Mulheres tomam as rédeas e mostram que empoderamento quebrou barreiras no campo

Participação feminina triplicou no agronegócio brasileiro    

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Participação feminina triplicou no agronegócio brasileiro  

 

 

 

Mato Grosso do Sul é destaque no cenário nacional como 2º maior produtor de carne bovina, 4º maior de milho e cana-de-açúcar e 5º maior sojicultor, fruto da evolução ao longo das últimas décadas no setor. Força essencial para tais resultados, no entanto, passou batida por grande parte deste período: a atuação feminina. O retrato da mulher ficava abafado pelos deveres impostos pela cultura patriarcal, como afazeres domésticos e criação dos filhos. Agora este cenário é também de evolução.

Não que elas não estivessem sempre se dividindo entre cumprir o ‘expediente’ em casa e na terra, mas com o empoderamento feminino, movimento encampado no mundo todo e cada vez mais forte, a diferença de gêneros tem perdido espaço para a visibilidade ao lugar conquistado pela mulher, incluindo áreas onde a presença do homem é mais enraizada, como no campo.

E contra fatos não há argumentos. Senhoras do próprio destino, elas triplicaram os números em uma década. Hoje representam 30% no agronegócio, segundo pesquisa realizada pela Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), sendo que há dez anos esse índice superava pouco mais de 10%.

O estudo também mostra que 62% das mulheres que vivem no campo são casadas ou vivem com parceiro (a) e ainda assim 73% delas trabalham em administração geral, sendo 42% na agricultura e 35% na bovinocultura.  Os indicativos referentes à escolaridade, liderança institucionais, cargos de chefia e, acima de tudo, a gestão plena da propriedade, condição exclusiva dos homens no passado, evidenciam a consolidação do papel da mulher ruralista.

Edy Tarrafel, presidente do Sindicato Rural de Ivinhema e Novo Horizonte do Sul

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É o caso da produtora rural Edy Elaine Tarrafel, 39, casada e mãe de dois filhos. Aos 20 anos, devido a perda do pai, precisou assumir a administração da propriedade da família em Ivinhema, localizada a 300 quilômetros de Campo Grande. Na época ela ainda estava na faculdade e viajava da Capital para o interior pelo menos uma vez por semana, conciliando os estudos na área urbana com a vida do campo. Em 2000 formou-se em Ciências Contábeis e um ano depois mudou-se definitivamente para a fazenda para se dedicar-se exclusivamente aos negócios. E lá está até hoje. “Foi uma fase bastante difícil porque eu tinha o convívio no ambiente, mas não a experiência necessária para tocar o negócio, pois minha mãe era professora aposentada e estava tudo nas mãos do meu pai. Mas, desde o primeiro mês após a morte do meu pai eu arregacei as mangas e vim cuidar do que era meu”. 

Edy lembra que, por ser mulher, o burburinho entre os produtores da região foi geral, mas acredita nunca ter sofrido preconceito. Embora seja ciente do ambiente machista em que vivia, prefere chamar as atitudes de curiosidade entre eles ou especulação. “Na época era dificílimo ver uma mulher no setor, ainda mais jovem. Acredito que tinha muita especulação. Quando a gente vinha para cá ouvia coisas do tipo: quanto tempo será que ela demorará para vender essa fazenda? Ela vai arrendar. Vai embora. Nunca morou em fazenda”.

Foi quando procurou entidades ligadas à classe rural, se qualificou e colocou em prática o que havia aprendido sobre diversos temas dentro da agropecuária. Assim superou a fase de sucessão e com determinação implantou na propriedade, de porte médio, a integração lavoura/pecuária, técnica que visa o manejo sustentável. “Foi aprendendo e pesquisando tudo o que tinha que ser feito que atingi os resultados”.

Lucilha de Almeida, fundadora da Cooplaf

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Não diferente dela, porém com menos oportunidades, Lucilha de Almeida, 41, filha de produtores da agricultura familiar vindos do Paraná na década de 1990 e que se instalaram no Assentamento Santa Mônica, em Terenos, traçou seu destino desde cedo. “Comecei com uns dez anos ajudando meus pais na roça. Sofremos muito e passamos muita necessidade. Tinha que acordar de madrugada, colher algodão, plantar milho e bater arroz. A gente sobrevivia na verdade, porque não sobrava nada. Vendo o sofrimento dos meus pais, cresceu dentro de mim uma força muito grande de poder mudar aquela situação e fazer o solo ser produtivo. Eu acreditava que a terra um dia daria retorno”, relata. 

