Grupo de estudantes surdos conquista direito de refazer Enem em Curutiba
Conquistar o certificado de conclusão do ensino médio para depois alçar voos maiores – literalmente. Esse é o sonho de Sérgio Sonvezzo, 20 anos, morador de Curitiba (PR) que realizou o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) em 2013 com o objetivo futuro de conseguir uma vaga em um curso de ciências aeronáuticas para se […]
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Conquistar o certificado de conclusão do ensino médio para depois alçar voos maiores – literalmente. Esse é o sonho de Sérgio Sonvezzo, 20 anos, morador de Curitiba (PR) que realizou o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) em 2013 com o objetivo futuro de conseguir uma vaga em um curso de ciências aeronáuticas para se tornar piloto de avião.
Mesmo com a ajuda oferecida pelos tradutores, um direito assegurado pelo edital da prova, Sérgio, deficiente auditivo (DA), não teve sucesso. Foi a primeira vez que o estudante esbarrou em uma dificuldade de acessibilidade em Libras (Língua Brasileira de Sinais). Durante sua educação básica, no Instituto de Educação do Paraná Professor Erasmo Pilotto, ele sempre contou com o auxílio de um intérprete durante as aulas e provas. Já no Enem, a ajuda, segundo ele, não foi qualificada.
Fluente em Libras, Sérgio aprendeu português como segunda língua e tem dificuldades no idioma, como costuma acontecer com outros surdos, por isso necessitam de tradutores na hora da prova. “Tive muita dificuldade em matemática porque o intérprete não conseguia traduzir as perguntas, aí fui obrigado a pular muitas questões. O mesmo problema se repetiu em português”, conta Sérgio.
O seu caso é o mesmo de mais cinco jovens surdos ou com deficiência auditiva de Curitiba que solicitaram, junto ao Tribunal Federal do Paraná (TF-PR), o direito de refazer o exame por se sentirem lesados devido à má qualificação dos tradutores-intérpretes e ao fato de eles terem se negado a traduzir os enunciados das questões e alternativas de respostas. Segundo o advogado do grupo de estudantes, Bruno Meirinho, foram traduzidas apenas as orientações para a realização da prova, como por exemplo, qual cor de caneta deveria ser usada para preencher as elipses.
Meirinho afirma ainda que havia ordem institucional para a não tradução do conteúdo da prova. “Os próprios tradutores-intérpretes relataram que, na aula preparatória para a aplicação do teste, foi dada essa ordem. Questionamos o Ministério da Educação sobre o assunto, mas eles deram uma reposta evasiva. Já a empresa terceirizada, Fundação Cesgranrio, que aplicou o exame, afirmou que não traduziu o conteúdo da prova porque isso poderia induzir a opção correta. Mas isso é um erro, se esses profissionais fossem bem treinados, conseguiriam interpretar a prova de forma neutra, sem dar a resposta”, afirma Meirinho.
O edital do concurso fala em “auxílio” dos tradutores-intérpretes, mas não especifica que tipo de ajuda eles devem fornecer. O Inep (Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais Anísio Teixeira) esclarece que, durante o exame, o participante com surdez ou deficiência auditiva não pode solicitar a tradução-interpretação integral da prova. Os tradutores-intérpretes atuam na interpretação das instruções faladas ou escritas e na tradução do português escrito para a língua de sinais de qualquer questão da prova, a fim de dirimir dúvidas e esclarecer questões pontuais, como o significado de palavras e expressões idiomáticas.
Além disso, comprovar o domínio da modalidade escrita da língua portuguesa é uma das habilidades avaliadas na prova e, por Lei, não pode ser substituída pela Libras, apesar deste idioma, que conta com gramática própria, ser uma língua oficial no País desde 2002. O órgão também informa que o Consórcio Aplicador (Cespe e Cesgranrio) é contratado para aplicar as provas do Enem e é responsável pela contratação dos intérpretes de Libras. A reportagem não conseguiu contato com a Cesgranrio.
