O acento na última letra não sei explicar o motivo, mas, Chamamé nada mais é do que um convite e significa “Chama-me para bailar”. Isto no idioma brasileiro, porque na Argentina, mais especificamente em Corrientes, onde o estilo musical teve origem, quer dizer “Senhora ama-me”. Aos poucos, a polca movida e ligeira foi atravessando fronteiras e é bem difícil um sul-mato-grossense ouvir e querer ficar parado.

Uma viagem no tempo já nos leva a primeira surpresa. A saudosa Delinha, por exemplo, conhecida como a Dama do Rasqueado, tinha o avô nascido na cidade de Corrientes e sempre dizia ao filho que “tinha sangue correntino nas veias” e deve ser por isso que gostava tanto de Chamamé. Mesmo conhecida pela influência no rasqueado, ela viajava para a Agentina e representava Mato Grosso do Sul cantando e encantando o público.

Délio e Delinha foi a primeira a fazer versões do Chamamé por aqui. Tem a Quilômetro 11 que passaram do castelhano para o português, além da Recordo, Tenho Saudade, Teu lencinho, entre tantas canções. Pegavam o chamamé correntino que a gente chama e faziam bastante versões. Tudo isto está na discografia deles, foram os precursores em fazer adaptação do Chamamé e depois vários outros artistas passaram a fazer o mesmo”, afirmou ao MidiaMAIS o músico João Paulo Pompeu, filho do casal.

Délio e Delinha
Capas de discos de Délio e Delinha. (Foto: Divulgação/Recanto Caipira)

Dando continuidade ao trabalho, João Paulo fala de lindas canções interpretadas por músicos sul-mato-grossenses, como Bandeira Branca e Três Marias, muito tocada por grupos de baile no Estado. “ [Delinha] falava muito que o vô dela, meu bisavô no caso, cantava muito bem o Chamamé. Eu não canto muito este estilo, mas, uma vez gravei com minha mãe em uma coletânea de vários artistas”, relembrou.

Chamamé tem particularidades como se fosse um sotaque, diz bandoneonista

Segundo o bandoneonista Humberto Yule, de 35 anos, o ritmo hoje é escutado no mundo inteiro, principalmente no Brasil e Paraguai. “Acredito que são os países, depois da Argentina, em que mais é tocado o Chamamé. Em Mato Grosso do Sul já é considerado um patrimônio do Estado, até de também, então, é tocado no Paraguai com algumas particularidades e aqui no Brasil com algumas alterações, influências das culturais locais. Tem o Chamamé sul-mato-grossense, o tocado no Rio Grande do Sul, então, em todos existe uma diferença, como se fosse um sotaque”, argumentou.

Nascido ao redor do Chamamé, Humberto conta que os avós e pais escutavam muito o ritmo musical. “Meu pai teve contato muito antes de eu nascer e após um tempo aprendi a tocar acordeon e depois mudei para o bandoneon. Comecei a tocar aqui e, em 2003, fui para Corrientes, o berço do Chamamé. Vou quase todo ano. É o ritmo que eu toco, que me identifica como músico. Sou médico veterinário e músico. Neste ano de 2022, completo 20 anos como músico profissional tocando Chamamé. É assim que todo mundo me conhece e devo muito a este ritmo musical”, afirmou.

Por 17 vezes, Yule fala que representou Brasil e nosso estado no Festival Nacional do Chamamé. Assim como ele, o músico Maurício Brito, de 56 anos, ressalta que a “vida chamamezeira” teve início na infância. Aos 7 anos conheceu o ritmo e, aos 9, estava tocando acordeon e logo depois violão e canto.

“O Chamamé não é somente um ritmo de música, é toda uma cultura. O Chamamé nasceu em Yapeyu, cidade das Missões Jesuítas Guaranis, na Argentina. Quando os jesuítas chegaram, trouxeram vários músicos europeus e então aconteceu a fusão de culturas, através da música e aí misturou-se o ritmo europeu com a polca paraguaia. O Chamamé tem 4 pilares : Cocomarola, Isaco Abitbol, Ernesto Montiel e Tarrago Ross”, explicou Brito.

Ao todo, o músico fala que já gravou dois discos na Argentina e um no Brasil, com Humberto Yule. “Eu e Humberto nos apresentamos por 18 anos consecutivos na Fiesta Nacional del Chamamé em Corrientes, Argentina. Buscamos sempre apresentar o verdadeiro chamamé correntino”, pontuou.