Inep quis dar acesso ao Enem para professores fora de edital

A relação de nomes foi descoberta por servidores do Inep em abril

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Divulgação PMA
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A cúpula do Ministério da Educação (MEC) tentou incluir profissionais na montagem do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano que não haviam sido aprovados em processo seletivo para colaboradores da prova. A lista com 22 nomes, obtida pelo Estadão, incluía defensores da gestão Jair Bolsonaro, uma professora de Biologia criacionista e quatro docentes ligados à Universidade Mackenzie, de onde veio o ministro Milton Ribeiro.

Segundo o Estadão apurou, a lista teria sido feita pelo presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), Danilo Dupas, com a anuência do MEC. Essas pessoas receberiam a permissão para entrar na sala segura do Enem, um ambiente com detectores de metal e senhas nas portas, e escolher as questões da prova a partir do banco de itens. Poderiam também acompanhar a impressão da prova na gráfica.

A relação de nomes foi descoberta por servidores do Inep em abril e levou a um pedido de demissão do coordenador da área, que discordava da medida. A lista circulou entre funcionários e muitos manifestaram seu descontentamento. O conflito fez Dupas recuar e retirar os nomes da relação.

Além dos servidores, a montagem da prova tem sempre colaboradores externos – professores escolhidos por meio de um edital de seleção que leva em conta o currículo e a formação acadêmica. Este grupo não passou por essa seleção.

Um dos requisitos obrigatórios que mais contam pontos, segundo o edital de 2020, é a experiência em “elaboração e/ou revisão de itens do ensino médio”, ou seja, as questões da prova. Depois de selecionados, eles ainda participam de 40 horas de capacitação sobre “as normas e os procedimentos técnicos exigidos para desenvolver o trabalho”, de acordo com texto do Inep sobre os aprovados deste ano.

A lista que chegou a integrantes da diretoria da Avaliação da Educação Básica do Inep tinha 15 nomes que incluíam professores já aprovados e servidores, além dos 22 professores que não passaram pelo processo de seleção. Todos faziam parte de um grupo que seria vacinado prioritariamente pelo governo, já que sairiam do trabalho remoto para atuar juntos em salas fechadas e cercadas de segurança.

O pedido de vacinação para nomes estranhos chamou a atenção dos servidores. Segundo relatos, muito do descontentamento que levou aos 37 pedidos de exoneração da semana passada começou nesse episódio. Eles acusam Dupas de assédio moral e desconsideração de critérios técnicos. Procurado, o Inep não se manifestou até às 20h50 desta quinta-feira, 18.

NOMES

Dois dos integrantes da lista são membros do grupo Docentes pela Liberdade (DPL), que se intitula “um grupo apartidário” cujo objetivo é “romper com a hegemonia da esquerda e combater a perseguição ideológica”. A primeira página do site tem uma foto de Bolsonaro segurando uma camiseta do DPL. O perfil do Twitter do grupo ainda repassou mensagens que criticam o Supremo Tribunal Federal (STF) e do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub pedindo a prisão do youtuber Felipe Neto, crítico do governo.

Aline Loretto Garcia, mulher do diretor do DPL Marcelo Hermes Lima, está na lista do Inep como especialista de História. Em uma postagem aparece ao lado do influenciador bolsonarista Allan dos Santos, investigado no inquérito das milícias digitais no STF. Procurada, ela afirmou que “nunca elaborou” a prova do Enem nem recebeu convocação para participar de atividades. O secretário executivo do DPL, Pedro Lucena, está na relação como professor de Geografia. “Eu não desempenhei tarefa nenhuma”, respondeu ao ser questionado.

A professora do Mackenzie Vera Lucia Azevedo, que aparece como especialista em Matemática, disse ao Estadão que foi convidada, por um telefonema, para uma reunião no Inep em Brasília, mas rejeitou. “Não participei, não cheguei a ir em nada. Realmente, alguém colocou meu nome, mas recusei porque tinha compromissos aqui (em São Paulo)”, disse ela, que destacou não ter participado de edital relacionado ao Enem.

O professor da Universidade Federal do Tocantins Antonio Egno do Carmo Gomes, na lista na área de Literatura, é do Núcleo de Estudos Bíblia e Literatura, financiado pelo Fundo Mackpesquisa. O presidente do Inep foi, de 2014 a 2020, gerente administrativo do MackPesquisa, do Mackenzie.

“Com todo respeito, não importa o que você amigo evolucionista venha me dizer e nem qual argumento você venha me trazer, eu não vou mudar meu posicionamento, e isso não faz de mim menos bióloga que você. Sou criacionista e isto não está em discussão”, escreveu nas redes sociais Mayara Cordeiro, na lista como especialista em Biologia. Ela dá aulas numa escola religiosa em Blumenau. Procurada ontem, ela confirmou o contato do MEC, mas disse que não “está fazendo parte da equipe”.

Outra da área de Biologia na lista é Joselena Mendonça Ferreira, professora substituta na Universidade Federal Rural do Semi-Árido, que nas redes sociais já questionou dados sobre mortes de covid. Em Artes, Thérèse Hofmann Gatti Rodrigues da Costa, da Universidade de Brasília, tem pesquisa sobre “melhoria na qualidade da educação básica” no programa das escolas cívico-militares, criado por Bolsonaro em 2019. O Estadão tentou contato com ela, Gomes e Joselena, mas não obteve resposta.

TRANSPARÊNCIA

Ex-presidente do Inep, Chico Soares explica que as equipes que atuam nas questões do teste devem passar por processo “formal e transparente” de seleção. “O Inep não faz tudo sozinho, sempre faz em parcerias. Mas é a instituição pública, só pode fazer quando apoiado por formas públicas.” Para ele, convocatórias fora de editais ferem a transparência, “um dos princípios básicos da gestão.”

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