Disputa com a família Baís e ação de despejo marcaram últimos momentos do Habib’s em Campo Grande
Donas do prédio são da família Baís. Partes não chegaram a acordo e donas alegaram dívida de R$ 52 mil do Habib’s
Nathália Rabelo –
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O encerramento das atividades do Habib’s em Campo Grande, alardeado no último dia 14, traz nos bastidores imbróglios judiciais que sugerem momentos acalorados entre o empreendimento e os proprietários do prédio localizado na Avenida Afonso Pena. Na Justiça de MS, tramitam ações ainda sem resolução, termômetro de que os momentos finais do empreendimento foram marcados por desacordos.
Pertencente à família Baís, tradicional em Mato Grosso do Sul, a locação do imóvel foi ponto nevrálgico em pelo menos duas ações judiciais na Justiça Estadual, cujas sentenças poderiam interferir diretamente no destino da franquia de comida árabe com mais de 35 anos de história no país.
De um lado, a empresa pedia a renovação de aluguel do imóvel. Do outro, proprietários pareciam querer encerrar as dores de cabeça e pediam despejo do restaurante, por inadimplências nos pagamentos.
As ações, relativamente recentes, narram etapas que envolvem diversas perícias de avaliação de aluguel do imóvel e até polêmica envolvendo ação de marketing que também foi parar nos jornais. Contudo, o restaurante encerrou as atividades antes mesmo de chegar a algum acordo, culminando na demissão de 22 funcionários, conforme reportagem do Jornal Midiamax no último dia 14.
Renovação de aluguel
A primeira disputa judicial começou em 26 de dezembro de 2019, teve como objeto a arquitetura chamativa do prédio localizado na Avenida Afonso Pena, bem na esquina com a Rua Bahia, pertencente à família Baís, uma das mais tradicionais da Capital.
O objetivo era garantir a renovação de contrato de locação para funcionamento até 2025, em ação impetrada pela razão social Number One Point Comercio de Alimentos LTDA. A Justiça foi acionada porque divergências de valores entre empresa e proprietários desestabilizaram a renovação do contrato de aluguel, que chegaria ao fim nos meses seguintes.
O processo corre na 11ª Vara Cível de Campo Grande, comandada pelo juiz Marcel Henry Batista de Arruda. Na época, o Habib’s defendeu que tinha um contrato de aluguel de cinco anos com início em julho de 2015 e término em julho de 2020. Porém, uma vez que as donos do imóvel não quiseram renovar o contrato, decidiu entrar na Justiça para tentar ficar com o espaço da Afonso Pena por mais cinco anos, ou seja, até julho de 2025.
Na ação, o Habib’s ainda pediu a manutenção do aluguel mensal no valor de R$ 13.586,23, previsão de reajuste do valor de aluguel de acordo com a variação do IGPM (Índice Geral de Preços do Mercado), além de manutenção de cláusulas contratuais e pagamento de 20% dos honorários advocatícios sobre o valor da causa, avaliada em R$ 163.034,76. Na defesa, o restaurante alegou ter cumprido com todos os requisitos do contrato.
Falta de pagamento, nome negativado e ação de marketing polêmica
Porém, apesar da tentativa do Habib’s, a família Baís se recusou a renovar contrato e responsabilizou a inadimplência da empresa. A família contestou o pedido do Habib’s e citou até uma antiga ação de marketing envolvendo o restaurante, que chegou a colocar uma faixa em frente ao estabelecimento com a frase “Passa o ponto”. Na época, as donas do prédio acharam que o restaurante realmente queria passar o ponto para outra locação.
“A Autora [da ação, ou seja, o Habib’s] encontra-se anunciando o ‘ponto comercial’ de forma ampla e sem ressalvas, conforme veiculado em fevereiro último, veja-se (Passa o ponto). A sublocação é restrita as empresas franqueadas, a empresas em que quaisquer dos sócios façam parte ou empresas do mesmo grupo econômico, ninguém mais. Desta forma, não pode a Autora pretender sublocar o imóvel a empresas que não pertençam aos grupos permitidos em contrato”.
Por sua vez, o restaurante defendeu que a faixa se tratava de uma ação de marketing, divulgada inclusive na imprensa nacional, e não que iria realmente passar o ponto para outro locatário. O Jornal Midiamax fez matéria enquanto a faixa ainda estava exposta em frente à loja.
Além disso, a família Baís elencou que o valor mensal do aluguel, na época, era de R$ 17.500,00 (valor anual de R$ 210.002,64) além de impostos, inclusive IPTU. Assim, era feita a retenção de Imposto de Renda, razão pela qual as donas recebiam mensalmente o valor líquido de R$ 13.586,23. O contrato ainda elencava que o aluguel deveria ser pago pontualmente até o dia 5 de cada mês, podendo o atraso resultar em multa de 10% do aluguel. Porém, mesmo assim, as donas teriam concedido um desconto de 20% nas mensalidades de junho e julho de 2020.
