Brasil estuda o passado de homem da Antártica
Daqui a duas semanas , estará chegando ao Brasil pela primeira vez uma coleção de objetos arqueológicos da Antártica. São relíquias, como garrafas, cachimbos de cerâmica, roupas e sapatos, panelas, materiais cortantes e até um tabuleiro de jogo de damas, usadas pelos primeiros ocupantes do continente gelado, que se aventuram por lá há quase 200 […]
Arquivo –
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Daqui a duas semanas , estará chegando ao Brasil pela primeira vez uma coleção de objetos arqueológicos da Antártica. São relíquias, como garrafas, cachimbos de cerâmica, roupas e sapatos, panelas, materiais cortantes e até um tabuleiro de jogo de damas, usadas pelos primeiros ocupantes do continente gelado, que se aventuram por lá há quase 200 anos. A coleção é fruto de expedição realizada no verão deste ano pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Trata-se nada menos da primeira expedição de ciências humanas feita por instituição científica brasileira na Antártica.
– Até agora, as pesquisas brasileiras na Antártica foram na área de geologia, biologia e glaciologia, ou seja, de ciências naturais. Estamos abrindo um campo de pesquisa para estudar a presença humana na Antártica – diz o coordenador da pesquisa, o
arqueólogo Andrés Zarandin, da UFMG.
A Antártica foi o último grande espaço, ou continente, a ser explorado pelo homem. Descoberta oficialmente pelos ingleses, em 1819, ela não nunca permitiu a ocupação permanente do homem, devido ao rigor de seu clima. Mas naquele época remota, há dois séculos, levas e levas de exploradores e caçadores frequentavam o continente gelado.
Os achados arqueológicos da expedição brasileira, que contou com mais sete integrantes, são desta época remota. Ali, por volta do final do século 18 e o começo do século 19, trabalhadores a serviço de companhias comerciais e marítimas passavam temporadas de três meses, caçando focas, elefantes-marinhos e baleias. Eles erguiam pequenas construções ou se abrigavam em cavernas durante este período – deixando como legado para os cientistas de hoje relíquias daquela época.
– A arqueologia estuda o ser humano a partir de objetos. Enquanto documentos são produzidos pela elite e mostram uma visão do mundo a partir deste grupo dominante, a arqueologia pode revelar a história da presença humana na Antártica a partir dos vestígios deixados por trabalhadores, gente comum – diz o pesquisador da UFMG.
Helicóptero
A expedição brasileira chegou em 14 de fevereiro à Península Byers, que fica ao lado das Ilhas Shetland do Sul, na região antártica. Eles vieram com o navio polar brasileiro Almirante Maximiano, e desembarcaram na península de helicóptero. Lá montaram barracas a cerca de 1,5 quilômetros de dois sítios arqueológicos. Ficaram até o dia 6 de março, enfrentando uma temperatura média de 5 graus abaixo de zero.
A Penísula Byers é pródiga em sítios arqueológicos: lá já foram encontrados 26 deles. Nos dois sítios escolhidos pela equipe brasileira, foram recolhidas três caixas com material usado pelos pioneiros da Antártica.
– A partir de um elemento como um sapato, uma roupa ou um cachimbo, podemos contar a história de uma pessoa. Queremos contar esta história que é invisível para a maioria da humanidade – diz Zarandin.
Aliás, a pesquisa brasileira é uma das quatro na área de arqueologia realizada na Antártica, considerando toda a comunidade científica internacional.
– Isto pode dar uma visibilidade muito grande para a ciência brasileira – diz Zarandin.
Mas, afinal, quem eram estas pessoas que enfrentavam mares revoltos e gélidos no começo do século 19? O que eles faziam lá? Basicamente caçavam focas, elefantes-marinhos e baleias. Das focas, tiravam a pele para confecção de roupas. Dos elefantes-marinhos e das baleias, óleo, que durante muitas décadas foi usado como combustível, na iluminação pública, por exemplo. Na verdade, fizeram um estrago por lá.
– Estima-se que em cinco anos foi caçada 80% da população animal da Antártica. Em 1820, um navio voltava de lá com 20 mil peles. Em 1825, com apenas 15 peles. Logo, os recursos se exauriram e as expedições comerciais terminaram – diz o cientista, que é argentino de origem, mas radicado no Brasil.
Toda esta aventura científica começou há cerca de 15 anos, quando geólogos encontraram uma caverna com vestígios arqueológicos da presença humana. Não sabiam se estas pessoas eram náufragos, desviados de rota. Em 1819, um comerciante marítimo inglês anotou em seu diário de bordo que havia localizado um pedaço de âncora de um navio espanhol chamado San Telmo. Ao chegar ao Chile e contar a história, organizaram uma expedição. O capitão acabou declarando ali a descoberta da Antártica.
Posteriormente, expedições científicas, já nos anos 90 do século 20, lançaram uma teoria de que os achados do comerciante inglês não pertenciam a náufragos, mas a caçadores. Muitos cientistas, como Zarandin, acreditam que indígenas do Sul do Chile frequentavam a Antártica em expedições de caça. Esta história agora pode ser passada a limpo, com os estudos que serão feitos pelos cientistas do Brasil.
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