‘Me sentia um nada’, diz mãe de menina de 11 anos que teve aborto negado

“Eu me sentia um nada, porque eu não podia tomar uma decisão pela vida da minha filha, pela vida, pela ida dela para casa”, disse a mãe da menina de 11 anos que foi estuprada

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Foto: Reprodução/ Tv Globo

“Eu me sentia um nada, porque eu não podia tomar uma decisão pela vida da minha filha, pela vida, pela ida dela para casa”, disse a mãe da menina de 11 anos que foi estuprada e chegou a ter o aborto negado pela Justiça. “Eu não fui ouvida.” A mulher, que não teve identidade revelada, deu entrevista ao Fantástico que foi veiculada na noite deste domingo, 26.

A Justiça de Santa Catarina havia negado que a vítima de estupro realizasse um aborto autorizado. Em despacho expedido em 1º de junho, a magistrada Joana Ribeiro Zimmer, da 1ª Vara Cível de Tijucas, a 50 quilômetros de Florianópolis, decidiu pela permanência da criança em um abrigo com o objetivo de mantê-la afastada do possível autor da agressão sexual e também para impedir que a mãe da menina, responsável legal pela filha, levasse a cabo a decisão de interromper a gravidez.

O caso ganhou repercussão nacional na última segunda-feira, 20, após divulgação da gravação de uma audiência realizada no dia 9 de maio. Na gravação, a mãe parece desesperada e pede pela volta da filha para casa.

“Foi muito difícil. Chorei, me desesperei, gritei dentro do Fórum”, lembra. “Porque era um ser acima de mim. Uma lei acima de mim.”

No vídeo vazado, a juíza pergunta à menina se ela “suportaria” manter a gravidez por mais algumas semanas. “Eu acho que eu deveria responder por ela, não ela. Ela é uma criança. Ela é muito imatura”, ponderou a mãe. “Se eles queriam preservar tanto a minha filha, era algo que não deveria ser perguntado para ela “

Ficar longe da filha, destacou, foi um dos “momentos mais difíceis” da vida dela. “Todos os dias eu chorava. Quando eu ia visitar, ela chorava e pedia para ir para casa”, contou. “Eu ter que falar para ela ‘filha, agora a mãe não pode fazer nada’. Isso doía muito.”

Na terça, 21, a menina recebeu autorização para voltar para casa, concedida pela desembargadora Cláudia Lambert de Faria. Na quarta, 22, ela teve a gestação interrompida – o que é previsto por lei em caso de estupro.

“Eu sou grata pela saúde da minha filha, que está bem”, declarou a mãe. “Eu não vou falar que eu estou feliz. Não estou feliz. A gente está passando por um processo bem complicado ainda.”

O caso

Tramitando em segredo de Justiça, o caso ganhou repercussão nacional na última segunda-feira, 20, após divulgação da gravação de uma audiência realizada no dia 9 de maio, que mostra a juíza Joana Ribeiro Zimmer, então na 1ª Vara Cível de Tijucas, e a promotora Mirela Dutra Alberton sugerindo à vítima, na época com 10 anos, que ela sustentasse a gravidez por mais algumas semanas para a realização de um parto antecipado, de modo a salvaguardar o bebê.

A magistrada havia impedido a criança de realizar o aborto, que é permitido pela legislação brasileira em casos de estupro. Joana alegou que, passadas 22 semanas de gestação – a criança estava com 29 semanas à época da análise da juíza -, a interrupção da gravidez seria considerada um homicídio contra o feto. A juíza não se encontra mais à frente do caso porque foi promovida e não atua mais na Comarca de Tijucas. A promoção foi concedida antes da divulgação do caso. Procurada, a juíza não quis dar nenhuma declaração sobre o episódio.

