“Perdi meus pais pela falta de atendimento e posso ser a próxima.” Com dores constantes e dificuldades de locomoção, há oito meses, Elaine Farias, 29 anos, trava uma luta para conseguir realizar um exame de imagem no SUS (Sistema Único de Saúde) em Campo Grande. Sem um diagnóstico preciso, diariamente ela precisa se locomover até a UPA Santa Mônica, a cerca de 4 km de sua casa, para receber medicações para dor que, segundo ela, “só mascaram” o real problema.

As dores começaram em dezembro de 2022. Na época, Elaine suspeitava se tratar de uma infecção urinária e foi até uma unidade de saúde procurar atendimento. Contudo, todos os exames apontavam que não se tratava de uma simples infecção urinária, o que gerou ainda mais preocupação.

“Comecei com dores abdominais e odor nas fezes, sintomas de infecção urinária. Mas fiz exames que não apontaram infecção. Em seguida, vieram ‘furadas’ no canal da uretra, pontadas e minha barriga ficou inchada e dura. Tentei diversas vezes um exame mais preciso, mas foi negado”, explica.

Em abril de 2023, as dores pioraram significativamente a ponto de impedir sua locomoção. Sem conseguir andar, Elaine se viu totalmente dependente do marido, que precisou largar o emprego para se dedicar aos cuidados com a esposa. Com isso, a renda da família foi significativamente afetada.

“Como não consigo fazer nada sozinha, meu marido saiu do emprego de açougueiro para cuidar de mim e da casa. Hoje nossa renda vem do auxílio que recebo do BPC desde que precisei largar o emprego devido a uma depressão”, destaca.

O BPC (Benefício de Prestação Continuada) consiste em um auxílio no valor de um salário mínimo por mês destinado às pessoas com deficiência física e mental e que comprovem ser baixa renda.

Após diversas idas e vindas ao hospital, Elaine foi informada que sua doença poderia ser um caso de endometriose. Mas precisaria fazer um exame específico de ressonância magnética para rastreio da endometriose.

“Fiz alguns exames e me informaram que o exame teria que ser feito por uma ginecologista. Mas só teria no HU (Hospital Universitário). Lá não têm o aparelho de ressonância e eu teria que aguardar no corredor do hospital por seis dias até conseguir o exame”, explica.

Mesmo com os encaminhamentos em mãos, Elaine segue no entrave para conseguir a consulta com especialista. Segundo ela, a cada consulta surge uma informação diferente que dificulta ainda mais o atendimento.

“Peguei os encaminhamentos na UPA e disseram que teria que ir a uma UBS fazer o agendamento. Nisso fico indo de um para o outro e não consigo atendimento”, destacou.

Elaine chegou a procurar auxílio da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, mas não teve o apoio esperado.

“Me informaram que teria que aguardar mais de 60 dias depois da solicitação dos exames para fazer um pedido de reclamação. Caso houvesse a negação da minha transferência para o hospital teria que voltar para casa mesmo com dor”, relata.

Elaine
Elaine precisa ir diariamente à UPA (Foto: Arquivo pessoal)

Perda dos pais revela histórico de negligências

Além das dores físicas, Elaine faz tratamentos psicológicos para depressão e síndrome do pânico. Dores que a acompanham desde a adolescência, mas que foram intensificadas após a perda dos pais.

Para ela, a burocracia em busca de atendimento traz recordações dolorosas de quando perdeu os pais. Em 2017, seu pai descobriu um câncer em estágio avançado. Na época ela precisou largar o emprego como caixa em um supermercado para se dedicar aos cuidados com ele.

“Meu pai demorou quatro meses para conseguir uma biópsia no Hospital Regional. Ele procurava atendimento na UPA e era mandado para casa. Quando pedi ambulância informaram que não tinha. Só consegui porque tive ajuda de amigos. Mas meu pai acabou morrendo dentro da ambulância devido a uma parada respiratória”, relembra.

Dois anos depois da perda do pai, veio um novo baque. A mãe de Elaine foi diagnosticada com Parkinson e graves problemas no coração.

“Minha mãe também morreu devido a uma parada cardíaca dentro da ambulância a caminho do hospital. Ela tinha Parkinson e problemas no coração. Foi muito difícil ver minha mãe morrer assim”, conta.

Em meio a isso, Elaine corre contra o tempo para conseguir uma vaga e realizar o atendimento necessário para o diagnóstico de sua doença. “Vi meu pai e minha mãe morrerem dentro de uma ambulância em um intervalo de dois anos devido à demora no atendimento. Só espero que eu não seja a próxima”, finaliza.

O que diz a Sesau?

Em nota, a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) informou que toda a rede pública possui a oferta de consultas específicas com médico ginecologista e hospitais contratualizados. Sobre o caso de Elaine, a secretária ressaltou que não houve negligência no atendimento.

“A paciente passou por atendimento de egresso no Hospital Regional de MS em 01/06/23 e possui uma solicitação aguardando agendamento para especialidade de proctologia cirúrgica. Ela está dentro da fila de prioridade, provavelmente ainda este mês”, diz a Sesau.

Conforme a secretaria, em casos como o de Elaine, a orientação é que o paciente retorne à Unidade de referência da região para que consiga o encaminhamento para a especialidade desejada.