Leia na íntegra o discurso do senador Valter Pereira sobre o caos na saúde em MS
Passada a poeira das eleições, a Presidente Dilma Roussef e governadores eleitos anun-ciam suas preocupações com um dos principais dramas da população: a saúde pública! Sintomas de que a saúde pública vai mal são explícitos, abundantes e muito antigos. De tão antigos, chego a pensar que certos administradores acabam ficando indiferentes as críticas, apostando que […]
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Passada a poeira das eleições, a Presidente Dilma Roussef e governadores eleitos anun-ciam suas preocupações com um dos principais dramas da população: a saúde pública! Sintomas de que a saúde pública vai mal são explícitos, abundantes e muito antigos. De tão antigos, chego a pensar que certos administradores acabam ficando indiferentes as críticas, apostando que o povo se acostuma com o sofrimento. Estão presentes nos Estados mais pobres e nos mais ricos. De Alagoas ao Rio de Janeiro, do Maranhão a São Paulo. O que pretendo analisar hoje é uma crise profunda da rede hospitalar pública de Campo Grande. Na Capital do meu Estado, há três hospitais públicos de referência: o Hospital Regional, também conhecido como Rosa Pedrossian, pertencente ao Estado; O Hospital Universitário, da Universidade Federal; e a Santa Casa de Campo Grande. Para quem imagina que estou me equivocando ao referir-me à Santa Casa como hospital público, esclareço que é isso mesmo. A Prefeitura de Campo Grande apossou-se de suas instalações e passou a explorar seus serviços através de uma Junta Interventora.
O fato, senhor Presidente, é que esses três hospitais de referência de Campo Grande encontram-se atolados no caos. Duas semanas depois do primeiro turno das eleições, o Hospital Regional, anunciou forte redução na oferta de leitos sob a alegação de que o governo do Estado precisava se ajustar aos limites da LRF. Assim, o Hospital que pertence ao Estado suspendeu cirurgias eletivas, inclusive aquelas que já estavam marcadas e cujos pacientes encontravam-se internados. Com efeito, cerca de 20 leitos deixaram de abrigar pacientes na pediatria, na cirurgia, na cardiologia e na clinica médica.
O Hospital Regional foi criado para tratar patologias de alta complexidade em Mato Grosso do Sul. Apesar de possuir 400 leitos, pouco mais de 200 é destinado ao atendimento público. Movido por incompetência ou por razão inconfessável, o governo do estado, em 2008, transferiu a gestão do hospital para uma empresa privada. A escolha da SPDM – Sociedade Paulista do Desenvolvimento da Medicina – se deu ao preço de R$ 1,5 milhão/ano. Sua contratação acabou despertando suspeitas até porque, estando à época no CADIN, a empresa deveria estar impedida de ser contratada. Não bastasse esse nebuloso ajuste, o governo gastou R$ 1,73 milhão, com outra empresa privada para fazer análise da água utilizada em hemodiálise. Acontece que o Estado já vinha prestando diretamente tais serviços através do seu LABORATORIO CENTRAL, conhecido como LACEN, mediante credenciamento da ANVISA.
Já o Hospital Universitário tem todo aparato tecnológico: litotripisia extra-corpórea (explo-são de calculo renal), hemodinâmica, radioterapia, quimioterapia, endoscopia, colonoscopia, 7 aparelhos de raios-X, um mamógrafo, hemodiálise. A despeito disso, a hemodinâmica e a radioterapia, estranhamente, estão desativados e não por falta de profissionais concursados. Já o mamógrafo do hospital nunca foi acionado para fazê-lo funcionar e deve ter perdido a garantia do fornecedor. Os demais equipamentos também funcionam com precariedade.
