A conta da pandemia chegou para o comércio em 2023? De pequenas a grandes lojas, o setor varejista viu-se em maus lençóis ao longo deste anos, inclusive em . Além do freio nas contratações, escândalos financeiros envolvendo marcas com presença no Estado, passando por dificuldades na negociação do aluguel, deixaram marcas nos últimos 12 meses.

Você lembra dos escândalos bilionários, do temor de demissão em massa e de tramites de recuperações judiciais, que ganharam espaço ao longo do ano no Jornal Midiamax? As disputas por negociação de aluguel? E os pacotes de viagens cancelados? Todos eles fizeram parte de um efeito dominó na economia regional, que deixou até o consumidor a ver navios… E aviões.

Quando se fala do comércio varejista, a situação é delicada, afinal, se o vizinho “quebra” a clientela deixa de movimentar o espaço como um todo. O setor é competitivo e depende de capital de giro para permanecer com a loja aberta. Nesta retrospectiva de 2023, o Jornal Midiamax separa um balanço dos principais lojistas que deram “adeus” ao empreender no Estado.

Ações de despejo e funcionamento em xeque

Com anos de atuação no Estado, a Marisa deve fechar até 31 de dezembro no Shopping , após adquirir uma dívida de R$ 700 mil por no aluguel. O shopping havia ingressado com uma ação de despejo, em maio deste ano, até que a juíza da 10ª Vara Cível da Capital, Sueli Garcia, homologou um acordo para quitação dos aluguéis entre o shopping e a loja. A empresa precisa desocupar o espaço até o dia 10 de janeiro de 2024.

Ação movida em Campo Grande é só uma das 10 solicitações de despejo na Justiça que tem como alvo as unidades da Loja Marisa por inadimplência. Segundo informações do jornal Estado de São Paulo, ações foram movidas a partir de fevereiro, quando companhia admitiu não ser capaz de pagar contas que somam R$ 600 milhões.

No total, o valor das 10 ações chega a R$ 10,1 milhões, com pedido de falência que partiu dos próprios credores.

Legado que fechou as portas

Em julho deste ano, a franquia do Habib's, das famosas esfirras a R$ 1,99, retirou a fachada da tradicional loja da esquina na Rua Bahia com Afonso Pena. Cerca de 22 funcionários foram desligados com o fim do legado da empresa na cidade.

O empreendimento chegou a ter três lojas em Campo Grande, sendo uma localizada em um shopping, outra na Avenida Júlio de Castilho e a última, na Avenida Afonso Pena. As duas primeiras já haviam encerrado as atividades há algum tempo e, com a franquia também desativada na principal avenida da Capital, “agora não tem mais Habib's em Campo Grande”, conforme disse um funcionário no dia do encerramento da loja.

A loja foi mais uma envolvida em imbróglio judicial decorrente de negociação de preço de aluguel. Duas ações que discutiam o preço da locação se arrastaram por meses, nas quais inadimplência foi palavra-chave.

A expectativa é que o prédio vermelho dê espaço a uma churrascaria, que até 2024 deve assumir o local pagando a bagatela de R$ 60 mil mensais pelo aluguel. E para “espantar os curiosos”, dois seguranças revezam o monitoramento 24 horas no local. Inclusive, já há uma placa indicando que o local já está alugado.

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Lojas Americanas em Campo Grande (Nathalia Alcântara, Jornal Midiamax)

Gigante do Centro e do e-commerce também enfrenta fim de uma era

As Lojas Americanas, que encerraram as portas da unidade na Rua 14 de Julho, no Centro de Campo Grande, ganharam protagonismo. Isso porque foi descortinado suposto esquema fraudulento que revelou dívida de R$ 40 bilhões, o que levou a gigante à recuperação judicial. Na lista de credores, 49 fornecedores sul-mato-grossenses anseiam por pagamento de R$ 30 milhões.