Porém, “desde então, a autora depositou valores a menores também com relação aos meses de agosto e setembro, com o que não se pode concordar, tendo em vista que isso nunca foi autorizado”. Além disso, a defesa da família Baís alegou que antes do Habib’s entrar com ação, restaurante já pagava as mensalidades em atraso. Em 2019, apenas um pagamento foi dentro do prazo estabelecido em contrato.
A inadimplência da empresa teria feito com que uma das proprietárias do prédio ficasse com o nome negativado, o que teria gerado inúmeros prejuízos.
“Autora sempre efetuou os pagamentos com atraso. A autora, no ano de 2020, deixou diversos pagamentos em aberto, razão pela qual as locatárias (rés) foram obrigadas a ingressar com ação de despejo por falta de pagamento”, defende.
Assim, alegou que o Habib’s estava parcialmente inadimplente desde 2019. Em uma dessas dívidas, a família Baís ressaltou uma de mais de R$ 70 mil de IPTU. Então, pediu à Justiça que fosse impedida a renovação do contrato e o pagamento no valor correto de R$ 27.584,67 reajustado, além do pagamento de todos os impostos e obrigações contratuais.
Ação de despejo
A partir daí, uma sequência de movimentações judiciais dramáticas pareciam, de certa forma, empurrar o restaurante para seu final recente. Em dezembro de 2020, a família proprietária do imóvel decidiu encerrar os imbróglios em uma nova ação, desta vez, ação de despejo.
Os autores alegaram que desde 2017 o valor do aluguel permanecia sem reajuste e que, mesmo assim, o restaurante atrasava os aluguéis sucessivamente e sem o pagamento das multas e juros do contrato.
“Encontra-se inadimplente integralmente em relação aos meses de outubro e novembro do corrente ano (que venceram em Novembro/20 e Dezembro/2020), além de não ter efetuado o pagamento em integralidade dos aluguéis dos meses de agosto e setembro do corrente ano (que venceram em setembro/20 e outubro/2020)”.
Na época, foi pedida a rescisão da locação, o despejo do restaurante e o pagamento de dívida avaliada em R$ 52.500,00 referente a todos os encargos tributários em aberto incidentes sobre o imóvel e Multa Contratual no valor de três aluguéis.
O Habib’s, por sua vez, contestou a manifestação da autora do processo e defendeu que não deixou de pagar nenhum aluguel entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021, no valor de R$ 10.132,13, bem como do aluguel de abril de 2020, de R$ 9.264,19.
Assim, alega que “tentou compensar os aluguéis com o crédito existente em favor da ré, já que tal crédito é muito superior aos valores apontados como abertos […] verifica-se que, após a subtração do débito pontuado, a Ré quem possui um crédito com as Autora no montante de R$ 99.999,59”. Diante disso, o Habib’s pediu que fossem julgados improcedentes o pedido das proprietárias do imóvel, especialmente porque o contrato estava sendo cumprido e restaurante se encontrava regular com a prefeitura.
O restaurante defendeu em ambos os processos o cumprimento do contrato e o pagamento das mensalidades, além de ter negado o montante de dívidas.
Partes não chegaram a nenhum acordo
Os dois processos, que juntos somam mais de mil páginas, são constados com inúmeras manifestações contrárias entre as partes, que não chegaram a nenhum acordo até então. Durante o processo de renovação de aluguel, o prédio passou por vistorias técnicas para elencar o valor do aluguel do imóvel. Porém, as partes também não chegaram a um acordo e os próprios laudos foram sucessivamente contestados.
Em uma dessas vistorias, na tentativa do Habib’s de reajustar o valor pago, o aluguel mensal do imóvel foi avaliado em mais de R$ 37 mil. Mas as proprietárias contestaram o resultado:
“Não se pode concordar com referido valor mensal, uma vez que esse valor de R$ 37.536,97 não é, com certeza, o valor de mercado do citado imóvel, pois conforme se comprova da avaliação do corretor de imóveis, devidamente credenciado, o valor mínimo do aluguel mensal do referido bem é de R$ 45.000,00”, contestou.
Depois de dois anos do processo tramitando e já vendo que a situação do restaurante não ia bem na Avenida Afonso Pena, o Habib’s pediu a suspensão da ação, em maio de 2023. O restaurante alegou que tentou ofertar diversas propostas às donas do prédio para continuar as atividades, porém, nenhuma tratativa deu certo.