Sobre a Santa Casa de Campo Grande, já falei algumas vezes desta tribuna. A despeito de ser um dos maiores hospitais do centro-oeste brasileiro, encontra-se em estado de coma. Sua crise não é nova e ela não foi a primeira congênere a enfrentar graves problemas. No entanto, suas dificuldades se agravaram em 2004, quando a asfixia financeira se tornara crônica para a maioria das Santas Casas do Brasil. No inicio de 2005, a instituição acumulava uma dívida ao redor de R$ 50 milhões, contraída com bancos e fornecedores. Depois de proclamar sua inquietação com o problema, o prefeito Nelson Trad Filho e o governador André Puccinelli prometeram tirá-la do atoleiro. No entanto, o socorro prometido se deu como abraço de tamanduá: através da pilhagem! Por conseguinte, no dia 14 de janeiro de 2005, o Governo Estadual e a Prefeitura de Campo Grande decretavam intervenção na maior e mais tradicional instituição beneficente de saúde de Mato Grosso do Sul.
As instalações do Hospital e as contas bancárias da entidade mantenedora foram tomadas de assalto; o CNPJ de instituição privada foi apropriado pelo poder público de forma arbitrária. Ministério Público e Judiciário locais acabaram coonestando o ato de força, na expectativa de que a decisão judicial seria compensada com o soerguimento do Hospital. Na própria sociedade civil, a idéia que se passava era de que a intervenção garantiria os recursos públicos e gestão indispensáveis ao saneamento da instituição.
Assim, da promessa do poder público salvar uma instituição privada, embora de forma autoritária, predominou a máxima maquiavélica: os meios justificam os fins! No entanto, ao invés de tirá-la do brejo, a intervenção da Prefeitura e do governo do Estado conseguiu lançá-la num precipício. Basta examinar os números. A dívida próxima de R$ 50 milhões que a Santa Casa acumulara ao longo dos 77 anos que antecederam à sua intervenção, em apenas 5 anos da gestão do município e do estado, já ultrapassa a casa de R$ 100 milhões.
A intervenção é exercida por uma junta governativa, cuja chefia já foi trocada 3 vezes des-de que ela foi instalada. O quarto administrador que passou a comandar o estabelecimento de saúde, o economista Jorge Martins, admitiu que começara sua gestão com um déficit de mais de R$ 1 milhão/ mês. Apoderar-se da Santa Casa para mantê-la à míngua é a negação de todas as razões invocadas para justificar o ato de força de sua ocupação. Estou falando de um hospital que já ocupou o quarto lugar em atendimento no ranking das instituições congêneres do país e que se destacou na realização de cirurgias de maior complexidade. Antes da intervenção, o hospital realizava mais de 100 transplantes/ano, incluindo Coração, Rim, Fígado. Chegou a ocupar o segundo lugar entre as demais Santas Casas, nas cirurgias para transplantes de córnea.
Apesar de ser único hospital que fazia transplante de rim em MS, desde o dia 22 de se-tembro esse procedimento foi suspenso. O hospital perdeu as mínimas condições de fazê-lo. Faltam médicos e enfermeiros plantonistas para atender pacientes no pós-operatório. Faltam medicamentos específicos como antibióticos, por exemplo. Alguns deles, a exemplo de Mero-nen, Teicoplamina e Linezolida, são indispensáveis para evitar o desenvolvimento de bactérias que põem em risco a saúde de quem já está atrás de socorro. O Dr. Luiz Alberto Kanamura, diretor-clínico da Santa Casa, alertou autoridades sanitárias sobre a falta de Polimixina B. So-bre um paciente que precisava do produto, o médico não escondeu que a falta do remédio “acarretou prejuízo em seu tratamento”.
