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Cotidiano

No Dia da Consciência ecoa a pergunta: Quem gostaria de ser negro no Brasil?

"O negro no Brasil é estigmatizado, o preconceito o acompanha", enfatiza professora Bartolina Ramalho
Clayton Neves -
consciência negra
(Foto: Laura Campos/ilustrativa)

Outro dia, navegando nas publicações do Facebook, me deparei com reportagem sobre uma criança negra de apenas 5 anos chorando após episódio de racismo na escola. Em um vídeo, o menino pergunta à mãe se um dia ficaria branco. Para mim, enquanto homem negro que já vivenciou quase todos os estágios do que é ser preto no , ver aquilo foi como um soco no estômago.

O caso aconteceu em setembro deste ano e, além de me destravar memórias pessoais, gerou ainda mais questionamento sobre o lugar ocupado pelo povo negro na vitrine social.

Afinal, analisando o contexto histórico e de inserção da nossa gente, quem gostaria de ser negro no Brasil A professora da Universidade Estadual de e pós-doutora em educação, Bartolina Ramalho, ousa responder: “ninguém”!

“O negro no Brasil é estigmatizado, o preconceito o acompanha. Construíram uma imagem do negro desde a escravatura em que a ele se atribui as piores qualidades da sociedade. Primeiro, o negro é feio, e foi esse o critério que se colocou. segundo, ele não presta, é ladrão e só serve para ter serviço subalterno. Isso foi colocado no imaginário da sociedade, mas nada disso corresponde à verdade”, detalha.

Na avaliação da professora universitária, com o fim do período de escravatura, processo de exploração econômica que aconteceu “de forma desigual e cruel”, o povo preto foi deixado á própria sorte.

“A lei áurea aboliu a escravatura no Brasil, mas nós, brasileiros negros, descendentes de africanos, ficamos sem nenhuma política pública que assegurasse aos milhões de brasileiros que estavam no Brasil uma política de moradia, de assistência social, de educação cultural”, pontua.

O resultado do “Deus dará”, se repetiu por séculos. “Até muito recente a população negra era proibida de entrar nas escolas e esse quadro só se ampliou na universidade a partir do momento das cotas. Até o ano 2000, por exemplo, a (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) só tinha 2% de negros. Esse estigma foi construído socialmente a partir do momento que o Estado Brasileiro não amparou a população negra”, detalha.

As mazelas provocadas nas possibilidades de trabalho, sustento e condições básicas, também se estabeleceram, na avaliação de Bartolina, nos aspectos culturais, religiosos e até estéticos.

Reflexos da ideologia trazida pelos europeus, que escravizaram indígenas do Brasil e negros da África, de que a estética europeia era a válida.

“É claro que ser branco no Brasil é muito mais fácil. O cabelo do crespo do negro, por exemplo, é considerado feio ou “difícil de lidar”. Ser branco é ter a porta aberta independente de saberem o seu nome, enquanto o negro tem que provar que é competente e às vezes até super competente”, afirma.

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Bartolina Ramalho é professora universitária e pós-doutora em educação. (Foto: Arquivo Pessoal)

Conhecer a própria história

Bartolina explica ainda que um dos pontos cruciais para combater os estigmas fortalecidos durante séculos, é uma necessária visita ao passado.

Um da ancestralidade que ao branco traz entendimento e ao negro, sensação de pertencimento.

“Muito nos foi ensinado sobre um povo sofredor e escravo, mas nossos ancestrais não eram escravos, eram reis, rainhas, pessoas que pertenciam a uma sociedade constituída e que tiveram suas vidas tomadas. Eles foram escravizados. Mesmo nesse período, tiveram um papel importantíssimo para o desenvolvimento do Brasil Colônia e Império. Até hoje é preciso reconhecer que as mãos negras constroem o Brasil, afinal, somos 54% da população e trabalhamos diuturnamente”, relata.

A doutora acrescenta que, enquanto escravizados, a verdadeira história do povo negro deixou de ser contada, restando apenas recortes do período sombrio da escravatura. “Todo esse preconceito a gente pegou de graça, foi nos ensinado. Ensinar o contrário e trazer a valorização, conhecer a África, saber de onde viemos é entender o povo que somos, garante identidade”, aponta.

Recontar a história

Para a subsecretária da Igualdade Racial de , Rosana Anunciação Franco, a alternativa para estreitar a distância da sociedade com o assunto negritude é contar e aprofundar as discussões e, de fato, contar a história.

“A história é cultura afro brasileira e indígena deve ser colocada e ensinada de maneira aprofundada no currículo escolar. Não adianta apenas falar sobre o assunto em datas comemorativas, precisamos de uma matéria específica que fale sobre a diversidade do nosso povo”, avalia.

Para ela, uma das bases que sustentam o racismo estrutural, que permeia a sociedade em todas as escalas, é o desconhecimento.

“A partir do momento que você não tem afinidade, acaba vendo o assunto com rejeição, inclusive, muitos de nós negros, acabamos nos enxergando na cultura branca e tentando nos enquadrar em um padrão que não é o nosso. Isso tudo é falta de ensinamento”, analisa.

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Rosana Anunciação Franco, sub-secretária municipal de Igualdade Racial (Foto: Arquivo pessoal)

O negro no Brasil

Em 2019, a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio, a Pnad, apontou que o salário de trabalhadores negros eram, em média, 45% menor que o de pessoas brancas.

A mesma pesquisa, encomendada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), revelou que no grupo feminino a discrepância era ainda mais exorbitante e chegava a 70% de diferença entre mulheres brancas e pretas.

Entre homens com o ensino superior a história se repetiu e apresentou variação de 31%. Enquanto o salário médio de homens não negros com ensino superior era de R$ 7.033, o dos negros foi de R$ 4.834.

Nos lugares de destaque e chefia, o negro brasileiro também está em desfalque. Pesquisa da Vagas.com, especializada em tecnologias de recrutamento e seleção, trabalhadores negros são minoria no alto escalão. Apenas 0,7% tem cargos de diretoria, enquanto 47,6% estão em posições operacionais e 11,4% técnicas.

Em 2021, relatório oficial do desemprego no País apontou que, dos 13,9 milhões de desempregados à época, 72,9% era negros.

Na pandemia, negros também foram os mais prejudicados e representam maioria no grupo dos que perderam emprego e dos que buscam, até hoje, se recolocar o mercado.

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