No Brasil, só 7% das cidades têm um time profissional de futebol
A pandemia obrigou os brasileiros a viver sem o futebol. Mas essa já é a realidade de 100 milhões de pessoas, quase metade da população do País, que vivem em cidades sem um time profissional. Pesquisa da consultoria Pluri mostra os 650 times que disputam competições oficiais no Brasil no ano passado estão em apenas […]
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A pandemia obrigou os brasileiros a viver sem o futebol. Mas essa já é a realidade de 100 milhões de pessoas, quase metade da população do País, que vivem em cidades sem um time profissional. Pesquisa da consultoria Pluri mostra os 650 times que disputam competições oficiais no Brasil no ano passado estão em apenas 422 dos 5.570 municípios. É apenas 7%. Para dirigentes e especialistas, os dados revelam a concentração do esporte aos grandes centros urbanos e colocam em xeque a expressão “País do futebol”.
O estado de São Paulo mostra as duas faces da moeda. É a unidade com mais clubes, 89 ao todo, mas concentra 40% das cidades acima de 100 mil habitantes que não têm um time profissional. “Proporcionalmente, São Paulo está sub representado. É um Estado que representa cerca de 35% do PIB do Brasil, mas com apenas 14% dos clubes. Existe força econômica e população suficiente para aumentar esse número”, analisa Fernando Ferreira, fundador da Pluri.
Reinaldo Carneiro Bastos, presidente da Federação Paulista, rebate. “Em São Paulo, temos um número extremamente relevante de clubes profissionais. São quatro divisões profissionais e todos os clubes recebem cotas de participação para disputar essas competições, o que é único no país”, afirma o dirigente.
Localizada a 21 quilômetros da capital paulista, Carapicuíba exemplifica os dados da pesquisa. Com uma população de quase 500 mil habitantes, a cidade que se apoia no comércio como principal atividade econômica não seu time. O estádio municipal, com capacidade para cinco mil pessoas, só recebe partidas de futebol amador. A última foi em dezembro do ano passado, muito antes da pandemia. O caseiro José Antônio Vieira Lobo, que trabalha no estádio há 32 anos, sente falta de um time da cidade. “Seria muito bom um time de Carapicuíba. Ia agitar todo mundo”, diz o funcionário da prefeitura de 71 anos.
Todos os dias, seu José Antônio irriga o gramado e cuida do patrimônio para evitar invasões. Ele e a família – mulher, dois filhos e dois netos – moram dentro do estádio. A relação com a arena é tão estreita que ele já teve três enfartes trabalhando, no próprio gramado. Sua vida é ali. “O time mais conhecido da cidade é o Vasco de Carapicuíba, mas o último jogo por aqui foi em dezembro do ano passado, antes da pandemia”, conta.
Venilton César Montini, secretário de Esportes da cidade, explica que o futebol é caro. Por isso, dificilmente o desejo do caseiro será realizado. Pelas contas do secretário, são necessários R$ 60 mil por mês para a disputa da última divisão do futebol paulista. Esse custo deve ser multiplicado por seis por conta da duração dos torneios. “Se existisse uma empresa ou um investidor com boa condição, um time profissional seria muito interessante para a cidade”, diz o secretário.
Montini tem experiência no tema. Jogador profissional até 1991 com passagens importantes nas categorias de base do São Paulo e pelo time principal do Bragantino, Portuguesa e Paulista de Jundiaí, o ex-zagueiro foi responsável pela criação do Grêmio Barueri quando era funcionário da prefeitura de lá.
No ano 2000, a prefeitura de Barueri investiu na formação de uma equipe de juniores em parceria com empresários da região. Nasceu o Roma Barueri. A equipe surpreendeu o poderoso São Paulo, que tinha Kaká e Julio Baptista, na final da Copa São Paulo. O time sem tradição se tornou campeão dentro do Pacaembu. Logo depois, a parceria foi rompida. Mas o Grêmio Barueri chegou a disputar a Série A do futebol brasileiro. “Antigamente, o poder público ajudava no time profissional. Hoje não existe mais essa possibilidade. Carapicuíba tem orçamento justo e o futebol é caro”, avalia o ex-jogador que também ajudou a criar o Grêmio Osasco.
