Nos bairros de Campo Grande, maternidade precoce é desafio comum para adolescentes
Projeto social auxilia jovens que passam pela maternidade precoce com assistência, oficinas e criação de rede de apoio
Fernanda Feliciano –
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“Ser mãe é paciência, noite perdida de sono preocupada e choros de dúvidas se vou conseguir ou não ser boa mãe”. Esta é a definição de maternidade para Brunna Tolentino, de 20 anos. Ela engravidou de sua filha, de 3 anos, aos 16 anos e relata que a experiência de ser mãe ainda adolescente foi um desafio e tanto.
Entre medos e choros, Brunna foi aprendendo a ocupar o “cargo” não remunerado. Isso porque ser mãe não tem salário e falhar não é opção — a maestria é consequência da prática e o custo é alto, tanto para a saúde física quanto para a emocional.
Bruna é moradora do loteamento Bela Laguna, no Portal do Caiobá, na periferia de Campo Grande. E assim como ela, milhões de mulheres em regiões periféricas enfrentaram ou vão enfrentar o desafio da gravidez precoce.
Por uma razão ou outra, ser mãe muito jovem é mais comum fora dos centros. Um estudo baseado na região urbana de São Paulo, por exemplo, revelou que, em 2020, as chances de uma jovem de até 20 anos ser mãe são 50 vezes maiores nos bairros da capital paulista (Mapa da Desigualdade da Primeira Infância, 2ª edição). Sem dados oficiais em MS, a informalidade leva a crer que o fenômeno também é observado nos lados de cá.
Brunna relata que a etapa mais difícil do processo foi passar pela gravidez em sua fase da adolescência. “Ser mãe tão cedo foi um tanto quanto assustador pra mim, tudo muito novo e novos desafios. Eu estava no auge da adolescência”, descreve.
Entre os desafios, Brunna cita o amadurecimento forçado como o maior deles. A responsabilidade sobre uma criança e o medo de não conseguir dar conta estão na lista de sentimentos que a jovem teve que enfrentar. Mas, para sua surpresa, ao invés de ‘perrengues’ encontrou ‘apoio’.
“Eu imaginei que passaria um perrengue sendo mãe, que não ia dar conta, mas eu tive muita ajuda, apoio, carinho e cuidados tanto quanto comigo e com minha filha. Isso vindo do lado da minha família e do lado da família do pai dela, me acolheram muito bem”, comenta.
Projeto e rede de apoio
Yasmin Souza Santiago, de 17 anos, moradora do bairro Taquaral Bosque, também vivencia a experiência da maternidade precoce. Mãe de uma menina de 1 ano e 2 meses, a jovem relata que se assustou ao perceber-se como a única mãe jovem de seu círculo social.
Porém, Yasmin encontrou apoio no Projeto Elas, da Funasph (Fundação de Assistência à Pessoa Humana), que auxilia no desenvolvimento de mães adolescentes.
“Eu já estava quase entrando em depressão quando descobri que estava grávida. Fiquei bem abatida, porque ao meu redor não tinha ninguém ainda que tinha bebê. E aí minha prima falou que tinha esse projeto”, descreve.
A adolescente conta que demorou um tempo para aprender a lidar com a maternidade, mas que, no projeto, conseguiu desenvolver uma visão otimista ao encontrar apoio de outras diversas mães adolescentes.
“Vi que não era nada demais ser mãe adolescente, porque lá você encontra várias meninas adolescentes que estão passando pela mesma coisa que você, que não é nada que seja tão difícil e que ser mãe é a melhor coisa no mundo”, explica.
Além de ser mãe adolescente e periférica, Yasmin ainda relata mais desafios, como parar de estudar e lidar com algumas dificuldades financeiras. O otimismo, porém, é marcante em cada palavra: se a jovem pudesse descrever o que é ser mãe em palavras, ela resumiria na palavra dádiva. “Ser mãe é uma dádiva, é maravilhoso”, destaca.
Codependência
Para algumas meninas, a experiência materna durante a adolescência guarda aspectos desesperadores. Como para a estudante Maria Eduarda Rodrigues, de 17 anos, moradora do Jardim Noroeste. Ao Jornal Midiamax, ela relatou que ser mãe jovem e lidar com a responsabilidade de cuidar integralmente da vida de uma criança é desesperador.
No primeiro ano do Ensino Médio e com o sonho de ser podóloga, o maior desafio de ser mãe jovem para Maria Eduarda é conciliar a rotina da maternidade com os estudos. A adolescente ainda descreve que ser mãe antes dos 18 traz elementos marcantes de codependência. “Fico assustada. A todo momento acontece alguma coisa com a criança, né? Pode ficar doente. Mas, a gente é menor de idade. E tudo precisa dos [nossos] pais. Qualquer coisa, para ir para o hospital, internar, tudo precisa dos pais”, pontua.
