Especialistas divergem sobre futuro da Lava Jato com Moro ministro

À frente da Operação Lava Jato há quatro anos e meio, o juiz federal Sérgio Moro decidiu nesta quinta-feira (1º) aceitar o convite do presidente eleito Jair Bolsonaro para o Ministério da Justiça.  Como a legislação impede que magistrados ocupem cargos públicos exceto o de professor, ele vai deixar o comando das investigações de combate […]

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À frente da Operação Lava Jato há quatro anos e meio, o juiz federal Sérgio Moro decidiu nesta quinta-feira (1º) aceitar o convite do presidente eleito Jair Bolsonaro para o Ministério da Justiça.  Como a legislação impede que magistrados ocupem cargos públicos exceto o de professor, ele vai deixar o comando das investigações de combate à corrupção envolvendo a Petrobras, que colocaram na cadeia nos últimos anos executivos de alto escalão, políticos e donos de grandes empresas.

Temporariamente, a juíza substituta Gabriela Hardt deve assumir o andamento dos processos sobre o tema em primeira instância. No que diz respeito à transição de uma função no Poder Judiciário para um cargo político e as dúvidas que surgem quanto ao futuro da operação, o assunto é controverso, conforme avaliações ouvidas pela Agência Brasil.

Sólida capacidade jurídica

Segundo o promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), Roberto Livianu, o Brasil possui muitos magistrados “com sólida capacidade jurídica” que darão continuidade ao trabalho do juiz paranaense. “Tenho certeza de que por tudo que vem acontecendo e a expectativa que legitimamente se cria, o magistrado que o substituir se empenhará para apresentar ao país um trabalho digno, eficiente e rápido”, disse Livianu, que é doutor em direito penal da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção.

Com elogios à postura profissional de Sérgio Moro, Livianu acredita não haver “mácula” nos processos julgados por Moro até agora, em resposta às críticas de que houve uma atuação política do juiz durante os julgamentos envolvendo dirigentes partidários. O juiz é responsável por processos em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu. Segundo Livianu, esse tipo de “ilações são maldosas”, porque 97% das decisões do magistrado na operação foram mantidas em instâncias superiores.

“Minha avaliação é de que a Operação Lava Jato é um patrimônio do povo brasileiro. Instituiu-se um novo paradigma. A partir desse momento, fica irreversível [a continuidade das investigações]”, disse.

Poder Judiciário comprometido

A opinião é divergente da manifestada pela professora de Direito Penal e Criminologia da Universidade de Brasília (UnB), Beatriz Vargas. Ela disse concordar com o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, segundo quem a aceitação de Moro para o cargo compromete o Poder Judiciário. Ela disse esperar que a Operação Lava Jato “entre nos trilhos” e que este seja um momento para que as instituições como Polícia Federal, Ministério Público e Justiça “ocupem o lugar reservado para eles na estrutura constitucional democrática”.

“Como uma operação de persecução criminal ao desvio de verba pública e à corrupção, a Lava Jato é perfeitamente legítima, assim como inúmeras outras. Espero que ela não termine depois de – e isso parece agora mais do que nunca -, finalizada a etapa de criminalização de algumas lideranças políticas selecionadas em detrimento de outras”, disse Beatriz Vargas, lembrando que o cenário ainda está indefinido para se avaliar com clareza o futuro da operação.

A professora questiona o trabalho do juiz federal, que exerceu, segundo ela, um “papel seletivo” de identificar corruptos de apenas um “determinado partido”. Beatriz disse que a atuação do juiz que assumirá as funções de Moro não pode se pautar por pressões populares. “O Judiciário, como Poder contramajoritário, não está obrigado a tomar uma decisão em favor do interesse ou da vontade da maioria. O que regula a atuação do Judiciário é norma, regra legal e prova. É para isso que ele tem que se voltar”.

Combate à corrupção

Marcelo Barone, que também é promotor de Justiça do MP-SP, prevê que a Lava Jato só tem a ganhar com a escolha de Moro para o ministério. “Eu acho que existem outros juízes que vão poder continuar o trabalho do juiz. [O convite] fortalece o combate à corrupção e dá exemplo para fora do país”, disse, prevendo a atração de investidores para o Brasil. “Isso dá credibilidade. Assim como eu, toda a população está feliz”.

Barone, que é mestre em processo penal pela PUC/SP e professor de direito penal e processo penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie, acredita que as investigações não serão atrapalhadas. De acordo com ele, a Lava Jato não é de um único juiz, embora coubesse a Moro o papel de respaldar as investigações emitindo decretos de prisão e homologando acordos de delação premiada. “A Justiça Federal é maravilhosa, tem juízes ótimos e brilhantes. Estamos num caminho muito certo, porque coroar o Moro como ministro é mostrar para o mundo que o Brasil está no caminho certo”.

Já o advogado criminalista e presidente da Associação Nacional de Advocacia Criminal no Distrito Federal, Bruno Espiñeira Lemos, o próximo magistrado responsável por comandar a investigação deve se preocupar em retomar os parâmetros que, segundo ele, remetem à figura de um julgador “inerte e imparcial”. Ele explica que, de acordo com essa concepção, prevista na Constituição Federal de 1988, o juiz seria uma pessoa que não tomaria iniciativa na coleta de elementos, trabalhando com base nas provas e no que está exposto pelas Partes.

Lula

Na avaliação de Espiñera, o episódio fortalece os argumentos da defesa de Lula segundo os quais houve uma suspeição dos atos de Sérgio Moro ao emitir as sentenças. Ele lembrou que o ex-presidente pretendia concorrer à Presidência da República contra o presidente eleito Jair Bolsonaro, caso não fosse enquadrado na Lei da Ficha Limpa, que impede condenados em segunda instância de concorrerem a cargos eletivos.

“É um momento que pode haver uma inflexão e mudança de rumos nessa visão do Judiciário, que eu acho que até incomodava muitos colegas, essa ideia de holofotes, pessoalização e seletividade de alguns processos. Se vier para ser corrigido, que fantástico. Agora se for para quem vier tentar demonstrar: ‘Olha, ele foi, mas a coisa vai ficar mais dura’, eu lamento profundamente enquanto advogado, cidadão e enquanto nação. Nós temos que ter juízes e não justiceiros”.

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