do pai na vida dos filhos.

O Desembargador sustentou que o pai tem o direito de se separar da esposa, mas não tem o direito de se separar dos filhos, perante os quais, mais do que uma faculdade, tem um dever de visita constante, para incluí-lo no plexo dos direitos e deveres que se referem à convivência familiar e, com ela, proporcionar-lhes um desenvolvimento intelectual e psicológico normal, rumo à maioridade e à integridade de seu caráter e sua personalidade.

Por isto que, entendeu o desembargador, é ato ilícito, passível de indenização por dano moral, o abandono efetivo imposto pelo pai aos seus filhos. “Por descumprir o pai, apelado, os deveres fundamentais relativos à autoridade parental, que é o de dar amor aos seus filhos, reconhecidos como sendo direito subjetivo destes”, passa ele a ser responsável pelos danos causados ao menor, no campo moral, o que o obriga ao dever de indenizar, fundamentou o relator.

Em seu voto, ele afirma que o dano está presente, pois conforme se verifica nos vários laudos de psicólogos, pediatras, psiquiatras, entre outros, a causa de todos os abalos psicológicos e psiquiátricos experimentados pelos menores é a ausência do pai na vida dos autores, ressaltando que nem seria necessário laudo psicológico ou psiquiátrico na espécie, porque o dano é presumido.

“Por outras palavras, o que estou afirmando é que o abandono moral, tal como aqui ocorrido, é apto o suficiente para impor ao pai, que abandonou, a obrigação de pagamento de danos morais”, expressou o Des. Dorival Renato Pavan, sustentando estar embasado “tanto do ponto de vista da legislação, que autoriza a condenação, quanto da doutrina e jurisprudência, que referendam esse entendimento, em que pese ser, ainda, uma questão embrionária que está nascendo e se formando no pensamento jurídico e na cultura brasileira”.

“O ato ilícito praticado pelo apelado, a meu modo de ver, é flagrante, e decorre, inclusive, de um ato desumano, de falta de sentimento, de dignidade, de respeito para com os filhos, aos quais abandonou e em relação aos quais a mera prestação de alimentos (que é outro dever, de natureza material) não tem o condão de substituir e de reparar os enormes estragos e danos que está cometendo contra o processo de formação psicológica e do caráter de seus filhos. O abandono afetivo é ignóbil, vil, repulsivo e assume a forma de um espectro quando praticado contra o infante, a criança ou o adolescente”, expôs o desembargador.

O magistrado frisou que a hipótese dos autos é excepcional. “A infinitude permanente da vida entre pai e filho, que personifica uma das diversas nuances da convivência familiar, torna-se capital na formação da personalidade e do caráter do infante, da criança ou do adolescente. A convivência familiar ininterrupta e saudável, aí considerada a presença do pai na vida do filho, com todos os elementos que essa presença carrega em si mesma, é direito fundamental da criança ou do adolescente, constituindo-se em abuso moral o descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental. O pai não detentor da guarda não tem apenas o direito de visitar o filho formalmente, mas principalmente o dever de assim agir. O direito de visitação é um direito inalienável e impostergável cuja titularidade pertence ao filho e deve ser assegurado em seu favor e em seu benefício. Negar o afeto é negar um direito fundamental, é ofender a integridade e a dignidade do filho, ser humano em processo de formação da personalidade, na medida em que a presença regular e efetiva do pai em sua vida é essencial e indispensável ao seu pleno desenvolvimento rumo à maturidade, formação pessoal, social e moral”, ponderou o Des. Dorival Renato Pavan, relator, no que foi seguido pela unanimidade da 4ª. Câmara Cível deste Tribunal de Justiça.

Recentemente, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi objeto de discussão a possibilidade ou não de compensação por danos morais por abandono afetivo, no julgamento do Recurso Especial nº 1.159.242 / SP. Nesse acórdão, o pai foi condenado a pagar indenização por danos morais ao seu filho, em razão do abandono afetivo, de R$ 200 mil, o que, segundo Dorival Pavan, revela bem a severidade com que o STJ tratou da matéria, realçando sua relevância, por dizer respeito, exatamente, a um dos mais importantes direitos do ser humano, que é o de ter a sua dignidade preservada.

No recurso de Apelação os magistrados entenderam ser devida a indenização por danos morais por abandono afetivo, no valor de R$ 100 mil para cada um dos autores e dentro das condições econômicas financeiras do pai. Este processo ainda está sujeito a recursos.

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