‘Deixem-nos decidir nosso destino’, diz embaixador da Ucrânia no Brasil

Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, exibido na noite desta segunda-feira (14), o embaixador da Ucrânia no Brasil, Rostyslav Tronenko, fez diversos apelos à comunidade internacional para que deixe o país livre para decidir seu próprio destino. O programa, que normalmente é transmitido ao vivo, foi gravado no último dia 7. “Deixem-nos […]

Ouvir Notícia Pausar Notícia
Compartilhar

Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, exibido na noite desta segunda-feira (14), o embaixador da Ucrânia no Brasil, Rostyslav Tronenko, fez diversos apelos à comunidade internacional para que deixe o país livre para decidir seu próprio destino. O programa, que normalmente é transmitido ao vivo, foi gravado no último dia 7.

“Deixem-nos à vontade para decidir nosso próprio destino. Não precisamos de conselhos de fora, do Oriente, do Ocidente. Por favor, nos deixem à vontade. Não precisam nos ensinar como dar jeito na nossa Constituição, nós vamos dar jeito. O povo é sábio, é milenar. Não é preciso inventar clichês propagandistas, de que antissemitas chegaram ao poder. A comunidade judaica escreveu uma carta ao presidente do nosso país vizinho [Rússia] dizendo que não há razões para ter medo”, afirmou Tronenko.

A resposta do embaixador foi dada a uma pergunta do jornalista Roberto Lameirinhas, editor do caderno Internacional do jornal O Estado de S.Paulo, sobre se a presença de grupos nacionalistas nos protestos de Kiev não teria aumentado a tensão. “Seria o mesmo que dizer que nos protestos do Brasil só havia black blocs”, respondeu Tronenko antes de fazer seu apelo.

Ao longo do programa, o embaixador voltou a fazer o apelo em outras duas ocasiões. “Deixem-nos decidir nosso destino e parem de infiltrar forças que entram na Ucrânia livremente”, disse. “Não interfiram em nossos assuntos internos. Não façam pressão econômica contra nós”, continuou, em outro momento.

A crise na Ucrânia começou em novembro de 2013, com manifestações contra o então presidente Viktor Yanukovich, que decidiu não assinar um acordo de cooperação com a União Europeia para aproximar-se da Rússia de Vladimir Putin. Em fevereiro, Yanukovich foi deposto e um governo interino, pró-Ocidente, foi empossado, com eleições convocadas para 25 de maio. Um dos pontos altos da tensão ocorreu em março, quando um referendo –realizado à revelia das autoridades ucranianas– validou a anexação da Crimeia (território autônomo) à Rússia.

A ruptura entre os governos Moscou e Kiev aguçou aspirações separatistas, que agora já atingem em outras regiões da Ucrânia, e não é descartado sequer um conflito entre Rússia e Estados Unidos, que, ao lado da União Europeia, apoia a Ucrânia.

Posição do Brasil

Apesar das declarações de agora, Tronenko já cobrou uma posição mais firme do governo brasileiro em relação à crise na Ucrânia. Questionado pelo jornalista Fábio Zanini, editor do caderno Mundo do jornal Folha de S. Paulo, de que essa cobrança talvez não fosse inteligente por conta da aliança entre Moscou e Brasília no âmbito dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o embaixador citou a abstenção do Brasil em votação na ONU sobre o referendo na Crimeia.

“Depois da abstenção do Brasil na votação da resolução que apoiava nossa integridade territorial na Assembleia-Geral da ONU, nós não temos mais perguntas à parte brasileira.

Entendo as razões brasileiras, mas fico feliz que o Brasil nunca vai reconhecer o referendo, essa farsa, e nunca vai reconhecer a República da Crimeia”, disse. “Brasil é país soberano, membro da ONU, e tem todo direito de agira à maneira soberana”, concluiu.

O Brasil foi um dos 58 países que se abstiveram na votação que considerou inválido o referendo; o texto foi aprovado por 100 dos 169 participantes da Assembleia-Geral da ONU e rejeitado por 11.

Sobre a anexação da Crimeia, o embaixador disse que trata-se de uma “violação” e que a Ucrânia “nunca vai aceitar essa anexação brutal”. Segundo Tronenko, o país agora aguarda a posição do Tribunal Internacional de Justiça de Haia.

“Que referendo é esse, preparado em duas semanas, por um governo fantoche que chegou com paramilitares e armas da última geração russa? E que foi realizado sobre ameaças? Será que é legítimo, visto que foi realizado sem presença dos observadores da ONU?”, questionou. “E a pergunta deveria ser se a Crimeia queria ser independente da Ucrânia, não se queria ser anexada à Rússia”, afirmou.

Futuro

Embora afirme que a Rússia se aproveitou da “fraqueza institucional” da Ucrânia, Tronenko diz que o governo de seu país não quer confronto. “Nós sempre dissemos, desde o início, que não queremos a guerra. Sabemos separar o governo do povo. São nossos irmãos”, afirmou. “Agora a Ucrânia é mais unida, apesar das forças que entram livremente no nosso país com tensões separatistas. Essa agressão do nosso vizinho só uniu o povo ucraniano, um povo de paz.”

Então, questionado se acredita que a Rússia algum dia deixará a Ucrânia ter um governo independente pró-Europa, o embaixador não foi otimista. “Não acredito. Na verdade, o que preocupa nossos vizinhos é uma Ucrânia independente, livre e próspera. Pode servir de mau exemplo para povo russo. Uma Ucrânia próspera vai ser livre, vai ter liberdade de imprensa e liberdades democráticas”, concluiu.

Além do apresentador e mediador Augusto Nunes e de Fábio Zanini, Tronenko foi entrevistado por Ângelo Segrillo, autor do livro “Os Russos” (Contexto) e professor de história contemporânea da USP; Tatiana Gianini, repórter da revista Veja; Marina Darmaros, editora do jornal Gazeta Russa no Brasil; e Roberto Lameirinhas, editor do caderno Internacional do jornal O Estado de S. Paulo.

Conteúdos relacionados