Fim da troca de favores racha a base aliada e expõe governo Dilma

A crise que a presidente Dilma Rousseff enfrenta com a base aliada é o troco de uma nova forma de relacionamento político e pode ter desdobramentos que vão além dos recentes impasses relativos ao adiamento na votação da Lei Geral da Copa. A avaliação é de especialistas em ciência política. Para o professor da Universidade […]

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A crise que a presidente Dilma Rousseff enfrenta com a base aliada é o troco de uma nova forma de relacionamento político e pode ter desdobramentos que vão além dos recentes impasses relativos ao adiamento na votação da Lei Geral da Copa. A avaliação é de especialistas em ciência política.

Para o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e consultor em marketing político Juliano Corbellini, Dilma enfrenta a reação do sistema político tradicional contra a nova ordem proposta em seu governo. O tensionamento gerado pelo fim de uma relação de essência “fisiológica” – calcada na troca de favores e na concessão de cargos para a base aliada por decisões técnicas – estaria na origem dos embates. “Vemos uma queda de braço, mas ninguém por enquanto está vencendo”, diz o especialista.

As articuladoras escolhidas pela presidente para as negociações, as ministras Ideli Salvatti (Relações Institucionais) e Gleisi Hoffmann (Casa Civil), seriam uma extensão de seu estilo menos flexível que o de presidentes anteriores, como Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que tinham por hábito contornar crises parecidas fazendo concessões.

Para o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Roberto Romano, as interlocutoras que representam o perfil executivo de Dilma são uma pista dos problemas com a base. “Todo mundo sabe que Ideli é autoritária e desastrada”, diz.

Esse sentimento é compartilhado dentro da Câmara e do Senado. Ora veladas, ora explícitas, as acusações contra o “estilo Ideli” refletem o clima azedo que predomina na relação entre Planalto e Congresso. Independente dos motivos, o fato é que a ministra vem sendo criticada por seu estilo “truculento”, na tentativa de impor as vontades da presidente Dilma.

Parte dos ataques é atribuída ao grupo ligado ao deputado e ex-líder do governo na Câmara Cândido Vaccarezza (PT-SP), que perdeu o posto para o colega Arlindo Chinaglia (PT-SP). Vaccarezza cobiçava a Secretaria de Relações Institucionais antes de Ideli assumir.

Mas a maior chiadeira vem dos parlamentares descontentes com a falta de liberação das emendas. Esses pagamentos são considerados estratégicos para manter satisfeita a base eleitoral dos congressistas, especialmente em ano de eleições municipais. E como as negativas são sempre proferidas pela ministra, que recebe diariamente deputados e senadores com essa demanda, o desgaste vai se acumulando. Com o corte orçamentário, R$ 20 bilhões em emendas parlamentares foram trancados pelo governo. E sem dinheiro, a gritaria dos congressistas é grande.

“A ministra não pode vir aqui impor sua vontade. A relação política é de agrado. Em política, cada palavra tem peso, política é gesto. E ela ignora isso”, avalia o líder do PTB na Câmara, Jovair Arantes (GO). Para o deputado, a relação do Planalto com o Congresso precisa ser reavaliada. “Formamos um bloco com o PSC porque podemos não ser um time da primeira divisão, mas somos um time que apoia o governo. Essa relação precisa ser repensada”.

Não é à toa que, durante a semana, surgiu o boato de que Ideli daria lugar ao ministro Paulo Bernardo, atualmente à frente das Comunicações. O vespeiro, no entanto, é mais perigoso do que foi aventado. Na realidade, o governo tentou convencer o PR, que se declarou independente, a ficar com as Comunicações. O PT, então, assumiria a pasta dos Transportes. A proposta foi a gota d¿água na relação, externada pelo líder do PR no Senado, Blairo Maggi (MS).

“O governo tem levado os aliados a atos extremistas. Essas tensões precisam ser negociadas, senão o trabalho no Congresso ficará paralisado. Não é só o PR que não está contente. Prova disso foi o que aconteceu com a Lei Geral da Copa”, disse o líder, referindo-se à manobra dos partidos da base que acabou esvaziando o plenário da Câmara na última quarta-feira.

Roberto Romano afirma que a briga no Congresso é expressão das disputas de oligarquias regionais, mas a própria composição do Estado brasileiro é um fator que catalisa as tensões com o Congresso. “Paradoxalmente, enquanto o governo presidencialista dá muito poder ao Palácio do Planalto, ao mesmo tempo sem uma base grande e satisfeita o presidente da República não faz nada e precisa abusar de medidas provisórias”, disse Romano.

Entenda crise

A crise com o PMDB veio a público após a divulgação de um manifesto subscrito por deputados e avalizado pelo vice-presidente Michel Temer, contendo críticas ao PT e ao governo. Desde a campanha eleitoral, o PMDB vinha dando sinais de que seu apetite por cargos, em especial Ministérios, seria maior na terceira gestão petista do que nas anteriores.

Aliados como o PR, o PDT e o PSB também se destacaram por expressivas votações contra o Fundo de Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais (Funpresp). A crise gerou uma troca de lideranças governistas no Senado e na Câmara, oficializadas em meados do mês, com a tentativa de melhorar o relacionamento entre Executivo e Legislativo. Saiu o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza, sendo substituído por Arlindo Chinaglia, que vem minimizando a crise.

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