Desde então, já se discutia a possibilidade da entrega do ponto e a finalização da locação. Assim, para manter a segurança jurídica de ambas as partes, o Habib’s pediu a suspensão da ação pelo prazo de 30 dias. “Evitando prolação de qualquer sentença, que certamente impactará”.
Porém, pedido não foi bem aceito pelas donas do prédio: nos autos, se manifestaram pelo não interesse em realizar audiência de conciliação porque “o que pretende a autora com a suspensão no presente feito é procrastinar o andamento processual”.
Assim, pediram à Justiça a continuidade da ação para dar prosseguimento à sentença, uma vez que, se fosse positiva à família Baís, restaurante pode vir a arcar com as dívidas elencadas no processo.
Nenhuma ação foi julgada ainda, mas a de renovação de contrato já está em fase de alegações finais. Ambos correm na 11ª Vara Cível de Campo Grande.
Habib’s fechou as portas
O Habib´s confirmou o fechamento da loja na Avenida Afonso Pena, em Campo Grande, e ressaltou que agora “segue focada em continuar seu legado de décadas junto aos brasileiros”, conforme nota enviada ao Jornal Midiamax.
A franquia também informou que possui 35 anos de história e mais de 300 lojas em todo o país. A capital sul-mato-grossense, inclusive, já chegou a ter três e agora não tem mais nenhuma.
Ao todo, 22 funcionários foram demitidos. A reportagem flagrou que o local estava desativado na sexta-feira (14), quando maquinários e outros objetos começaram a ser retirados. Em seguida, uma pessoa que estava no local falou do encerramento das atividades e que o anúncio para a equipe ocorreu no dia 7 de julho.
Vale ressaltar que o restaurante encerrou suas atividades com polêmicas no seu histórico.
Cerda na garganta ao comer lanche no Habib’s
Além dos polêmicos bastidores que ocorreram nos momentos finais do restaurante, o Habib’s enfrenta diversas ações movidas por consumidores, cíveis e criminais. A principal delas é referente a 2017, quando um estudante denunciou à polícia que havia uma cerda de metal presa na garganta, logo após comer um lanche no Habib’s. Na ocasião, ele passou por exames de endoscopia e a haste, de 2,5 centímetros, foi apreendida na investigação.
Na ocasião, o delegado Elton Galindo presidia a Decon (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Contra as Relações de Consumo). Ao Jornal Midiamax, ele detalhou que “foi feito o indiciamento do funcionário e o inquérito foi encaminhado ao judiciário. Em seguida, o MPE [Ministério Público Estadual] entendeu que se tratava de lesão corporal culposa”.
Além da investigação, com o delegado e outros policiais indo até a loja do Habib´s na Afonso Pena, onde encontraram e apreenderam três escovas com cerdas de metal, utilizadas para a limpeza das chapas, as provas também se basearam em laudos periciais que apontaram lesão na laringe da vítima.
Na época, o estudante contou que estava acompanhado da mãe e que comeram esfirras e quibes na loja. Eles também pediram o lanche e, como houve demora, pediram para levar para casa. Durante relato na delegacia, o estudante falou que “já na segunda mordida” começou a tossir e vomitar, falando que tinha algo preso na garanta.
O caso rendeu ao Habib’s outro processo, dessa vez movido pelo cliente, que espera há 6 anos na Justiça para receber uma indenização pelo ocorrido que o levou para o hospital.
A defesa tentou desmontar a versão e as provas juntadas pela acusação. Em sua decisão, proferida em setembro de 2019, a juíza Vania de Paula Arantes condenou as empresas envolvidas no caso ao pagamento de R$ 30 mil, com correção monetária pelo IGP-M/FGV, a partir da sentença. O Habib’s apelou da decisão.
Um acórdão assinado pelo Desembargador Fernando Mauro Moreira Marinho reduziu o valor da indenização moral para R$ 17 mil, em junho de 2021 – quatro anos após o incidente no Habib’s.
Em julho, ainda sem nenhuma manifestação do Habib’s, a acusação solicitou o pagamento da indenização com valores atualizados, que eram de R$ 45,8 mil, incluídos os honorários advocatícios. A defesa representou pela impugnação do valor, alegando que os cálculos estavam errados, não passando de R$ 31 mil. O pedido foi rejeitado.
Depois disso, um valor chegou a ser bloqueado da conta das empresas rés. Porém, no decorrer dos autos e com alguns pagamentos feitos, o valor bloqueado se mostrou excedente. O valor causa passou por diversos reajustes e cálculos no decorrer dos anos.
Por conta disso, a ação se tornou um imbróglio e, agora, a defesa pede pelo desbloqueio de cerca de R$ 10 mil e que apenas R$ 873,50 devidos sigam bloqueados.
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