Foi bem no “boom” da covid que a cafeteria da Mariana Loesia Anadao Molina, de 35 anos, começou a receber clientes novos e que sempre perguntavam se ela tinha algum produto regional, já que eles queriam “experimentar algo novo”. Do empadão de carne oreada com banana, receita exclusiva da casa, ela decidiu inovar também no doce e criou o milk-shake de bocaiuva, em Aquidauana, no de .

“Acho que comida é cultura, carrega a identidade de uma região, de um povo… e eu, quando viajo, sempre quero provar algo daquele lugar. E foi justamente o que aconteceu na minha cafeteria, com pessoas de fora da cidade entrando ali para tomar um cafezinho e comer um lanche. Ainda mais quando chegou a equipe do Médico Sem Fronteiras da cidade, me perguntavam sem parar sobre produtos regionais”, afirmou Mariana ao Jornal Midiamax.

De acordo com a empresária, o estabelecimento comercial, localizado na rua Estevão Alves Correa, passou a ser frequentado por pessoas de diversos estados brasileiros. “Virou um point na cidade e, praticamente todos os dias, o pessoal estava lá. Foi aí que eu percebi que faltava uma opção doce no cardápio. Na época, tinha comprado uma farinha de bocaiuva, então, fiz um bolo para eles. Só que aquilo me fez pensar ainda mais em algo diferente, até que comecei a pesquisar fornecedores e tive acesso à polpa de bocaiuva”, disse Loesia. 

Após vários testes, a empresária disse que chegou ao sabor desejado, com uma receita que “carrega o gostinho de infância”. “Além disso, traz o sabor da nossa terra, da nossa gente. A bocaiuva é parte da vida de quem mora no Mato Grosso do Sul. No meu caso, me lembro quando criança, que adorávamos chupar a bocaiuva e depois comer a deliciosa castanha que tem no interior dela”, relembrou. 

Fonte de renda

Fonte de renda para dezenas de famílias, a bocaiuva tem o período de colheita de setembro a fevereiro. Em Aquidauana, uma associação foi criada e lá ao menos 30 famílias se beneficiam do fruto. Lourival da Silva Santos, de 77 anos, é um deles. Desde 2007, tira o sustento da bocaiuva e também da acerola, do tamarindo e do abacaxi.

Lourival é cego e tira sustento da bocaiuva desde 2007. Crédito: Montagem/Jornal Midiamax

 

“Eu sou deficiente visual desde os 8 anos de idade. Fiquei cego total por conta de uma cirurgia mal feita. Mas, isso nunca me impediu de trabalhar e estou na associação desde 2007. Faço farinha, polpa, tudo com a bocaiuva e as outras frutas. Recebi treinamento para integração da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, do Instituto dos Cegos e da Federal de Mato Grosso do Sul [UFMS]”, contou. 

Segundo Silva, diariamente uma pessoa o aguarda na entrada da associação. “Eu pego moto táxi e vou. A secretária me espera e depois entramos e recebemos o material das famílias colheitadeiras. Eles nos entregam, limpamos e isso tudo vai ocupando o meu dia, a minha cabeça. Adoro trabalhar. A cegueira não mudou nada e sou feliz com isso. Fico lá das 7h30 até as 16h. Nós também aprendemos receita e temos o pudim e o biscoito de bocaiuva”, argumentou. 

Farinha de bocaiúva feita em associação de Aquidauana, no Pantanal de MS. Foto: Redes Sociais/Reprodução

 

Sete espécies de bocaiuvas

Estudo da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) apontou sete espécies de bocaiuvas em Mato Grosso do Sul. De nome científico Acrocomia aculeata, este é um fruto nativo da região do Pantanal. Seus pés chegam a 25 metros de altura e elas frutificam duas vezes por ano, em meados de julho e em meados de dezembro.

Desde 2012, técnicos estudam a potencialidade da cadeia da bocaiuva e o extrativismo em diversos municípios do Estado.

“A bocaiuva apresenta-se como fonte de biomassa para biorrefinarias devido ao grande potencial de exploração econômica imediata. Para tanto, são necessárias ações de pesquisas que busquem o fortalecimento e desenvolvimento da cadeia de forma sustentável com maior aproveitamento dos potenciais da planta e obtenção de produtos e coprodutos que vão além da farinha”, explicou em entrevista o pesquisador Fábio Galvani.

De acordo com ele, o potencial da planta é muito vasto e tudo pode ser aproveitado. Do fruto, por exemplo: a polpa pode ser usada na alimentação, além do óleo para produção de biodiesel; a casca para a obtenção de ração animal; com o endocarpo pode gerar produtos para a geração de energia e carvão ativado; o óleo extraído da amêndoa pode ser usado na alimentação e na indústria de cosméticos, etc.

As fibras das outras partes da planta, por exemplo, o cacho e ráquis são matérias-primas para a geração de energia — em forma de briquetes, ou para a produção de álcool de segunda geração; além de serem utilizadas como insumos na confecção de madeira plástica ou na obtenção de nanocelulose. (Com informações da ONG Ecoa – Ecologia e Ação).

Receita do milk-shake

Ingredientes:

  • 120 ml de leite
  • 2 bolas médias de sorvete de creme
  • 3 colheres de sopa cheias de polpa de bocaiuva (media de 40 gramas)

Modo de preparo:

Bater a polpa com leite para dissolvê-la bem e depois acrescentar o sorvete. Bata por um tempo até incorporar os ingredientes e, em seguida, decore o copo com leite condensado. Despeje o milk-shake e polvilhe coco-ralado e pedacinhos de bocaiuva pra decorar… depois é só saborear!