Temporal arrasou Campo Grande há 13 anos e moradores assistem caos cada vez que chove
Moradores do residencial Cachoeirinha II viram área ser arrastada por enxurrada que destruiu parte da cidade em 2010
Ranziel Oliveira –
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Uma chuva como há muito tempo não se via. Dos 88 milímetros que caíram naquele dia, 75 foram só nos primeiros 45 minutos. Boa parte de Campo Grande ficou caótica. A Avenida Ricardo Brandão entrou na lista.
Não, não se trata de nenhuma tempestade desta semana, muito menos do dia 4 de janeiro. O contexto acima é de uma tempestade que destruiu trecho da cidade em 28 de fevereiro de 2010. Alagamentos, veículos ilhados e destruição da estrutura que margeia o córrego.
Uma erosão abriu cratera na Avenida Ceará e tomou maiores proporções, engolindo literalmente cerca de três quadras da Avenida Ricardo Brandão, perto do prédio da Câmara dos Vereadores, aos arredores do shopping, área nobre da cidade. Da cratera enorme que se abriu, rastro de destruição seguiu pelo córrego Prosa até o encontro com o Segredo.
Os vizinhos, moradores do Condomínio Cachoeirinha II, viram tudo de perto. E também foram afetados. O condomínio teve uma parte da estrutura arrastada e teve gente que viu tudo pela janela. Não tem morador que ainda resida lá e que seja capaz de esquecer o pesadelo. O morro de pelo menos 20 metros de altura foi ao chão e levou parte da área de lazer do residencial e ainda a pavimentação asfáltica, tubulações, calçadas. Tudo foi destruído.
Para especialistas ouvidos pelos jornais, na época, o problema urbano teve como causa a falta de planejamento de uma cidade, então, com 755 mil habitantes.
Ponte suspensa, via destruída, moradores assustados
“Eu tinha uns 20 e poucos anos, estava jogando bola em outro lugar, quando cheguei na portaria vi o pessoal no fundo do condomínio e toda aquela água”, disse o atual síndico do Condomínio Cachoeira II, Sergio Francisco de Melo Filho, de 37 anos, que reside lá desde 2003.
Sérgio conhece a história da região e os fatos que antecederam a tragédia. “A primeira ata de reunião de condomínio é de 1980. Antigamente era tudo chácara aqui no entorno. Não existia nem o Shopping Campo Grande. A cidade acabava aqui. Mas ela cresceu e canalizaram o córrego da rua Joaquim Murtinho”, disse.
“A ponte da avenida Ceará com a avenida Ricardo Brandão ficou suspensa só no concreto, a chuva arrancou toda a terra do entorno e a ponte ficou com toda a parte estrutural exposta. No fundo do condomínio a água subiu um metro do chão. A força da água levou duas churrasqueiras, parte do muro, banheiros e 70% da quadra”, acrescentou.
“Na época morávamos eu, meu pai e minha mãe no bloco J, que era o bloco mais próximo de onde tudo foi levado. O engenheiro da prefeitura falou que podíamos dormir tranquilo, mas a gente ficou com medo”, relatou.
Sueli Guardiano, de 70 anos, que foi síndica por quase 20 anos no Condomínio e comprou um dos apartamentos ainda na planta, dá detalhes de como o local era antes mesmo da Ricardo Brandão existir naquele trecho.
“Esse condomínio ia até o muro da Uniderp. Não tinha essa avenida, era tudo estrada de terra. Depois houve a desapropriação para a construção da via”, disse ela. Anos depois, Sueli também viu o condomínio perder mais espaço – desta vez, em ação na própria natureza.
“A chuva de 2010 foi a pior. Eu não estava na hora que aconteceu, mas foi uma sensação terrível e uma surpresa para os moradores. As pessoas dos blocos mais próximos da Ricardo Brandão ficaram bem apreensivas”, concluiu Sueli.
O condomínio entrou com uma ação contra a prefeitura, que até hoje segue com desdobramentos. “O juiz deferiu o laudo de avaliação e deu parecer favorável ao condomínio. Aparentemente, agora acabou. Saiu a indenização de danos materiais no valor de R$ 700 mil, que vai ser revertido para a instalação do projeto contra incêndio e gás encanado. A indenização de danos morais deve sair entre 5 e 10 anos”, acrescentou o atual síndico.
Decretado estado de emergência
No dia 15 de março daquele ano, havia risco de desmoronamento no local, foram colocados ao longo da erosão estacas e tapumes na tentativa de conter o avanço da mesma, principalmente nos fundos do Residencial Cachoeirinha, onde atualmente há uma alça que desce da Avenida Ceará para dar acesso à Avenida Ricardo Brandão.