De toda forma, a Justiça entendeu que os estudantes surdos foram lesados. O resultado da ação aberta em dezembro de 2013 foi divulgado em março deste ano e determinou que o Inep deveria aplicar uma prova nos candidatos em abril de 2014. O instituto recorreu, mas foi decidido que a nova prova será aplicada nos dias 26 e 27 de julho.
Nova reivindicações
No mês de abril, foi movida outra ação, dessa vez, pela Feneis (Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos). Com o auxílio do advogado Meirinho, a entidade quer proteger todos os surdos e DA’s que realizaram a prova. Entre as reivindicações para os exames futuros está a acessibilidade em Libras no exame com a prova transcrita em vídeo integral e previamente. A medida ajudaria a dar mais independência aos surdos e garantiria uma tradução igualitária para todos. A federação ainda exige uma indenização coletiva que terá a verba revertida para um fundo de direito coletivo para que a União aplique esse montante no desenvolvimento de tecnologias voltadas para a acessibilidade em Libras.
Sérgio termina no mês de julho de 2014 o ensino médio e vai buscar com essa chance de refazer o Enem pontuação suficiente para seguir o sonho de ser piloto e espera encontrar, dessa vez, tradutores-intérpretes mais qualificados, mas ainda acredita que o melhor seria se a prova fosse traduzida para Libras em vídeo. “Democratizar e universalizar as oportunidades educacionais significa garantir que a prova seja realizada na língua de conforto do estudante surdo, indicada no momento da inscrição”, diz a professora Sueli Fernandes.
Falha na formação de tradutores
Sueli Fernandes, professora de pós-graduação em Educação pela UFPR (Universidade Federal do Paraná), afirma que a mediação de tradutores e intérpretes de língua de sinais (Tils) como principal meio de acessibilidade linguística de estudantes surdos não é suficiente, porque a formação desse profissional tem sido, historicamente, constituída na informalidade. “Grande parte dos Tils que atuam como apoio nesse processo não possuem proficiência linguística nos níveis de formalidade e complexidade exigidos para tradução da prova.
Um exame de avaliação nacional que tem como princípio o tratamento isonômico dos candidatos não poderia desconsiderar que as variáveis qualificação, formação e proficiência linguística dos Tils que são contratados para atuar como fiscais-intérpretes no Enem são determinantes no desempenho do candidato.” De acordo com o Inep, os tradutores recebem uma “capacitação presencial relativa aos procedimentos de aplicação de, no mínimo, 2 horas” e precisam comprovar escolaridade mínima de ensino médio completo e certificação em Libras.
O Decreto 5.626/2005 que regulamenta a Lei de Libras prevê que o critério de qualificação mínima para contratar um tradutor-intérprete para atuar no Enem é a apresentação de certificado de proficiência em Tradução e Interpretação emitido pelo Ministério da Educação – sob pena de ferir o direito básico subjetivo de isonomia de tratamento. Sueli lembra ainda que os surdos e DA’s não conseguem ler com fluência em português porque essa é, na verdade, a segunda língua deles e não a primeira. “As escolas ignoram a condição de aprendizes de segunda língua dos surdos e utilizam métodos de ensino equivocados, que pressupõem a mesma experiência dos ouvintes com o português falado no processo de alfabetização.”
Diferenças entre o português e a Libras
A leitura e compreensão da língua Portuguesa não é feita naturalmente ou com facilidade pelos surdos, já que na Libras artigos não são utilizados e as flexões verbais, por exemplo, também não. Por isso, para esse público, o aprendizado do português é entendido como um novo processo de alfabetização. “Na escola, todos os processos são mediados pela oralidade, o aluno não-surdo lê com base na fala de uma língua que ele já conhece. Já a criança surda não vive essa experiência da oralidade, o ‘a’ da palavra ‘abelha’ para ele, não é um som, mas apenas um movimento de boca. Para esse estudante, o processo de aprendizado não será feito com base na letra e no som, mas entre a letra e o sinal correspondente”, afirma a professora da UFPR, Sueli Fernandes.
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