Irmã de Mayara faz desabafo sobre como o crime vem sendo tratado

Em nenhuma matéria viu a “palavra feminicídio”

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Em nenhuma matéria viu a “palavra feminicídio”

A jornalista Pauliane Amaral, irmã da musicista Mayara Amaral, 27, morta de forma  brutal por três homens no último dia 25 em Campo Grande, postou um texto em sua rede social, onde faz um desabafo sobre a forma como o caso está sendo divulgado na imprensa. Irmã de Mayara faz desabafo sobre como o crime vem sendo tratado

Pauliane relata que em nenhuma matéria viu a “palavra feminicídio”. A Polícia Civil tipificou o caso como latrocínio, que é o roubo seguido de morte. Pauliane também fala sobre a violência contra a mulher, violência essa que só aumenta a cada dia, de acordo com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. 

Com forma fria dos números, divulgado no Mapa da Violência de 2015, o feminicídio cresceu 21% no Brasil em dez anos, fazendo com que o país tenha a quinta maior taxa de mortes violentas femininas no mundo, com 4,8 assassinatos por cada 100 mil mulheres.

A jornalista lembra que em nenhuma reportagem viu o caso sendo tratado como estupro, mesmo com todas as evidências, a desumanização em relação ao crime, a “voz” dada aos assassinos, que “só queriam roubar um carro” e, a forma cruel e covarde como a irmã foi morta: a marteladas.

Leia a postagem

Minha irmã caçula, mulher, violonista com mestrado pela UFG e um dissertação incrível sobre mulheres compositoras para violão. Desde ontem Mayara Amaral também é vítima de um crime que parece cada vez mais banal na nossa sociedade: o FEMINICIDIO. Crime de ódio contra as mulheres, contra um gênero considerado frágil e, para alguns, inferior e digno de ter sua vida tirada apenas por ser jovem, talentosa, bonita… por ser mulher.

Em nenhuma matéria na imprensa vi essa palavra – feminicídio – talvez porque seja difícil para uma sociedade ter a consciência de que mais uma vez falhou e uma mulher, uma jovem professora de música de 27 anos, foi outra vítima da barbárie de homens que não podem nem serem considerados humanos. Foram três, três homens contra uma jovem mulher.

Um deles, Luis Alberto Bastos Barbosa, 29 anos, por quem ela estava cegamente apaixonada, atraiu-a para um motel, levando consigo um martelo na mochila. Lá, ele encontrou um de seus comparsas.
Em uma das matérias que noticiaram, o crime os suspeitos dizem que mantiveram relações sexuais com minha irmã com o consentimento dela. Para que o martelo então, se era consentido?

Estranhamente, nenhuma das matérias aparece a palavra ESTUPRO, apesar de todas as evidências.
Às vezes tenho a sensação de que setores da imprensa estão tomando como verdade a palavra desses assassinos. O tratamento que dão ao caso me indigna profundamente.

Quando escrevem que Mayara era a “mulher achada carbonizada” que foi ensaiar com a banda, ela está em uma foto como uma menina. Quando a suspeita envolvia “namorado” hiper-sexualizam a imagem dela. Quando a notícia fala que a cena do crime é um motel, minha irmã aparece vulnerável, molhada na praia.

Quando falam da inspiração de Mayara, associam-na com a história do pai e avô e a foto muda: é ela com o violão, porém com sua face cortada. Esse tipo de tratamento não representa quem minha irmã foi. Isso é desumanização. Por favor, tenham cuidado, colegas jornalistas.

Para nossa tristeza, grande parte das notícias dão bastante voz aos assassinos e fazem coro à falsa ideia de que os acusados só queriam roubar um carro. Um carro que foi vendido por mil reais. Mil reais. Um Gol quadrado, ano 1992. Se eles quisessem só roubá-la, não precisariam atraí-la para um motel.

Um dos assassinos, Luís, de família rica, vai tentar se livrar de uma condenação alegando privação momentânea dos sentidos por conta de uso de drogas. Não bastando matar a minha irmã, da forma que fizeram, agora querem destruir sua reputação. Eis a versão do monstro: minha irmã consentiu em ser violada por eles, elas decidiram roubá-la, ela reagiu fisicamente e eles, sob o efeito de drogas, golpearam-na com o martelo – e ela morreu por acidente. Pela memória da minha irmã, e pela de outras mulheres que passaram por esta mesma violência, não propaguem essa mentira! Confio que o Ministério Público não aceitará esta narrativa covarde, e peço a solidariedade e vigilância de todos para que a justiça seja feita.

Na delegacia disseram à minha mãe que uma outra jovem já havia registrado uma denúncia contra Luís por tentativa de abuso sexual… Investiguem! Se essa informação proceder, este é mais um crime pelo qual ele deve responder. E uma prova de como a justiça tem tratado as queixas feitas por nós, mulheres. Se naquela ocasião ele tivesse sido punido exemplarmente, talvez minha irmã não tivesse sofrido este destino.

Foi tudo premeditado: ela foi estuprada por dois desumanos. E em seguida, ela sofreu um homicídio qualificado: por motivos torpes, sem chance de defesa, por meio cruel, em emboscada, contra uma mulher que tinha uma relação afetiva com um dos assassinos. E só então levaram seus poucos pertences. Parem de tentar qualificar o caso como um roubo seguido de morte (latrocínio), como se fosse o roubo a motivação maior dessa barbárie!

O terceiro comparsa – não menos monstruoso – ajudou a levar o corpo da minha irmã para um lugar ermo, e lá atearam fogo nela, como se a brutalidade das marteladas no crânio já não fosse crueldade demais. Minha irmã foi encontrada com o corpo ainda em chamas, apenas de calcinha e uma de suas mãos foi a única parte de seu corpo que sobrou para que meu pai fizesse o reconhecimento no IML. “Parece que ela fazia uma nota com os dedos”, disse meu pai pelo telefone.

A confirmação veio logo depois, com o resultado do exame de DNA. Era ela mesmo e eu gritei um choro sufocado.
Eu vou dedicar o meu luto à memória da minha irmã, e a não permitir que ela seja vilipendiada pela versão imunda de seus algozes. Como tantas outras vítimas de violência, a Mayara merece JUSTIÇA – não que isso vá diminuir nossa dor, mas porque só isso pode ajudar a curar uma sociedade doente, e a proteger outras mulheres do mesmo destino.

 

Crime

Luis Alberto Bastos Barbosa, 29 anos, músico como a jovem, foi o primeiro a ser preso. Ele estava em casa, e no local a polícia encontrou roupas sujas de sangue, computador, telefone, CNH e o instrumento de Mayara.

Na Depac (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário), da Piratininga, Luís confessou que conhecia a vítima e a atraiu para um motel na Avenida Euler de Azevedo. A entrada no estabelecimento foi registrada às 22h de segunda-feira. O comparsa Ronaldo da Silva Olmedo, 30 anos, Ronaldo da Silva Olmedo, 33 anos, entraram no motel escondidos.

Em seu depoimento, Luís admitiu que manteve relação sexual com a vítima. A Polícia Civil disse que Mayara foi morta a golpes de martelo quando percebeu que seria roubada e tentou reagir.

O corpo de Mayara Amaral foi encontrado na noite desta terça-feira (25) por peões de fazendas da região do Inferninho, ainda em chamas. O fogo que queimou parcialmente a vítima se alastrou pelas margens da estrada e mobilizou moradores da região e o Corpo de Bombeiros.

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