A guria cresceu e também foi para a cidade buscar conhecimento. Formou-se em Pedagogia, mas ainda havia o anseio de melhorar a vida daqueles que sempre dependeram da roça. Lucilha não arregou e buscou informação de como melhorar a produção de leite da pequena propriedade, principal fonte de renda da família. Foi quando teve a oportunidade de participar do curso Negócio Certo Rural que visa fazer diagnóstico da propriedade, potencialidades e deficiências do negócio, oferecido pelo Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural). “Foi assim que aprendi a manejar o gado, cuidar do leite e a equacionar todas as receitas da propriedade que agora virava empresa e revirava minha vida”.

Não demorou muito para a, até então, pequena produtora crescer e colocar em prática o que havia absorvido. Arrendou uma área pouco maior, para trabalhar com gado de engorda, na qual implantou um programa de gestão com plano de ação e períodos estipulados de retorno, iniciando a produção e melhoramento genético do rebanho. “Cavalo encilhado não passa duas vezes. Busquei maior qualificação, fiz mais um treinamento de manejo de pastagem, enfim, aproveitei todos os cursos oferecidos. Foi quando pude ver que eu também podia ser tão importante quanto outras mulheres empreendedoras da cidade e mostrar que que esse segmento também tem rentabilidade”, explica.

Luiza Degiane segue os passos da mãe Lucilha

E ela não está sozinha, além do marido Orides, ela conta, quando pode, com o auxílio da filha mais velha Luiza Degiane, 17 anos. Digo quando pode porque a primogênita segue na mesma estrada da mãe: se desloca para estudar na área urbana. Está cursando o primeiro semestre de Veterinária em Campo Grande. Quando questionada sobre seu futuro, Luiza é categórica. “Meus planos é me formar e voltar para casa para tocar os negócios”.

Apaixonada e afinadíssima em provas de laço, a acadêmica não se faz de rogada quando o assunto é a mãe e os encantos da profissão. “Minha mãe é exemplo de mulher que saiu lá debaixo e hoje conquistou muita coisa. Ninguém dava nada por ser uma assentada, mas foi lá e buscou muita melhoria não só para a própria família, mas para todos da região. Lá fora – cidade – o pessoal discrimina um pouco por ser mulher, mas é um trabalho muito bom. Sou da lida no campo e não gosto muito de ficar em casa”, pontua.
 
Lideranças natas

De acordo com a pesquisa que abrangeu 60% dos estados brasileiros sendo os de maior relevância econômica para o agronegócio: São Paulo, Minas Gerias, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, as mulheres entrevistadas também apresentam um grau relevante de participação em entidades representativas. São: 57% em sindicatos rurais, 33% associações de produtores, 39% cooperativas, restando 17% que ainda não participam.

Mulheres tomam as rédeas e mostram que empoderamento quebrou barreiras no campo

Para dentro da porteira Edy Tarrafel não havia mais o que provar: ganhou visibilidade, admiração e muito, muito respeito entre os ‘botinudos’. Em 2002 foi convidada para participar da diretoria do Sindicato Rural de Ivinhema e Novo Horizonte do Sul, formada em sua totalidade por homens. Não demorou muito para seu nome ser cogitado à presidência ao pleito 2014-2017, e sabe o que aconteceu? “Me tornei a primeira mulher presidente do sindicato devido ao trabalho que exerci. A aceitação foi unanime e eu fiquei muito feliz por ter feito um bom trabalho em uma entidade de classe, que era exclusivamente masculina, e receber todo esse apoio. O respeito entre a gente me mostrou a equidade entre homens e mulheres aqui na nossa região. Foi um trabalho que eu conquistei”, ressalta.    

