O “Velho do Rio” pode até ser mais famoso, por aparecer na novela, mas a verdade é que todo mundo deveria conhecer uma figura tão rara e exótica como o “Soró”. Assim como o personagem, ele é uma espécie de guardião do Rio Aquidauana, no Pantanal sul-mato-grossense, onde tira o sustento e, como todo bom pescador e contador de causos, contabiliza muitas histórias, de vidas salvas por ele a assombrações e sons desconhecidos vindos daquelas águas. 

Altair Batista dos Santos tem 53 anos de e se autodenomina caçador de Jaú. Se fosse possível descrever, em primeira pessoa, o que ele contou em uma hora e meia de prosa, eu diria que eram fatos surreais, inacreditáveis, conversa de pescador mesmo, não fossem as inúmeras fotos, vídeos e um dos filhos, orgulhoso, reafirmando as palavras do pai e mostrando arquivos no computador. 

Pescador profissional há 30 anos, Soró é corguinhense, filho de um casal de baianos, que veio em busca de oportunidades no garimpo. Aliás, no livro lançado recentemente sobre a história do município, o pai dele está como uma das personalidades que mais pegaram diamantes na região. Da infância próxima ao rio, onde ele presenciava a fartura dos peixes, veio também a descoberta do dom com os peixes, mais especificamente o jaú, que ele diz ser apaixonado.

Anzóis que estragaram ficam pendurados na entrada da casa do pescador. Foto: Graziela Rezende/Jornal Midiamax

Pescador diz que respeita medidas e devolve peixes ao rio

Do primeiro emprego como office boy, Altair também foi garimpeiro. “Sou do distrito de baianópolis e a paixão pela pesca é coisa minha. Tudo começou lá em meados de 1986, só que, em 2005, me tornei pescador profissional. Mexo com a pesca há 30 anos. Acho que sou caçador de jaú e isso é um dom. Só que eu respeito muito as leis e as medidas. Passou do tamanho eu devolvo pro rio, assim como o pintado e o dourado. A gente que vive da natureza tem que respeitar a natureza”, argumentou. 

Quando atuava no garimpo, ao lado do pai, Altair precisou trabalhar com profundidade, então diz que chegava a descer até 15 metros em busca de diamantes. “Foi nessa época que eu comecei a ter mais contato com o rio, fazendo os mergulhos. Na minha infância, sempre vi a fartura dos peixes e ia pescar nas horas vagas, até que isso se tornou o meu sustento. Antes, vendia para um ou outro e agora tenho nota, sou da colônia de pescadores de Coxim”, disse, orgulhoso da profissão.

 

E foi em uma das pescas que ele “pescou” o coração da esposa. “Eu a conheci em 1992, pescando e depois ela se tornou a minha parceira. No início, minha sogra e sogro implicavam muito, principalmente porque eu chegava cheirando peixe todos os dias. Depois, pararam. Meus filhos depois falavam a mesma coisa, era até engraçado. Eles diziam: ‘acho que a não larga do pai porque ele cheira jaú'. E foi assim a vida toda, eu voltando com dois cedo, dois de tarde. Peguei 96 peixes deste tipo no ano passado”, relembrou. 

Atualmente, os filhos do pescador estão com 20 e 28 anos, respectivamente. O mais velho mora em Campo Grande, trabalha como segurança e cursa o último ano de direito. O mais jovem, faz um percurso de 95 km diariamente, já que estuda ciências da computação. “Eles são maravilhosos e não me dão trabalho algum. Todo esse estudo é mérito deles e da criação que eu dei, claro. Já chegamos a achar carteira cheia de dinheiro e devolvemos para o dono. Ensinei a não mexer em nada que é dos outros e até na minha pesca é assim. Me sinto muito respeitado e fico injuriado quando vejo muita depredação”, falou. 

