Demissão de médico expõe esquema para ‘furar’ fila de cirurgias na Santa Casa

MPE investiga pagamento irregular a médicos

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MPE investiga pagamento irregular a médicos

Está clara no resultado da sindicância feita pela Santa Casa de Campo Grande no fim de 2015, que resultou na demissão do médico Jaime Oshiro, no dia 7 de janeiro, a suspeita dos responsáveis pela investigação de existência de um esquema para ‘furar’ a fila de espera por cirurgias no hospital, pelo SUS (Sistema Único de Saúde), mediante pagamento irregular a médicos. Esse foi o motivo da demissão de Oshiro, que deixou o hospital sob suspeita de cobrar R$ 1,5 mil de uma trabalhadora rural analfabeta vinda de Fátima do Sul para fazer procedimento de retirada de vesícula, no dia 22 de dezembro. A existência do esquema está sob investigação sigilosa do MPE (Ministério Público Estadual).

A situação foi descoberta quando a operação estava por acontecer, pelo sistema público de saúde, apesar do valor repassado ao médico, conforme o relato da paciente. Depois de ouvir 10 pessoas – entre médicos, profissionais de enfermagem, o próprio cirurgião, o defensor dele, a paciente e a filha dela – os quatro profissionais a cargo da sindicância concluem, em seu relatório, que a história da denunciante indica que o processo pelo qual ela chegou até à mesa de cirurgia “assegura um mecanismo mais ágil para a realização do procedimento cirúrgico, sugerindo a configuração de uma rede para que a ação tivesse êxito”.

Não é novidade em Campo Grande ouvir dizer sobre um esquema desse tipo, para burlar a fila e garantir cirurgias por meio de pagamento a médicos, mas agora surge uma prova contundente, diante deste caso na Santa Casa. Em 2013, por exemplo, um dos médicos mais conhecidos da Santa Casa, o cirurgião cardíaco João Jasbik esteve envolvido em uma denúncia do tipo. Ele continua atuando.

Na sindicância, os profissionais afirmam que a apuração não seria de competência deles, e que fica a “cargo de outras instâncias a avaliação do cenário externo”.

O depoimento paciente, como anota a análise final da sindicância, indica que a tal “rede” começa ainda na cidade de origem. A trabalhadora afirma ter vindo do hospital em Sete Quedas, a 465 quilômetros de Campo Grande, onde estava internada com diagnóstico de pedra na vesícula, já com a indicação de procurar o “dr Jaime” e ficar na “pensão do Sidney”, localizada na Rua Rui Barbosa, em frente ao hospital.

Segundo ela, no dia 21 de dezembro, um funcionário da pensão a levou ao consultório do médico, na Rua Abraão Júlio Rahe, na mesma região, em um veículo do estabelecimento. Lá, diz ter pago R$ 800 pela consulta e mais R$ 1,5 mil pelo procedimento de retirada da vesícula, uma cirurgia que, particular, custa pelo menos o triplo, sem considerar os gastos com internação.

O combinado com o médico, conforme a paciente, foi de ir para a Santa Casa à noite, durante o plantão, e de não falar com ninguém até que o encontrasse. A sindicância registra que o médico descumpriu o fluxo normal do hospital, pois ela deveria ter sido internada pelo plantonista e não por Oshiro, que não estava atuando na cirurgia neste dia. Ainda assim, ele marcou o procedimento para o dia seguinte, 22 de dezembro, quando tudo foi descoberto pelo anestesista, quando a trabalhadora revelou haver pago por um procedimento particular. A operação foi suspensa, e o caso passou a investigado. A trabalhadora só fez o procedimento dois dias depois, com outro profissional.

A forma como a paciente chegou ao hospital também ignora o sistema de regulação de vagas estadual, que define a distribuição de vagas para pacientes do interior. Em sua conclusão, a comissão de sindicância sugere à Santa Casa que a Santa Casa analise “o critério de encaixe de cirurgias de urgência ou crie um sistema de auditoria para avaliar a procedência dos encaixes das cirurgias”.

Investigação sob sigilo

A reportagem do Jornal Midiamax indagou a direção do hospital sobre o que seria feito diante da recomendação da sindicância. Além da demissão do médico, que chegou a ser derrubada pela Justiça do Trabalho e depois foi confirmada, o hospital informou ter encaminhado os resultados da apuração para investigação do MPE (Ministério Público Estadual). A apuração feita indicou que já existe inquérito sobre o assunto na 22ª Promotoria, mas ele corre em sigilo e portanto não foi possível obter informações sobre o andamento. A mesma promotora também tem inquérito aberto contra o médico, e há outro caso parecido relatado.

As investigações vão apurar tanto a conduta dos médicos quanto o envolvimento de terceiros, como o de donos das pensões que ficam próximas à Santa Casa. A “pensão do Sidney”, onde a paciente de Sete Quedas diz ter recebido o encaminhamento para o consultório de Jaime Oshiro é bastante conhecida na região e movimentada. No local, a informação dada à reportagem é que o estabelecimento tem convênios com prefeituras do interior prevendo desconto para hospedagem de pacientes que vêm se tratar na Santa Casa.

O prefeito de Fátima do Sul, de onde veio a responsável pela denúncia em questão, José Gomes, confirmou o convênio, disse que ele foi feito em gestões passadas e mantido, e negou que haja indicação de profissionais para atendimento às pessoas que saem da cidade para vir a Campo Grande.

Em relação ao médico Jaime Oshiro, a Santa Casa também encaminhou o resultado da investigação ao CRM (Conselho Regional de Medicina). O órgão informou que não pode se manifestar sobre abertura ou não de processo ético e só faz isso quando o trabalho é encerrado. Oshiro admitiu ter recebido o valor da paciente mas diz que foi em caráter de doação. Procurado pela reportagem, o médico pediu para que o contato fosse feito com o advogado, Milton Costa, que não respondeu às ligações feitas.

(Colaborou Clayton Neves)

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