A Polimixina B é um antibiótico utilizado principalmente para meningite. Para se ter uma idéia de sua importância nos hospitais, basta lembrar que a bactéria KPC, apontada pela mídia nestas ultimas semanas como o bicho papão dos hospitais, é sensível a pelo menos três anti-bióticos. Já os micro-organismos combatidos pela Polimixina B, só são vulneráveis a este, conforme me informou um conhecido infectologista de Campo Grande. Portanto, estamos diante de um risco efetivo de calamidade hospitalar. Para ressalvar sua responsabilidade, o Dr. Luiz Alberto Kanamura, diretor-clínico da Santa Casa, deu conhecimento formal de todas essas irregularidades ao CRM-MS. Na verdade, na farmácia do hospital não tem sido encontrados nem produtos mais comuns como antifúngicos, sedativos, analgésicos e anti-térmicos. Em meio a tanto descaso, o que se impunha mesmo era restringir seus procedimentos, suspendendo principalmente as cirurgias de alta complexidade, especialmente os transplantes. E isso acontece para o desespero de 401 pessoas que aguardam na fila, transplante de rim como última esperança de sobrevida, sem falar de outras filas.
Na minha avaliação pessoal, a Prefeitura de Campo Grande e o Governo do Estado preci-sam agir com seriedade. É a mais perigosa crise já enfrentada pela Santa Casa. E o jogo de empurra que está adiando a solução, pode acabar levando à responsabilização judicial do governador e do Prefeito da Capital. Só está faltando um episódio emblemático para isso acontecer. O desleixo está levando o Hospital a uma perda vertiginosa das mínimas condições exigidas para prestar serviços de saúde pública. Com efeito, decorridos mais de 5 anos de sucateamento da Santa Casa de CG, sua atual administração anuncia um projeto de reaparelhamento do hospital. Para tanto, serão necessários R$ 44 milhões.
Resta saber de onde virão os recursos. Se o Ministério da Saúde considerar satisfatórios os resultados dos aportes feitos para socorrer o hospital nos últimos anos, não terá problema para atender o pleito. Se isso não acontecer, mas o governador André Puccinelli assumir o compartilhamento de tais encargos, a Santa Casa terá chance de sobrevida. Todavia, se o Prefeito Nelson Trad Filho não lograr êxito nessa empreitada, não poderá esquivar-se de sua responsabilidade de recuperar o hospital. Afinal de contas, ao tomar a iniciativa de intervir, o Prefeito assumiu os riscos da intervenção. Portanto, se o ato de força resultou em fracasso, essa conta não pode ser debitada nem à instituição mantenedora, nem à população.
Por outro lado, noticia-se que a prefeitura de Campo Grande e o Governo do Estado não vêm investindo os percentuais de 12% e 15%, respectivamente, na saúde. Pelo menos em 2009, o governo do Estado não conseguiu comprovar sequer a metade (5,25%) do per-centual a que está obrigado. Aliás, é exatamente esse tipo de leviandade que dificulta o convencimento do Congresso na aprovação de quaisquer contribuições vinculadas à saúde. De que adianta criá-las se os governantes não as cumprem? Na crise que estou analisando, por exemplo, a solução passa pelo cumprimento da obrigação já prevista em lei. Bastaria isso para encontrar recursos capazes de salvar a Santa Casa e até o Hospital Regional, e ainda sobrariam recursos para a atenção básica de saúde. Aliás, a meningite já fez aproximadamente 20 óbitos no Estado e até agora nenhuma noticia de vacinação.
O que não pode é manter a Santa Casa à míngua! E pelo andar da carruagem, essa pos-sibilidade é real e isso agrava o sofrimento do povo que precisa da saúde pública. No entanto, isso pode trazer grandes alegrias a uns poucos que agem como aves de rapina, alimentando-se do seu fabuloso acervo. Um acervo acumulado há quase 80 anos mediante doações da generosidade popular e da contribuição do poder público. Do jeito que se encontra hoje, ela mais parece um shopping center de saúde do que uma Santa Casa. Basta atentar para os múltiplos negócios realizados, muitos dos quais usando equipamentos, instalações e até pessoal, custeados pelo erário em favor de investidores privados. Não quero acreditar que a intervenção na Santa Casa se deu por inspiração de interesses empresariais invés das necessidades públicas como foi apregoado. Mas há muitos sintomas disso.
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