Pescador levava cachorro para pesca e diz que animal o ajudava

Sobre a rotina, Soró conta que acorda cedo, vai buscar iscas e, após o almoço, sai para a pesca. Nestes 30 anos, ele virou lenda na cidade ao passar com peixes em uma bicicleta cargueira, carrinho de mão, nos braços e com a ajuda do finado Spike, um cachorro que era muito companheiro do pescador e está em vários vídeos com ele. 

“Eu consegui comprar um motor, uma caminhonete antiga, bicicleta, motor, barco e casa própria. Isso com o meu trabalho e o da minha esposa, que montou uma pequena empresa. Tem vezes que passo o dia todo fora, chego de madrugada e sei todas as medidas dos peixes e da proibição do minhocuçu aqui no estado, apesar de não concordar porque acho que tinha que proibir só em Minas Gerais e Goiás. Os outros não, assim como em e no Paraná não proibiu”, opinou. 

Pescador mostra ferramentas de trabalho. Foto: Graziela Rezende/Jornal Midiamax

Das variadas histórias, Soró se lembra de momentos em que o Corpo de Bombeiros pediu ajuda e encontrou cadáveres no rio. “Há cerca de 8 anos houve a morte de um tio e sobrinho. As buscas estavam até interrompidas, estava anoitecendo, quando senti um cheiro e um estava rodando nos meus pés. Fiquei com medo, mas, ainda tive que levar até a beira do rio, chamar os bombeiros e voltar para pegar as minhas coisas”, disse.

No caso de animais, o pescador fala que já se deparou com onças, capivaras e o animal que ele considera o mais perigoso: a anta, ainda mais quando está com filhotes por perto. “Já quase me atacou uma vez e eu tive que desviar rapidamente. O rio ali é perigoso, muita gente desdenha. Chega na cidade, passa por mim e eu aviso e já aconteceu de ter que ir lá e resgatar gente. Até o loteamento, o poção do jaú, tem esse nome porque eu batizei”, comentou. 

Pescador de MS já atraiu a curiosidade de muitos turistas

Em , a 95 km de Campo Grande, Altair é conhecido e atrai até a curiosidade de turistas. “Quando tinha uns carnavais fora de época aqui eu estava passando com peixe e o povo parava o carro, pedia para tirar foto. Uma vez pararam um ônibus, cheio de jogadores, para também tirar fotos, dar os parabéns. O maior deles foi um de 86 kg, que está na foto e fica na minha sala e os vídeos meus rodam o mundo”, falou. 

Sobre os medos que carrega, o pescador e contador de causos fala sobre a matança dos peixes. “Sou apaixonado pelo jaú, o sabor dele não tem igual. Só que, sempre que corto a barriga de um, penso um pouco no juízo final. Os meus amigos pescadores que morreram não voltaram pra contar, mas, às vezes isso deixa o meu psicológico abalado. Sei que Deus deixou a cadeia alimentar pra gente, só que penso nisso também”, argumentou. 

Pescador disse que comprou vários objetos profissionais com a pesca. Foto: Graziela Rezende/Jornal Midiamax

Durante as três décadas, outra curiosidade muito grande do pescador é que ele já chegou a fazer estimulante sexual com o coração do jaú. “Foi uma loucura aqui na cidade. Uma mulher que estava em uma van, indo embora para Manaus, me ensinou a receita. Tinha que colocar o coração para secar, colocar vinho branco mais duas ervas que não posso falar. Isso fez um monte de gente pedir, tinha umas dezenas de pedidos e fiquei com medo de alguém morrer, então parei. Só que funciona, funciona mesmo”, brincou. 

Por fim, Altair diz que é apaixonado pela profissão e não pretende parar. “Acho que já pesquei tanto peixe que esses dias minha esposa disse que eu estava fazendo barulho de jaú dormindo. Não adianta, é a minha paixão depois da minha família. Ando 20, 30 km desse rio e observo tudo, até a lua indica algo para mim. São muitas histórias mesmo e, quem quiser pescar, eu já sei de cara se vai pegar peixe ou não”, finalizou.

Veja vídeos de alguns momentos da pesca e do cachorro Spike com o pescador: