Presos em MS em retomada de área indígena são transferidos para penitenciária

Defesa tenta habeas corpus junto ao TRF 3 para liberação de envolvidos

Ouvir Notícia Pausar Notícia
Compartilhar
Indígenas estão em celas da PED de Dourados (Foto: Reprodução/Agepen)

Os nove indígenas presos pelo Batalhão de Choque no último sábado (8) durante tentativa de desocupação de área disputada por indígenas e um condomínio de luxo em Dourados já não estão mais na Depac (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário).

Após a conversão da prisão em flagrante para preventiva, conforme decisão da 2ª Vara Federal de Dourados, eles foram levados para celas da PED (Penitenciária Estadual). A transferência aconteceu no final da tarde desta terça-feira (11), segundo lideranças da retomada Ñhu Verá, área reocupada pelos indígenas na madrugada de segunda-feira (10).

A DPU (Defensoria Pública da União) em Mato Grosso do Sul, que cuida da defesa dos nove indígenas conversou com a reportagem do Midiamax, conversou na manhã desta quarta-feira e disse que vai entrar com pedido de libertação dos indígenas.

“Vamos impetrar um habeas corpus no Tribunal para tentar anular a decisão. Nós também vamos pedir ao próprio juiz de 1ª Instância, que considere a situação deles serem indígenas. Há também uma proposta de semiliberdade, que seria uma espécie de prisão administrativa, que é prevista no Estatuto Índio”, explica Daniele Osório, da DPU de Mato Grosso do Sul.

Ao converter a prisão do ex-candidato ao governo de Mato Grosso do Sul nas últimas eleições, Magno Souza (PCO), e outros oito indígenas, de flagrante para preventiva, a Justiça Federal de Dourados alega uma série de fatores que justificam a decisão.

Entre as evidências apontadas pelo magistrado da 2ª Vara Federal da Cidade, estão a agressividade na conduta dos presos e o uso de armas (facas e facões), além do porte da arma de fogo apreendida, que era compartilhado.

Além disso, o juiz entendeu que ameaças diversas, lesão corporal dolosa e a associação de diversas pessoas para cometer crimes evidenciam que a colocação dos presos em liberdade representa risco à ordem pública.  

Ainda segundo o magistrado federal, “pelo que consta dos autos, resta claro que medidas cautelares diversas da prisão são insuficientes para resguardar a ordem pública e a paz social”. Entre elas, estaria o comparecimento em Juízo, conforme pedido da DPU (Defensoria Pública da União).

Já o MPF (Ministério Público Federal), que não é favorável à manutenção da prisão preventiva, mas que reconheceu que há risco à ordem pública, defendeu proibição de os flagrados retornarem ao local dos fatos e chegou a sugerir monitoramento eletrônico, caso fossem liberados.

“Com efeito, entendo devidamente demonstrado, pela autoridade policial, o risco à ordem pública, o que fora ratificado pelo membro do Parquet estadual, órgão apto a proferir o parecer quando da audiência de custódia realizada no plantão da Justiça Estadual”, fundamenta o magistrado da 2ª Vara Federal de Dourados.

Famílias seguem acampadas na área (Foto: Marcos Morandi / Midiamax)

Apelos das famílias

Inconformadas, as famílias clamam pela libertação dos envolvidos na retomada de uma área que é considerada por eles como tradicional, mas que também é reivindicada por um grupo privado para a construção de um condomínio de luxo. As obras já foram iniciadas, com parte do muro já levantado.

“Quero meu marido de volta. O que fizeram com ele é uma grande injustiça. Nós apenas estamos reivindicando o que é nosso. Tenho dois filhos pequenos que pedem pela presença do pai. Além disso, nossa família está sofrendo ameaças de jagunços de outras propriedades que estão rondando nossos barracos. Estamos todos com muito medo”, diz a indígena de 24 anos, esposa de um dos presos.

Segundo a indígena que pediu para não ser identificada, além das crianças, com ela também moram mais quatro irmãs e dois idosos. Um deles de quase 120 anos. “Se acontecer algum ataque, não temos para onde correr e nem eles teriam condições físicas para isso. Quem anda armado são eles”, comenta a esposa de um dos detidos, com lágrimas nos olhos à reportagem do Midiamax.

“Se não soltarem nossos maridos, nós vamos fechar a rodovia (que dá acesso a Campo Grande e Itaporã). Essa terra aqui foi grilada. Ela é nossa e não dessa empresa que quer construir um condomínio de luxo em meio aos nossos barracos. O que será de nós e das nossas criancinhas que já estão sem nada”, questiona a esposa de outra liderança presa durante ação do Batalhão de Choque da Polícia Militar.

Segundo a indígena, inúmeras famílias vivem confinadas em barracos que abrigam até uma dúzia de pessoas, amontoadas quase umas em cimas das outras não só na Ñhu Verá, mas nas outras nove retomadas que fazem parte do entorno da Reserva Federal. “Tem gente que pensa que a gente gosta de viver assim, igual bicho. Claro que não! Não somos porcos para vivermos em chiqueiro provisório. Apenas reivindicamos o que é nosso”.

Depois da retomada da área, que já está com parte do muro de lajotas levantado, cresce a cada hora o número de barracos em meio aos restos de materiais deixados pela construtora. No local também estão dois contêineres de ferramentas fechados e também uma caçamba de entulhos. Um contraste de cores em meio às lonas pretas.

Construtora só respondeu alertas do MPF dois dias após ação da PM

A Corpal Incorporadora e Construtora ignorou dois alertas do MPF (Ministério Público Federal) sobre a construção de um empreendimento de luxo nos limites da comunidade Yvu Verá, em área reivindicada como terra indígena, em Dourados.

O primeiro, no dia 14 de março, o qual a empreiteira sequer respondeu – mesmo após prazo de 10 dias. Assim, o MPF enviou um segundo ofício, no dia 29 de março, que só foi respondido no dia 10 de abril, dois dias após tentativa de desocupação da PM que terminou com 10 indígenas presos.

No documento, o MPF alertou a Corpal sobre a preocupação dos grupos indígenas sobre a realização das obras para construção do condomínio de luxo nos limites da comunidade Yvu Verá.

Conforme informado pelo MPF ao Jornal Midiamax, o ofício foi enviado para a construtora no dia 14 de março, pedindo resposta em um prazo de dez dias. Sem respostas, um novo ofício foi enviado no dia 29 do mês passado.

A empresa respondeu o ofício na segunda-feira (10), ou seja, 13 dias após o segundo envio. Além disso, a resposta ocorreu dois dias após a ação da PM que terminou com a prisão de lideranças indígenas. Entre os presos está o ex-candidato ao governo de Mato Grosso do Sul nas últimas eleições, Magno Souza (PCO), que teve prisão mantida pela Justiça Federal.

A suspeita, de acordo com o que a reportagem apurou, é que a atuação da Sejusp tenha dado ordem direta à PM para intervir no caso. O direcionamento da secretaria para tropa de elite da PM, o Batalhão de Choque, atuar na retirada dos indígenas, suspeitam lideranças, seria reflexo de pedido direto feito por interessados na construção.

Conteúdos relacionados