Bolsonaro revoga homenagem a cientista que mostrou ineficácia do kit-covid
Homenagem ao médico sanitarista Marcus Vinícius Guimarães Rosa, da fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
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O presidente Jair Bolsonaro decidiu cassar a homenagem da Ordem Nacional do Mérito Científico a dois cientistas responsáveis por trabalhos que desagradaram ao governo em decreto nesta sexta-feira, 5. Fica revogada a homenagem ao médico sanitarista Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), responsável por um dos primeiros estudos a apontarem a ineficácia da cloroquina e de corticóides contra a covid-19 – os medicamentos integram o chamado tratamento precoce, defendido pelo presidente.
O decreto também cassa a honraria da médica Adele Benzaken, ex-diretora do Departamento de HIV/Aids do Ministério da Saúde. Ela foi removida do cargo em janeiro de 2019, após editar cartilha para prevenção da doença entre homens trans. A Ordem Nacional do Mérito Científico é uma honraria concedida todos os anos para homenagear pessoas que se dedicaram ao avanço da ciência no país.
A escolha é feita a partir de indicações da área, que são depois votadas por um comitê, formado principalmente por acadêmicos. De nove integrantes do comitê, seis são representantes da sociedade civil e das universidades, e outros três são indicados pelo governo.
Este ano, a homenagem chegou à lista dos assuntos mais comentados das redes sociais por causa da versão de que Bolsonaro teria se “autoconcedido” a honraria, o que não é verdade. Por decreto, o presidente da República é sempre o “Grão-Mestre” da ordem, assim como o ministro da Ciência e Tecnologia é o “Chanceler”. Antes de Bolsonaro, o ex-presidente Michel Temer editou decreto com o mesmo teor, no dia 16 de outubro de 2018.
Ao Estadão, o sanitarista Marcus Lacerda criticou a revogação da homenagem. “O governo deixou claro que não entende nada sobre mérito científico. Está interessado, sim, em promover interferências no mérito científico. Essa é a mensagem do governo (com o decreto)”, disse ele. “Quando o governo veta os nomes, ele está dizendo que existe uma ingerência política”, disse.
O sanitarista, que trabalha também na Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, explica que seu grupo de pesquisa foi responsável por alguns dos primeiros estudos que mostraram a ineficácia do chamado kit covid. “Fomos o primeiro grupo do mundo a chamar a atenção para essa ineficácia. A partir daí veio toda a perseguição político-partidária que se seguiu, e que hoje culmina com essa situação desagradável. Desagradável não para mim, mas sim para o governo”, diz ele.
Já Adele Benzaken diz que respeita a decisão do governo de exonerá-la no começo da gestão, em 2019, uma vez que o cargo até então ocupado por ela é político. “Então, se há a avaliação de que a pessoa não tem o perfil para trabalhar no governo por suas ideias ou forma de agir, isso eu respeito”, diz ela. “Do ponto de vista pessoal eu achei deselegante (a cassação da homenagem), é como se eu fosse convidada para uma festa e, depois, fosse desconvidada”, diz.
“Eu, enquanto gestora, baseio as ações em saúde pública na ciência e nas recomendações da OMS e da OPAS. A minha gestão sempre foi técnica. E, claro, num país onde existe uma análise de que a epidemia de HIV é concentrada na população mais vulnerável, nas populações-chave, é para elas que devemos dirigir as ações de prevenção”, disse ela.
O decreto original do Presidente da República homenageava 22 pessoas, sendo 14 homens e 8 mulheres. É a primeira vez que a homenagem é outorgada desde 2018, no governo Temer. Na ocasião, o emedebista e o então ministro da Ciência e Tecnologia Gilberto Kassab concederam a honraria a cerca de 70 pessoas.
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