Estudiosos e dirigentes apontam que esse processo de concentração dos clubes profissionais nos grandes centros urbanos muda a própria relação do País com o futebol. Segundo eles, a expressão “País do futebol” está inadequada. “A ideia que a extinção do clube local fará o torcedor migrar para Flamengo e Corinthians, por exemplo, é fantasiosa. Os jovens criam outras formas de lazer, até virtuais, e perdem o interesse pelo esporte que não vê pessoalmente. Corremos o risco de perder nossa identidade, quando abrimos mão de ter um time próximo, para chamar de seu!”, opina Mauro Carmélio, presidente da Federação Cearense de Futebol.
“O Brasil como país do futebol é cada uma estratégia de marketing”, critica o sociólogo Rogério Baptistini, da Universidade Mackenzie. “Nunca concordei com essa expressão. Em relação à difusão, organização e nível de competições, outros países são tão ou mais intensos que o Brasil”, diz Darcio Genicolo, professor do departamento de Economia da PUC-SP e pesquisador em Economia do Futebol.
FUTEBOL AMADOR – Na falta de um time profissional, muitos estados apostam no futebol amador. É o caso da Bahia, unidade com menor distribuição do futebol em seu território, somando apenas 2,6% de seus municípios com clubes profissionais. “Apenas 16 clubes disputam competições profissionais por lá, somando primeira e segunda divisão, e estão distribuídos em 11 cidades. É uma taxa baixíssima. Mas eles contam com um dos maiores campeonatos amadores do Brasil, entre cidades e não entre clubes, e acreditam que suprem essa carência de times profissionais. É uma escolha que na verdade deveria existir como alternativa”, revela Fernando Ferreira.
Nesse contexto, Reinaldo Carneiro Bastos afirma que as “ligas municipais de futebol amador, que têm um importantíssimo papel para o desenvolvimento do esporte em cidades”. Para Montini, existe uma grande diferença entre o futebol e o amador e o profissional. “O futebol amador não consegue suprir a carência. É outro patamar. O futebol profissional precisa de estrutura, organização e enorme comprometimento, entre outros diferenciais”, compara.
SOLUÇÕES – Genicolo avalia que a concentração do futebol nos grandes centros não é necessariamente ruim, pois é capaz de gerar excedentes de recursos, como acontece em outros países, mas é necessária a distribuição igualitária. “A formação de poucos e grandes clubes compromete o nível e a qualidade das competições. O Flamengo, por exemplo, vai disputar com quem? Quais jogadores vão querer permanecer aqui. É preciso ter uma contrapartida para todos os clubes”, questiona o professor.
Na opinião de Fernando Ferreira, um trabalho de longo prazo das federações poderia elevar o número de clubes. “Existem cidades em que o prefeito impulsiona um determinado time e, quando acaba o seu mandato, a equipe não recebe mais ajuda”, explica. “Os presidentes de federações precisam incentivar as boas práticas de gestão dos clubes. Isso pode aumentar as chances de visibilidade financeira e de engajamento da população e da comunidade empresarial para sustentar esses times.”
Reinaldo Carneiro Bastos defende uma mudança na legislação. “Há um déficit histórico de incentivo e oferta para prática esportiva no Brasil desde a educação básica e isso impacta no esporte profissional. Com a Lei Pelé, houve uma mudança na relação clube-atleta, que desestimulou algumas agremiações na formação de jogadores. Enquanto não houver ajuste na legislação, a possibilidade de melhora neste cenário é mínima”, completa.
A alteração nas leis também é uma proposta defendida pelo próprio organizador da pesquisa. “O modelo associativo atrapalha Acredito que legislação de clube-empresa deve ser aprovada este ano. Com condições melhores você tende a ter um aumento do investimento.”
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