Uma imensa tenda branca está montada, até o fim da semana, no Parque da Água Branca, zona oeste de São Paulo. Do lado de dentro, dezenas de mesas abrigam diferentes grupos de pessoas: um juiz que sorri para todos, advogados carregando pastas pesadas, um homem acusando a ex-mulher de estragar a vida dele, uma senhora de meia idade aos berros, um idoso chorando e rindo ao mesmo tempo, uma família se abraçando.

Todos estão reunidos para tentar chegar a um acordo sobre seus problemas particulares durante a realização da Semana Nacional da Conciliação, evento anual promovida pelo Conselho Nacional de Justiça.

A ideia da campanha é fazer um mutirão, fazendo o que já ocorre em tribunais de todo o país: cidadãos envolvidos em diversos tipo de disputas tentam, com a ajuda de um conciliador oferecido pela própria instância, chegar a um acordo antes de levar o caso à Justiça.

Os casos envolvem problemas como ameaça de desapropriações, danos morais, ações trabalhistas, divórcio, pensão alimentícia e guarda de menores.

Por ter valor judicial, a conciliação põe um fim ao litígio e, de acordo com magistrados, e pode reduzir a demanda dos processos em trâmite nas gavetas do sistema judiciário do país. Além disso, para as partes envolvidas pode ser mais rápido e barato, por não precisar de tantos documentos.

‘Remédio adequado’”

Comparo o judiciário com um centro cirúrgico. Quando você tem um problema de saúde, não vai direito para a cirurgia, somente em último caso”, afirma a desembargadora federal Daldice Santana, coordenadora do Gabinete da Conciliação do Tribunal Regional Federal da 3ª região e um das organizadoras da semana.

“Não existe um remédio melhor que o outro, existe o mais adequado. E a conciliação é adequada para muitos casos, além de ajudar a desafogar o sistema judicial brasileiro.”

Para a magistrada, tudo mundo sai ganhando na conciliação. “Mesmo não sendo a decisão perfeita, mesmo o valor podendo ser um pouco abaixo do esperado, as pessoas são protagonistas do próprio caso. E isso faz toda a diferença.”

“Não é a vontade do juiz, é a dela. E, se sentindo responsável por aquela decisão, a pessoa aceita e não costuma recorrer na Justiça.”

Problemas pessoais

A desembargadora cita ainda outra vantagem da conciliação: a possibilidade de se levar em conta os problemas pessoais da dos envolvidos, algo que não teria espaço em um tribunal.

“Lembro de uma conciliação envolvendo uma dívida habitacional, em que uma mulher me deu uma carta durante a discussão. Ela tinha bem mais que um problema jurídico”, conta.

“Ela era viúva, o marido tinha morrido de Aids fazia pouco tempo, a filha mais velha havia se separado e tinha ido morar com ela, e fazia duas semanas ela tinha descoberto que estava com câncer de mama”, conta a magistrada, dizendo que, em seguida, conversou com os advogados e as instâncias envolvidas.

“A partir daquela carta, conseguimos sensibilizar a Caixa Econômica Federal, que reduziu o valor da dívida.”

Por último, Daldice afirma que conciliação também tem um lado educativo fundamental. “Ela ensina que é, sim, possível resolver alguns problemas sem que levar tudo para o judiciário.”

“Um banco, por exemplo, pode ver por que há tanto problemas com uma determinada agência. O gerente está evitando resolver os problemas ele mesmo? O segurança está constrangendo os clientes na porta giratória da entrada? E não só para bancos, mas também para órgãos públicos, o INSS… é possível melhorar o tratamento para evitar que tudo seja judicializado.”

Mudança a longo prazo

O advogado Marco Lorencini, do escritório L.O. Baptista-SVMFA, concorda com o efeito educativo da conciliação, mas tem algumas restrições à visão de que a conduta, sozinha, irá desafogar o judiciário.

“Sou um pouco cético em relação a esse discurso entusiasta que diz que com a conciliação o número de demandas judiciais vai cair”, afirma.

“Acredito que no curto e no médio prazo, podemos não ter impacto nesse número. Porque para isso é preciso mudar a mentalidade das pessoas. Se não, elas vão continuar recorrendo ao Judiciário. E essa mudança é algo que leva tempo.”

Além disso, o advogado defende que, para se chegar a esse ponto, é preciso que a conciliação não caminhe sozinho, mas, sim, seja acompanhada por profissionais com técnica, vivência e também um aparato por trás.

Para Marco, essa discussão é especialmente importante no momento em que se está sendo discutido o novo Código de Processo Civil, que propões que se passe antes pela mediação.

“Mas vamos conseguir formar mais conciliadores? Elas vão ter treinamento adequado? E o aparato por trás, é suficiente? Essas questões não podem ficar em segundo plano.”