Recentemente, o CEO Leonardo Coelho declarou em entrevista ao site Exame que as Lojas Americanas planejam expansão em 2025 e não deve fechar novas filiais. Entretanto, o cenário mina a “queima de estoque, pois promoções a partir de R$ 0,99 viralizam nas redes sociais, principalmente no setor de brinquedos.

Em nota, a empresa diz que o plano de negócio da “nova Americanas” está focado na fortaleza e resiliência do canal físico, apoiado pela excelência operacional do digital, pelo portfólio de serviços financeiros customizados da Ame e pela diversidade de seu retail media.

“Na frente do negócio de lojas físicas, a estratégia está voltada ao crescimento de vendas e de margem, ampliação de sortimento e da participação de itens de variedade. Um dos pilares importantes dessa frente é o de renovação das lojas físicas, em fase de planejamento. Essa iniciativa visa ampliar o tempo de permanência e a média de peças adquiridas por cliente sem mudar a simplicidade que é hoje a experiência de compras nas mais de 1,6 mil lojas da Americanas, que tem como pilar os mais de 30 mil colaboradores, sendo mais de 300 em Mato Grosso do Sul, além dos mais de 80 que vão reforçar a operação de no Estado”, pontua a nota ao Jornal Midiamax.

Subway em risco

Ainda no início de dezembro, a 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciai determinou a inclusão da Subway em pedido de recuperação judicial. A perícia constatou que há “ampla dependência econômica entre os diferentes núcleos de negócio explorado pelo Grupo SouthRock, com transações entre as partes relacionadas que substancialmente configuram a confusão patrimonial entre as empresas”, conforme os autos.

A SouthRock Capital também é operadora das marcas Starbucks e Eataly no Brasil. Na página oficial, a empresa declara que foi fundada em 2015 e atua no segmento de alimentos e bebidas. Especializou-se em redes de restaurantes em aeroportos. Ela perdeu recentemente o direito de explorar a marca Starbucks no Brasil.

Em Mato Grosso do Sul há 27 lojas, espalhadas em Corumbá, Campo Grande, Dourados, Ponta Porã, Naviraí, Três Lagoas, Nova Andradina, Jardim, Bonito, e Ivinhema.

Podem desistir de abrir

Conhecida no ramo da cafeteria em vias movimentadas, shopping e em saguões de aeroportos, a Starbucks é uma especulação que, se confirmada fosse, poderia deixar de abrir em Campo Grande. O empresário Wagner Marcelo Monteiro Borges, que está à frente do ‘novo' Hotel Campo Grande, na Rua 13 de maio, não confirmou o nome da nova empresa que assumirá o espaço, mas afirmou a abertura de um “café famoso”.

O valor da ação da dívida da SouthRock Capital soma R$ 1,8 bilhão. Com isso, a expectativa dos campo-grandenses foi nas alturas e a aposta no Starbucks era certa. Entretanto, a recuperação judicial abala essa hipótese. Com o pedido, a empresa tenta reverter perda de licença da Starbucks no Brasil.

Em nota, a SouthRock afirma que entrou com o pedido de recuperação judicial “para proteger financeiramente algumas de suas operações no Brasil”, seus colaboradores e consumidores.

Segundo o fundo de investimentos, a medida foi adotada em conjunto a decisões estratégicas “para ajustar seu modelo de negócio à atual realidade econômica”. “Os ajustes incluem a revisão do número de lojas operantes, do calendário de aberturas, de alinhamentos com fornecedores e Stakeholders, bem como de sua força de trabalho tal como está organizada atualmente”, diz.

Loja fica na Rua 14 de Julho, em Campo Grande. (Nathalia Alcântara, Midiamax)

‘Aluga-se'

O cenário de lojas fechando abre uma brecha para imóveis procurando novos locatários. Na região central da cidade, placas de “aluga-se” reforçam a eminente desistência de empreender na área comercial mais tradicional da Capital, no entorno da requalificada Rua 14 de Julho.