“Quanto tempo que você aceitaria ficar com o bebê na tua barriga para a gente acabar de formar ele, dar os medicamentos para o pulmãozinho dele ficar maduro para a gente poder fazer a retirada para outra pessoa cuidar?”, perguntou a juíza à menina, que respondeu: “Eu não sei”. A magistrada, porém, insistiu: “Se a tua saúde suportasse (a gestação), tu suportaria ficar mais um pouquinho com o bebê? Mais duas ou três semanas?”. A garota então consente. “Sim”.

O vídeo que mostra Joana Ribeiro Zimmer defendendo a ideia de a vítima do estupro não interromper a gravidez – desejo manifestado pela criança e pela sua mãe, responsável legal pela filha – foi divulgado em uma reportagem publicada pelo portal Catarinas, em conjunto com o site The Intercept Brasil.

Já em um diálogo direto com a mãe, a juíza afirmou que existem cerca de 30 mil casais que “querem o bebê”. “Essa tristeza para a senhora e para a sua filha é a felicidade de um casal”, disse a magistrada. “É uma felicidade porque eles não estão passando pelo o que eu estou passando”, respondeu a mãe da criança.

Na decisão, a magistrada se apoiou nas definições de aborto estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “Lembro que vigora no Brasil o Marco Legal da Primeira Infância, que deixa clara a proteção do bebê desde a gestação, daí o fortalecimento legal da interpretação da autorização do Código Penal pela literalidade da palavra ‘aborto’ lá contida, como conceito que, segundo a entidade, é considerado apenas até 22 semanas ou 500g do bebê.”

Contudo, a OMS não menciona os limites de duração da gestação nas suas novas diretrizes sobre o aborto divulgadas em março. A organização, no entanto, enfatiza que “a gravidez pode ser interrompida com segurança, independentemente da idade gestacional”, e afirma ainda que negar um aborto por causa do tempo da gestação “pode resultar na continuação indesejada da gravidez”, algo que seria “incompatível com requisito no direito internacional dos direitos humanos”.

Na decisão que permitiu à criança voltar para casa, a desembargadora Cláudia Lambert levou em consideração o diálogo da magistrada com a mãe. “Na audiência”, diz a desembargadora, “foi possível observar a grande preocupação e sofrimento da genitora (mãe), ao ver a filha abrigada nesse momento tão difícil de sua vida”. Na conversa, a mãe da menina diz a Joana Ribeiro Zimmer que um último pedido que gostaria de fazer à magistrada era o de permitir o retorno da filha à casa da família.

O apelo da mãe, entretanto, foi negado por Joana Ribeiro Zimmer. No último dia 1º, a juíza emitiu um despacho determinando a permanência da menina em um lar de acolhimento, e justificou a decisão sob o argumento de que, em casa, a menina poderia ser submetida ao procedimento de aborto. “Se no início da medida protetiva o motivo do acolhimento institucional era a presença de suspeitos homens na casa, o fato é que, doravante, o risco é que a mãe efetue algum procedimento para operar a morte do bebê”, escreveu a magistrada.

A garota foi vítima de estupro quando estava com 10 anos de idade. A mãe da menina descobriu o caso apenas na 22ª semana de gestação e a levou a um Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago (HU), de Florianópolis, por orientação do Conselho Tutelar. Na unidade, a menina passou por exames, mas não teve o procedimento de aborto realizado porque as normas do hospital só permitem a interrupção da gestação até a 20ª semana.

Dias depois, de acordo com a reportagem do The Intercept e do portal Catarinas, o Ministério Público de Santa Catarina entrou com ação cautelar pedindo pelo acolhimento institucional da criança. Em audiências realizadas no Fórum de Tijucas, em 17 e 23 de maio, os médicos do Hospital Universitário alegaram que a criança estava, até o momento, apresentando sinais de uma gravidez sem riscos.

Tanto o Tribunal de Justiça, como o Ministério Público, ambos de Santa Catarina, afirmaram que a Corregedoria-Geral de cada órgão vai investigar os fatos do episódio.

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