Em dias em que a estudante não consegue deixar o filho de 2 anos com alguém, ou, ainda, quando o menino fica doente, é preciso faltar na aula.
“Dificulta bastante porque quando não tem alguém para ficar com a criança, a gente tem que faltar aula e ficar em casa. Fica doente, a gente falta a aula e fica em casa […] Não tem como ir à escola e dificulta um pouco, porque atrasa matéria”, comenta.
Além disso, Maria Eduarda também aponta que não pode contar muito com o apoio do pai de seu filho e que conta com a ajuda de seus pais. “Às vezes, ele fica doente e precisa de remédio, e aí são só os meus pais mesmo”.
Exercício da paciência
Mãe de 2 filhos aos 18 anos e moradora do Jardim Noroeste, a estudante Rúbia Carla Moraes de Souza descreve que a experiência de ser mãe de seu primeiro filho foi assustadora. “Quando eu engravidei, tinha 15 anos e eu fiquei um pouco em choque, mas depois eu me acostumei com a situação”, afirma.
Entre os desafios da maternidade, Rúbia cita que é preciso se esforçar muito e ter bastante paciência com as crianças. A jovem também conta com o apoio da mãe e do Projeto Elas, e relata que conseguiu se reerguer com sua rede de apoio. “Eu estava muito abalada e eu fui para o projeto e conheci as meninas, que me levantaram, me ajudaram, que são o meu porto seguro”, pontua.
Aos 15 anos, a estudante Camila Rodrigues de Oliveira, moradora do Jardim Itamaracá, tem uma filha de 1 ano e 3 meses e define ser mãe como uma mistura de medo e desafio. Apesar de ter experiência cuidando dos sobrinhos, a jovem relata que o desafio de ser mãe é ter mais responsabilidade.
“Foi ter mais responsabilidade, né? Que era uma coisa que eu não tinha, maturidade e essas coisas, depois que eu tive ela, tive que ter bastante”.
Camila também é assistida pelo Projeto Elas e menciona que o grupo já a ajudou muito. “Eles me ajudaram bastante, né? Teve muitas coisas que eu não sabia e acabei aprendendo, que nem a parte de amamentar […] Eles me orientaram bastante”, conta.
Ao definir o que é ser mãe, a estudante afirma que ser mãe é ter uma vida para cuidar. “É ter uma vida para poder cuidar, né? Uma vida nas minhas mãos que qualquer coisa que acontece eu que sou responsável. Então, por um lado é um pouco difícil […] É bastante desafio ser mãe”.
Projeto Elas
O Projeto Elas começou em 2019 e faz parte da Funasph. O grupo presta assistência a 14 mães adolescentes de Campo Grande — em sua maioria, em situação de vulnerabilidade social. O projeto atende meninas de 13 a 18 anos que já possuem filho ou estão gestantes.
A coordenadora do projeto, Mercedes Tavares, de 54 anos, explica que é fundamental acompanhar mães adolescentes e acolhê-las. “Quando a família é muito vulnerável, há um rompimento. Entende-se assim: ela é adolescente, tem um filho, tem um namorado, ela pode ter uma família. E não é assim. Adolescentes precisam ser apoiados pela família, pela sociedade”, explicita. “Se você não apoiar o adolescente, ele continua sendo criança, mesmo sendo mãe de dois bebês”, finaliza.
O projeto auxilia as adolescentes no processo de reintegração nos estudos, com oferta de oficinas, acompanhamento psicológico e tem como foco o desenvolvimento para a vida adulta.
“Temos oficinas de scrapbook, produção de texto, ilustração, habilidades de vida […] e temos encontros mensais com alguns assuntos. Maternagem, Dia das Mães, como ter vida profissional”, descreve.
Além disso, as adolescentes assistidas pelo projeto também possuem uma assessoria de direitos prestada por uma assistente social, que as informa sobre os seus direitos na hora do parto, Bolsa Família e atendimento da criança.
A assistente social do projeto Elas, Júnia Cristina Alves, de 39 anos, explica que realiza visitas às adolescentes para verificar sua realidade, bem como orienta as jovens em relação aos direitos.
“A gente faz um trabalho bem de perto com a família, também porque o projeto influencia quem está ao redor. Então, a gente conversa com as mães, orienta, etc.”
O projeto conta com voluntárias no auxílio das atividades e apoio das mães. A voluntária Luciana Madri Carmo Henrique, de 47 anos, aponta que aprende muito com o grupo de adolescentes.
“Estamos aqui para ajudá-las, oferecendo um carinho, um apoio emocional. Às vezes, elas precisam de um abraço, de um acolhimento. O voluntário está aqui para isso. Eu cresci muito com essas meninas”, conclui.
É possível ser voluntário e ajudar na manutenção do Projeto Elas, que também aceita doações de agasalhos, cobertores, enxoval e de outros itens. Entre em contato nas redes sociais da @funasph ou pelo telefone (67) 99974-8246.
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