Celso Barros, diretor de locação do Sindimóveis-MS (Sindicato dos Corretores de Imoveis do Mato Grosso do Sul) relata que, apesar de ser visivelmente notado o aumento da quantidade de móveis desocupados, não é possível ainda determinar em percentual um aumento. Contudo, analisando o crescimento de 43% no encerramento de empresas no Estado, comparado ao mesmo período do ano passado, o Centro sente o reflexo da retração de mercado.

“Além das questões relativas ao mercado econômico, custos e segurança que são os desafios do dia a dia do comerciante da área central, acreditamos que a descentralização do comércio com a expansão de novos polos e centros comerciais na periferia também contribuíram para essa mudança de interesse em relação à localização dos imóveis comercias, saindo um pouco da área central”.

Para 2024, Celso acredita em uma reação de forma moderada no segmento, “onde estarão bem condicionadas as ações de políticas públicas, principalmente no quesito de segurança e reordenamento de áreas que ainda estão em processos de readequações”, tais como a antiga rodoviária e entorno, propiciando gradativamente o retorno de interesse em instalações de novos comércios na área central.

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Movimentação no comércio de Campo Grande. (Alicce Rodrigues, Midiamax)

Abriram e fecharam

Apesar do cenário desafiador do empreendedor, Mato Grosso do Sul registrou mais empresas abertas do que fechadas. Entre janeiro a dezembro, foram 4.357 novos empreendimentos, sendo 4.141 matrizes e 216 filiais, conforme o monitoramento do Mapa das Empresas.

Quanto as que decidiram fechar as portas, o Estado contabilidade 1.838 matrizes e 63 filiais extintas do mercado regional. A descrição do painel pondera que a desistência maior foi do empresário que atuava individualmente (1.636), em seguida por sociedade limitada (260), cooperativa (3) e sociedade anônima (2).

Campo Grande retém o maior número de empresas abertas e fechadas, sendo 1.932 iniciando no mercado e 816 encerrando a competitividade. Estão entre os principais ramos ativos: comércio varejista, salão de beleza, vendas, alvenaria, restaurantes e similares e serviços autônomos.

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Site do 123 Milhas (Alicce Rodrigues, Jornal Midiamax)

Golpes com pacotes de viagens

“Era um sonho”. O relato frustrado é de das clientes que tiveram viagens canceladas pela empresa 123 Milhas, empresa que segue em recuperação judicial, introduz a outro drama vivido por sul-mato-grossenses ao longo deste ano. A enfermeira, de 26 anos, que preferiu o anonimato, diz que o processo para estorno dos valores pagos no pacote segue em solicitação, apesar da ação ajuizada com ordem de pagamento das passagens compradas de Campo Grande para Maragogi.

“Nós tivemos que alterar as datas e tivemos alguns prejuízos com hospedagem e aluguel de carro, compramos as passagens novamente e pagamento quase seis vezes mais caro. Entramos também com danos materiais por conta de todo o transtorno. Tivemos a última audiência, sem nenhuma proposta do lado da 123 milhas, o que foi bem decepcionante. Estávamos aguardando a sentença do juiz. Disseram-nos que seria dada dentro de três a quatro semanas. No entanto, o juiz mandou suspender o processo até informação acerca da recuperação judicial”.

Na página de atendimento ao cliente, a 123 Milhas descreve que nasceu com o propósito de democratizar as viagens no Brasil. Contudo, a empresa que vendeu pacotes de viagens “a ver” durante as restrições da pandemia de covid-19 entrou em recuperação judicial.

O procedimento está sendo utilizada para evitar pagamento de ações movidas pelos consumidores, baseadas no de que empresas economicamente viáveis façam um acordo com credores para pagamento de dívidas.

“Trata-se de um processo transparente no qual todos os débitos são ordenados e estabelecido um cronograma justo, isonômico e organizado para contemplar todos os credores. Isso significa que a 123milhas continua operando e vai apresentar um plano de Recuperação Judicial para os credores a fim de viabilizar a preservação da empresa e a quitação de seus compromissos”.