Na época, a Prefeitura decretou situação de emergência em Campo Grande, em decorrência das chuvas fortes que caíram na ocasião, e causaram estragos em vários pontos. A lista de áreas afetadas descrevia todo o entorno do Córrego Prosa, o trecho da Ceará com Ricardo Brandão, parte do bairro Cidade Jardim e alguns outros bairros da cidade, em proporções menores.
Inicialmente, a previsão do dinheiro necessário para recuperar tudo era de R$ 11 milhões, mas o projeto elaborado requisitou R$ 32 milhões ao governo federal para resolver o problema estrutural que apareceu após a enxurrada de fevereiro daquele ano. O projeto previa construção de quatro alças que desceriam a Ceará e dariam acesso à Ricardo Brandão, além de intervenções na antiga Furnas (atual Paulo Coelho Machado), com a construção da lagoa de contenção próxima ao shopping e outras intervenções.
O ministro do Planejamento da época, Paulo Bernardo, anunciou no dia 18 de março de 2010, na abertura da 72ª Expogrande, que em dez dias o governo federal iria liberar R$ 20 milhões para socorrer Campo Grande, após os estragos nas avenidas Ricardo Brandão e Ceará, resultantes da enxurrada de 27 de fevereiro.
Segundo Bernardo, não era possível liberar os R$ 32 milhões solicitados pela Prefeitura porque o projeto apontava obras preventivas. Neste caso, o recurso poderia ser liberado gradativamente. Mas, os R$ 20 milhões já seriam disponibilizados, garantiu o ministro, que foi secretário de Receita e Controle do governo de Zeca do PT.
Problemas que se repetem
As intervenções e o dinheiro federal deram a nova cara daquela região da cidade que, diga-se de passagem, já enfrentava alagamentos e transtornos estruturais desde sempre. Na década de 1990, alagamentos eram comuns no trecho da Avenida Fernando Corrêa da Costa, até parte do Prosa ser canalizado. Mas, mesmo depois das alças, piscinão e várias outras intervenções, transtornos seguem acontecendo.
Como na manhã da terça-feira, 29 de março de 2016, quando a Prefeitura de Campo Grande iniciou os trabalhos de reparo no desmoronamento causado pelas chuvas na Avenida Ricardo Brandão, próximo ao Cemed da Uniderp.
Não houve aumento no desmoronamento com as chuvas que ocorreram na Capital, porém houve um atraso na continuação do reparo, já que a umidade oferecia um maior risco para os trabalhadores e colaborava para o aumento do estrago.
Um pouco mais para frente na linha do tempo, em 26 de fevereiro de 2019, um veículo chegou a ser arrastado pela chuva na Ricardo Brandão com a Rua Levinda Ferreira, em Campo Grande.
Novo alagamento em 2022
No dia 11 de março de 2022, dos vários trechos alagados pela chuva, que acumulou 85 milímetros em duas horas em Campo Grande, a Avenida Ricardo Brandão, no cruzamento com a Rua Bahia, ficou totalmente alagada.
Em vídeo encaminhado para o Jornal Midiamax, leitor registrou o momento em que motorista se arrisca e passa pela água do Córrego Prosa transbordado. A estação automática do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) registrou o acumulado de duas horas e, em alerta, há previsão de tempestade para a Capital no fim de semana.
Já no presente, pulando a tempestade de 4 de janeiro que deixou rastro de destruição na cidade, bastaram 20 minutos de chuva forte em Campo Grande para os primeiros relatos de alagamento aparecerem naquele mesmo trecho, no dia 27 de janeiro de 2023.
Há exatamente um mês, portanto, o córrego da avenida Ricardo Brandão transbordava mais uma vez, interrompendo o trânsito no cruzamento com a Rua Bahia. Na via, próximo à Câmara de Vereadores, uma forte enxurrada se formou, chegando a derrubar um motociclista que passava pelo local.
De acordo com o leitor do Jornal Midiamax, professor Tiago Moura, um motociclista caiu na enxurrada e foi arrastado pela água da chuva. Um guarda municipal que estava na Câmara, ajudou a socorrê-lo.
Nas imagens é possível ver uma forte enxurrada na pista da avenida, sentido centro-bairro e o guarda municipal ajudando o motociclista. Até os carros têm dificuldade para trafegar na avenida. Tudo dava para ser visto das janelas do bloco J do residencial Cachoeirinha II, tornando para quem mora ali impossível dormir com a cabeça 100% tranquila.
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