Os bons resultados não pararam por aí, foi reeleita e continua presidente do sindicato até 2020. Foi cooperada fundadora e Presidente da Cooperavi (Cooperativa Agropecuária do Vale do Ivinhema). Tornou-se vice-presidente regional, 2015-2018, da Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul), atuando na Comissão de Negociação do Piso Salarial e no Comitê da Bacia Hidrográfica. Foi convidada para palestrar o ano passado para produtores em Maringá-PR e Esteio-RS, esta última onde ocorre a Expointer, a maior feira agropecuária da américa Latina. E este ano mais uma conquista: o convite para palestrar no 2º Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio, em São Paulo. “Estamos assistindo essa crescente valorização do nome da mulher dentro do agronegócio porque a gente é capaz de trabalhar de forma igual. Convivo muito com homens e não vejo problema nenhum. Receber esse convite é muito gratificante, ainda mais em representar as mulheres. A mulher vem mostrando seu potencial e então temos que trabalhar dentro e fora da porteira, como na comunicação, eventos, enfim, temos que fortalecer. Lugar de mulher é onde ela quiser. Mas tenho que reconhecer que todo esse engajamento meu só é possível porque sempre tenho ótimas equipes trabalhando comigo”. 

Terezinha Cândido, diretora do Sistema FamasulConforme publicado em seu portal oficial, o Sistema Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de MS), conta com 10% de mulheres à frente de sindicatos rurais, sendo 7 de um total de 69 no Estado. Além de 83 instrutoras e três supervisoras regionais do Senar/MS. Na atuação estratégica são apenas duas diretoras: Thaís Carbonaro Faleiros Zenatti e Terezinha Cândido.  “É uma busca por igualdade pois a gente vem de uma sociedade extremamente machista que se comportava de uma forma e agora, por estar mais aberta, possibilita a inclusão da mulher. É um processo que está se iniciando e que em pouco tempo irá se tornar mais igualitário”. Para ela “a mulher conquista seu espaço não por ser mulher, mas pelo fato de ser comprometida e profissional”, diz Terezinha.

Atributos esses que não faltaram para Lucilha Almeida, quando em 2014 promoveu uma mobilização que resultou na criação da Cooplaf (Cooperativa Agrícola Mista da Pecuária de Corte, Leiteira e da Agricultura Familiar), além de assumir como gestora do Departamento de Desenvolvimento Rural de Terenos.

Mulheres tomam as rédeas e mostram que empoderamento quebrou barreiras no campo

“Tudo o que adquiri em conhecimento procurei dividir, principalmente o acesso crédito que muitos produtores desconhecem o caminho. Quando passamos por todo esse processo de aprendizagem percebemos que sozinhos é muito mais difícil.  Agora se juntarmos o pouquinho de todos se torna uma produção grande e conseguimos negociar melhor. No Sul e Minas Gerais tem dado muito sucesso, nós tínhamos que trazer esse modelo para perto da gente. A gente trouxe, mas não sabíamos como fazer, daí mais uma vez entrou o auxílio das instituições para nos dar suporte. Tivemos muita dificuldade, mas aprendemos que juntos somos mais fortes”.

Tão fortes que em pouco mais de três anos de sua fundação, a Cooplaf conquistou não só a confiança de seus 480 associados, que eram apenas 40 em seu primeiro ano, mas também o reconhecimento da ONU (Organização das Nações Unidas) durante a terceira edição da Bienal dos Negócios da Agricultura no Brasil Central, 2015, por entender que entidade emprega os “oito jeitos de mudar o mundo”. Um deles é acabar com a fome e a miséria.

Elas não largam o osso

Para não perder o costume, a atual presidência da cooperativa é ocupada por uma mulher: a zootecnista Carlinda Rezende, nora de dona Lucila Rezende de Queiroz, 60 anos. Viúva há nove anos, ela é um espelho aos mais jovens no assentamento. Tanta experiência a torna uma das melhores fornecedoras de leite redondeza. Das 25 vacas que mantém na propriedade de 26 hectares, ela ordenha cerca de 200 litros por dia nesse período de seca e ainda atua na área de inseminação de animais. “Isso é fruto de muito tempo na lida, pois cresci no campo e depois me casei com um homem do campo. Além de sempre procurar melhorar com novas técnicas. Além da nossa mobilização, porque a cooperativa é nossa segurança”. 

Lucila Rezende, uma das cooperadas na produção do leite

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De acordo com a presidente Carlinda, a Cooplaf produziu no mês de agosto aproximadamente 170 mil litros de leite – ressaltando período de estiagem – e 40 mil quilos de hortifruti que “são destinados às empresas de lácteos da região e para associações como a de Bares e Restaurantes de Campo Grande.

A organização entre os cooperados também gerou o surgimento da loja própria da Cooplaf, que oferece suporte na parte nutricional, equipamentos, medicamentos sob orientação de um veterinário contratado, além de assistência técnica com sete profissionais aos produtores dos assentamentos Campo Verde, Santa Mônica, Patagônia, Nova Querência, Paraíso, Nova Canaã e Guaicurus.   