O perfil também esclarece que não declarou falência e que continua atuando normalmente, ofertando passagens aéreas, pacotes, hospedagens e passagens de ônibus, dentre outros produtos. “A empresa vai apresentar um plano de Recuperação Judicial para os credores a fim de viabilizar a preservação da empresa e a quitação de seus compromissos”.

Hurb

No mesmo segmento, a Hurb, antigo Hotel Urbano, também declarou recuperação judicial. No fim de novembro, o CEO (Diretor Executivo) da empresa, João Ricardo Mendes, declarou que a empresa “vai honrar os compromissos com todos os viajantes e que continua funcionando, sete dias por semana, 24 horas por dia para realizar as viagens de seus clientes”.

Ao todo, a empresa acumula mais de 70 mil reclamações registradas no Reclame Aqui, com 100% das demandas respondidas. Entretanto, a nota da empresa é de 2.6, com 10,2% do índice de solução e nota de 0,62 do consumidor.

“Realizei o cancelamento de um serviço com a Hurb em setembro de 2023, com a promessa de reembolso até o dia 3 de dezembro. No entanto, até o momento, não recebi nenhum retorno. Minha profunda frustração com a experiência que venho tendo com o Hurb. Além de não cumprir o prazo estabelecido para o reembolso, a falta de um canal eficaz de comunicação está gerando uma enorme dificuldade para resolver esta questão”, descreve uma cliente.

Prato feito mais caro do Brasil

Comer fora de casa também custou caro ao consumidor neste ano. Em outubro, a pesquisa “Preço Médio da Refeição Fora do Lar”, realizada pelo Mosaiclab, apontou que o prato feito em Campo Grande ficou 25% mais caro, em comparação ao ano passado. Atualmente o valor chega a R$ 49,17, considerando uma refeição completa com prato principal, bebida não alcoólica, sobremesa e café.

O levantamento considera que a refeição na Capital é a mais cara do Brasil, ficando acima da média nacional – em R$ 46,60, com aumento de 14,7% no preço em relação a 2022.

No Centro de Campo Grande é possível encontrar almoço por R$ 10, mas o preço varia bastante conforme a localização, qualidade e quantidade de comida. Para economizar, trabalhadores contam que variam entre levar comida de casa e almoçar na rua.

Houve várias altas ao longo do ano, elevadas pelo valor dos alimentos que compõem o prato do sul-mato-grossense. Em junho, a tabela de preços do Ceasa-MS Central de Abastecimento de Mato Grosso do Sul) mostra que o feijão teve alta de 59% no preço.

As três ondas de calor também influenciaram na alta. Hortaliças, frutas e legumes ficaram 6,25% mais caros por reflexos das temperaturas. O monitoramento indica que as folhas, como a alface, tiveram consideravel elevação no bolso do consumidor.

Pode melhorar?

O presidente da CDL (Câmara dos Dirigentes Lojistas), Adelaido Vila, prevê retomada da alta econômica no próximo ano, uma vez que atualmente o mercado regional enfrenta dificuldades para contratar trabalhadores, principalmente no fim de ano.

“Grandes varejistas enfrentam mais rigidez no mercado, por conta uma séria de problemas, como a mudança de governo, a instabilidade econômica, juros e taxas altas. Isso acontece no Brasil todo, não só em Campo Grande. Isso atrasa a tomada de decisões e acaba prejudicando o desenvolvimento dessas empresas. O pequeno empresário consegue, no decorrer do caminhar, regular as melhores atitudes e estratégias”.

Adelaido também relaciona as consequências da pandemia, que ainda reflete em decisões atuais, por exemplo, o aumento das vendas on-line, já que a comodidade de receber um produto em casa distancia o cliente de ir a loja física.

“Acreditamos que, para 2024, teremos mais estabilidade, pois percebemos que o mercado já se acomodou. O varejo físico e on-line começam a se integrar. Na área central, por exemplo, tem uma faixa de público integrada ao mercado digital, isso é positivo por ser uma alternativa para todos”, finaliza.