Há um ano, profissionais de saúde em todo o trabalham incansavelmente para salvar vidas em meio à pandemia de Covid-19. Em 2020, 2.382 pessoas morreram pela doença causada pelo novo coronavírus.

Entre estes pacientes, estavam 13 trabalhadores da linha da frente. Os dados são do Sivep-Gripe (Sistema de Informação de Vigilância da Gripe), compilados pela SES (Secretaria de Estado de Saúde) e informados ao Jornal Midiamax por força da Lei Estadual de Acesso à Informação.

A foi o setor mais afetado. Estes profissionais são os que mais têm contato com pacientes, mas também médicos especialistas e generalistas também foram contaminados.

Foram seis técnicos de enfermagem, dois enfermeiros, um médico cardiologista, um cirurgião-geral, um clínico-geral, um médico generalista e um pneumologista.

A reportagem questionou se esses trabalhadores eram efetivos ou contratados e se as vagas foram preenchidas, mas a SES não respondeu.

Divergência

Apesar dos dados serem do Sivep-Gripe, sistema oficial do Ministério da Saúde, os números são diferentes das entidades que representam as categorias e até mesmo da SES.

De acordo com o Portal Mais Saúde, 21 trabalhadores da saúde morreram em 2020. Já o Coren-MS (Conselho Regional de Enfermagem), por exemplo, aponta que 15 profissionais da área faleceram com Covid-19 em 2020.

Durante o ano passado, a reportagem contabilizou também mais mortes que os números apresentados pelo sistema do ministério. Em agosto, eram 17 profissionais da linha de frente que perderam a vida

Dedicados

Ao longo do último ano, o Jornal Midiamax contou a história desses trabalhadores que deram a vida para salvar outras vidas, mesmo em meio a uma onda de negacionismo e violação das recomendações sanitárias.

Em julho de 2020, Dourados perdeu o pneumologista Antônio Carlos Monteiro, de 59 anos. “Ele saiu de casa dizendo que faria um plantão de 24 horas, mas não conseguiu terminar, passando mal após 12 horas. Era o último plantão de sua vida”. O relato é de Sueli Clemência Batista Monteiro, esposa do Dr. Monteiro, como era conhecido.

Segundo Sueli, o marido era apaixonado pela profissão. Dr. Monteiro chegou na cidade em 1994 para trabalhar no Dr. e Sra. Goldsby King. O local onde passou boa parte da carreira acabou sendo onde ele a encerrou.

“Ele amava aquele hospital. Foi o primeiro lugar que o acolheu quando nós chegamos em ”, conta a esposa do médico que também não guardou palavras para agradecer aos médicos, enfermeiros, equipes de limpeza,  fisioterapeutas, atendentes, que lutaram, segundo ela, de forma incansável para que seu marido conseguisse sobreviver.

Em agosto, o técnico de enfermagem Juvelino Lopes, de 55 anos, foi mais um dos profissionais que faleceram. Ele trabalhava na rede pública de saúde em Corumbá, município do oeste do Estado.

A prefeitura da cidade emitiu nota de pesar destacando que Juvelino “teve a vida dedicada à saúde pública”.

enfemeiro covid
Enfermeiro foi homenageado por amigos nas redes sociais. (Foto: Reprodução/Redes Sociais)

Também em agosto, o secretário de estado de Saúde, Geraldo Resende, fez questão de lamentar a morte do enfermeiro Valdinei Pereira de Souza, de 43 anos, durante a transmissão ao vivo periódica para atualização do boletim do novo coronavírus.

“Gostaríamos de manifestar nosso profundo sentimento e dizer que essa doença tem ceifado muitas vidas de profissionais da área de saúde. Anunciamos aqui médicos que faleceram à frente da batalha em Dourados, temos também enfermeiros e outros profissionais da saúde. Queremos manifestar nossos pêsames, que o exemplo dele, que doou vida no enfrentamento sirva para que população nos ajude no enfrentamento”, declarou o secretário.

Valdinei trabalhava no Hospital Regional de Mato Grosso do Sul (HRMS) “Rosa Pedrossian”, em . A unidade é referência para a doença.

Esgotamento e desistências

Enfrentando uma das maiores crises de saúde da História, os profissionais ainda precisam superar o excesso de trabalho e pouco pessoal para dividir o fardo. Como se não bastasse, há casos de abandono das funções.

Dados oficiais confirmam 13 mortes na linha de frente da saúde de MS por Covid-19 em 10 meses
Profissionais da saúde dão assistência a paciente Covid-19 na Ala Vermelha do Hospital Regional Rosa Pedrossian. (Foto: Divulgação, HRMS)

A SES reconhece a falta de profissionais e os trabalhadores afirmam que é um reflexo da falta de concursos públicos para a saúde no Estado.

O último concurso realizado para profissionais da saúde no HRMS foi em 2014 com 212 vagas. O último concurso realizado pela SES também é de 2014, quando foram oferecidas 25 vagas para atuação nos Núcleos Regionais. Desde então, a SAD (Secretaria de Estado de Administração e Desburocratização) tem realizado processos seletivos, com contratação temporária.

O presidente do Sintss-MS (Sindicato dos Trabalhadores em Seguridade Social em Mato Grosso do Sul), Ricardo Bueno, afirma que como não há concursos, com servidores efetivos, e sim contratações temporárias, isso reflete em precarização do hospital.

“Você contrata, com dois anos ou menos o profissional sai, tem que chamar uma nova turma, com novo treinamento. Como aconteceu durante a pandemia de Covid-19 agora, muitas pessoas sem experiência e conhecimento de UTI foram contratadas de urgência, isso prejudica muito a população”, disse.

O presidente do Coren-MS, Sebastião Junior Henrique Duarte, explica que a falta de concursos leva a uma rotatividade na saúde pública, já que os contratos têm prazo determinado e não oferecem estabilidade aos trabalhadores. “Não apenas desencoraja o profissional, mas além disso, eles não conseguem renovar e o Governo é resistente com concursos na área da saúde”, afirma.

No momento em que Mato Grosso do Sul está à beira do colapso na saúde pública, alternando entre dias com falta total de vagas e ocasiões com pouca disponibilidade, médicos têm abandonado plantões.

O secretário Geraldo Resende disse há uma semana que a situação dos leitos em UTIs é crítica. “Não temos médicos e fisioterapeutas no mercado. Há também o abandono de médicos em escala de plantões, um cenário de deserção. Esse é o quadro hoje e não temos como expandir [o número de leitos]”, declarou.

Outro fator de preocupação da SES é a circulação da variante P.1 do novo coronavírus. Isso porque a nova cepa tem maior poder de transmissão, o que justifica o aumento no número dos casos neste período.

Se o avanço continuar nesse ritmo, MS poderá ter falta de leitos UTI em breve. “Estamos com dificuldade em todos os estados sob pena de médicos plantonistas terem que optar quem vai usar ou não o ventilador”, pontuou.

Por outro lado, o Sinmed-MS (Sindicato dos Médicos de Mato Grosso do Sul) não concorda com a posição do secretário. O presidente da entidade, Marcelo Santana, disse que as “causas desse caos são outras”. Para o sindicalista, a situação em que os profissionais estão trabalhando é gravíssima, mas não há relatos de debandada de médicos em CTIs (Centros de Terapias Intensivas).

“Estão querendo colocar a culpa em cima dos profissionais. Os médicos estão assumindo mais plantões ainda, com cargas horárias extrapoladas para poder dar conta da demanda. Tem que procurar a causa e a solução”, pontuou.