Pacientes pagam exames por causa da demora ou ausência de tratamento do SUS no interior

Para que as doenças não se agravem, pacientes lotam hospital privado da capital, diariamente

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Para que as doenças não se agravem, pacientes lotam hospital privado da capital, diariamente

Mulheres, sem sombra de dúvida, são as que mais conhecem as dificuldades para a obtenção de atendimentos pelo SUS no MS. São elas que batalham, para si mesmas ou seus familiares, por qualquer tipo de atendimento que não os deixe desassistidos, mesmo que para isso tenham que pagar.

É o que a reportagem do Midiamax comprovou às portas do Hospital Evangélico de Campo Grande, um hospital privado, sem vínculos com o SUS, mas que realiza exames e consultas para quem não tem plano de saúde. O hospital vive lotado.

Os pacientes relatam que mal podem pagar pelo atendimento, mesmo com tarifas diferenciadas, com 50% de desconto, se comparado às outras clínicas particulares do estado.

Quando não encontram acolhida nos hospitais regionais, como os de Coxim ou Nova Andradina, por exemplo, nem no  Hospital Regional Rosa Pedrossian – aquele das bonitas propagandas com atores, do governo estadual – ou na Santa Casa, vale tudo para não adoecer ainda mais. Até pedir dinheiro na rua.

Este é o caso de Nilda Giacomo, de Rio Negro. Ela é uma sitiante que vende hortaliças em Rio Negro, e teve que gastar cerca de R$ 300,00 em uma consulta e dois exames. Como não tinha o dinheiro todo, teve que pedir aos amigos.

“Eu sai pedindo na rua, foi o melhor jeito. Sai pedindo ajuda na rua para os amigos, os companheiros, e o povo falava “eu ajudo, dona Nilda, porque a senhora nunca fez isso”, diz ela.

A verdureira justificou-se pelo ato de pedir dinheiro, com um “sempre vendo as coisas na rua, verduras, eu sempre tenho meu dinheirinho, mas a doença me pegou e eu não tinha nenhum centavo”.

A doença que “pegou” dona Nilda foi um AVC – acidente vascular cerebral – que lhe paralisou o braço esquerdo.

Obviamente, socorro imediato e acompanhamento por um neurologista são fundamentais. Mas agora, diante da dificuldade em custear o tratamento, ela pensa abandonar tudo.

“R$ 300,00 é dinheiro adoidado, eu até falei pro meu esposo que os últimos exames eram esses de hoje. A gente fica sofrendo, pra lá e pra cá, com carro e condução pra vir”, explica, desanimada.

Mulheres do SUS pagam por exames básicos

Outras mulheres ouvidas na porta do Evangélico dizem que, em função da demora em realizar consultas e exames no interior do estado, pelo SUS, preferem se cotizar com a família para fazer os tratamentos indispensáveis, como consulta com ginecologista ou endocrinologista.

É o caso de Rosane Medina, de Bonito, que passou por exame  ginecológico no Evangélico. Ela estava esperando pelo horário da consulta sentada em uma mureta do lado de fora do hospital, junto com outra amiga, que pagou para fazer uma mamografia – aquele exame que detecta, ou não, câncer de mama.

“Lá em Bonito não tem mamografia e o ginecologista é difícil de conseguir pra atender a gente”. Mas, e se tiver que fazer uma cirurgia? “ Aí fica difícil, né, lá o povo tá… lá não tem médico, tá tudo parado”.

Passar pelo endocrinologista foi o motivo da vinda de Marlene Dino, de Sidrolândia, encaminhada por um posto de saúde local, cansada de uma “negociação”.

Mesmo dando entrada pelo SUS em sua cidade, a solução foi pagar. “A cidade tem médico, parece que saiu, eles ficaram me enrolando desde dezembro, disseram que o médico talvez nem volte mais, sei lá, fica nessa negociação.”

O que acha da situação? Dona Marlene resume com um “é bravo, hein?” contando que “hoje mesmo teve uma senhora da minha cidade que foi embora do Evangélico, porque não conseguiu a consulta, chegou às três da manhã, mas já estava lotado”.  

O filho de uma paciente de São Gabriel do Oeste (ambos pediram para não serem identificados) explicou que a mãe chegou ao hospital para fazer uma endoscopia.

“ Foi feita a consulta pelo SUS e, devido ao preço do exame ser muito caro, e não ter a especialidade lá no meu município, então a gente pediu pro SUS que houvesse uma ajuda de custo. Foi feita a ajuda e encaminhado pra cá. O exame custa R$ 600,00, o SUS ajuda com 50%. A gente vem aqui, sabe que é particular, mas o SUS cobre metade do exame e a prefeitura trouxe a gente”.

E a mãe explicou a sua necessidade: “Demora muito, mas a gente está necessitada, aí fica pagando, né, a gente não pode esperar muito, porque o caso, às vezes, é de urgência. Mas R$ 300,00 faz muita falta, no dia-a-dia em casa”. 

Governo do estado disse que é referência

Apesar das seguidas romarias de pacientes em ônibus e ambulâncias de prefeituras para a capital, ou mesmo carros particulares, o governo do estado afirmou que é referência no reordenamento do SUS no MS.

Durante o 27º Congresso Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, em julho de 2011, a secretária Beatriz Dobashi, referindo-se à apresentação de seus atos à frente da Saúde, disse que “todo mundo gostou, foi bastante elogiado, todos estão pedindo cópia de como nós trabalhamos, querem informações, querem vir conversar com as equipes”. A informação é oficial.

“Nós mexemos nos contratos que o Estado tem com os hospitais, melhoramos o financiamento, demos treinamento, ajudamos a reformar e comprar equipamentos, construímos hospitais”, garantiu Dobashi na ocasião.

Referindo-se ao reordenamento das macro e microrregiões por tipo de atendimento e especialidades, a secretária mostrou um quadro bem elaborado aos seus pares de outros estados.

“Quando se fala em organizar rede de serviços significa definir quem fará o quê naquela macrorregião. Existem municípios que fazem a atenção básica; alguns, maiores, conseguem oferecer a atenção especializada. Para uma necessidade mais complexa, tem que ter atendimento pactuado na região. Um paciente que sente uma dor forte no peito, por exemplo, precisa ter o atendimento desde a atenção básica, até o serviço disponível de cardiologia”, garantiu Dobashi.

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