E adivinha quem é a pessoa responsável pelo andamento dessa demanda?  Maria Nelzira Cardoso da Silva Garcia, mulher de nome grande, do tamanho de seus sonhos. Pedagoga e supervisora das cadeias de leite e hortifrútis na cooperativa é mais uma guerreira, filha de assentados, que contribui para alavancar os números da pesquisa sobre as mulheres no quesito escolaridade. 

Simone Gauze, produtora de hortifrútis cooperadaO levantamento mostra que os níveis de escolaridade entre as que atuam no campo refletem na qualidade técnica e de gestão dos estabelecimentos agropecuários. Das ouvidas, 60% têm ensino superior completo, dessas, 24% cursaram pós-graduação ou mestrado. Porém, revela também outra face do agro: a desigualdade de gênero. Mesmo diante de tantas virtudes, quando questionadas as mulheres disseram perceber a diferença de oportunidades quando comparadas aos seus colegas homens. Além disso, 71% delas já tiveram alguma experiência em que o fato de ser mulher foi uma barreira para ser ouvida, ascender profissionalmente ou para se relacionar socialmente ou profissionalmente.

Maria Nelzira Cardoso, coordenadora

“Sou a única filha mulher. Eu comecei a estudar e me profissionalizar ao mesmo tempo, trabalhava no campo e ia para a cidade todos os dias. Depois de formada continuei trabalhando para a família, agora ajudando administrar. Meus irmãos fazem a parte mais braçal – na produção de leite – e eu ajudo meu pai na gestão. Para mim, eu cheguei rompendo desafios, por ser jovem e do campo. A gente vence desafios a respeito do preconceito, do racismo e do diminutivo, mas eu mostrei para sociedade que eu sou capaz”, desabafa Maria salientado que “lugar de mulher é estar numa atividade que desenvolva sua renda”.
 
 

Qualificação x Oportunidade

De acordo com o Senar/MS, a procura de mulheres por cursos de FPR (Formação Profissional Rural) e PS (Promoção Social) cresce a cada ano. Em 2016 foram atendendidas 13.174, enquanto que somente no primeiro semestre deste ano já foram ministrados 8,3 mil cursos, sinalizando estimativa de crescimento.
Segundo Lucilha Almeida, o número de produtores qualificados, por meio de cursos solicitados pela cooperativa, tem surpreendido. Especialmente de mulheres. “Acredito que já ultrapassamos a marca de 3,5 mil qualificações dentro de aproximadamente 1,2 mil propriedades, e com certeza elas são as mais interessadas”. 

Mulheres tomam as rédeas e mostram que empoderamento quebrou barreiras no campo

O conhecimento também proporcionou maior organização das finanças e por consequência o acesso aos créditos que já somam mais de 4 milhões somente no assentamento. “Diante da instabilidade econômica, nós descobrimos que estamos atravessando a crise muito bem, pois se não tivéssemos nos unido teríamos nosso leite hoje no valor de 30 centavos”, finaliza. 
 
Inovações só para elas

Diante da maciça atuação feminina no mercado, novos modelos e conceitos de produtos e serviços exclusivos têm sido apresentados. O Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio, por exemplo, apresenta sua segunda edição no dia 17 de outubro, com uma nova pesquisa “mais abrangente, ou seja, três vezes maior em amostragem e dessa vez em todo o território nacional”, explica Luiz Cornacchioni, diretor executivo da Abag. 

Mulheres tomam as rédeas e mostram que empoderamento quebrou barreiras no campo

Já o Senar repaginou o extinto programa Com Licença Vou à Luta, e transformou-o no Mulheres em Campo visando o atual cenário transformado pela participação feminina. Ele continua com cinco encontros de oito horas cada, porém, com novo cronograma: Diagnóstico e Empreendedorismo; Planejamento; Custos de Produção; Indicadores de Viabilidade e Comercialização e Desenvolvimento Pessoal. E mais uma vez, as comunidades de Terenos saem na frente com turmas já programadas para o próximo mês. Para ter acesso ao catálogo de cursos clique em: http://senarms.org.br/senar-ms/cursos/catalogo-de-cursos/

Confira também a programação do 2˚ Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio   www.mulheresdoagro.com.br  ou a página do evento Facebook https://www.facebook.com/mulheresdoagro/?fref=ts 

 

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