Inquérito investiga por que Agereg teria liberado Consórcio Guaicurus de pagar 2200 multas
Denúncias feitas por servidores públicos municipais revelam suposto escândalo de omissão e conivência por parte da Agereg (Agência Municipal de Regulação de Serviços Públicos) para beneficiar o Consórcio Guaicurus, que explora o transporte coletivo urbano em Campo Grande com lucro milionário em meio a inúmeros flagrantes de descumprimento do contrato de concessão. Com supostas m…
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Denúncias feitas por servidores públicos municipais revelam suposto escândalo de omissão e conivência por parte da Agereg (Agência Municipal de Regulação de Serviços Públicos) para beneficiar o Consórcio Guaicurus, que explora o transporte coletivo urbano em Campo Grande com lucro milionário em meio a inúmeros flagrantes de descumprimento do contrato de concessão.
Com supostas manobras para favorecimento, dilação de prazo e até cancelamento, os empresários de ônibus não estariam pagando nem multas de trânsito aplicadas pela Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito) e teriam acumulado 2200 infrações sem o devido recolhimento entre 2013 e 2016.
O caso virou inquérito civil que tramita sob sigilo na 31ª Promotoria de Justiça do Patrimônio Público.
O Ministério Público quer saber porque a Agereg, que recebe cópia de todas as multas aplicadas pela Agetran ao Consórcio, não cobrou uma posição do Consórcio. De acordo com a denúncia, multas aplicadas entre 2017 e 2018 não haviam sido pagas até o final do ano passado.
Em uma das respostas da Agereg ao promotor, o diretor-presidente do órgão, Vinícius Leite Campos, confirma que quando assumiu a Agência, em janeiro de 2017, levantamento apontava que o Consórcio Guaicurus tinha 2.200 recursos interpostos em face das decisões da Jarit (Junta Administrativa de Recursos de Infrações de Trânsito) aguardando julgamento.
Ou seja, a empresa havia tomado 2.200 multas de trânsito aplicadas pela Agetran, mas ‘segurava’ o pagamento com recursos. Não há especificado, porém, qual seria o período que essas multas foram impostas, apenas que seriam anteriores a janeiro de 2017.
Os indícios do suposto favorecimento chegaram ao MPMS em agosto de 2017. Coincidentemente, logo após diminuiu drasticamente o número de infrações aplicadas aos veículos do Consórcio Guaicurus. O ofício de Vinícius Campos confirma que apenas 25 multas teriam sido aplicadas pela Agetran aos veículos das empresas de ônibus em 2017.
Segundo o promotor Humberto Lapa Ferri, titular da 31ª Promotoria de Justiça, é ‘imprescindível’ apurar as supostas irregularidades nos anos anteriores de 2013, 2014, 2015 e 2016, nas gestões dos prefeitos Alcides Bernal (PP) e Gilmar Olarte (sem partido).
‘A entidade preferiu’…
No decorrer da investigação ficou comprovado, porque meio de resposta da Agereg, inclusive, que nenhuma das multas aplicadas no período em questão (2017/2018) chegou a ser paga pelo Consórcio Guaicurus, que tem contrato de vigência de 20 anos com a Prefeitura de Campo Grande, podendo ser prorrogado por mais 10 anos.
“Informamos que não foram arrecadados, no ano mencionado [2018], valores referentes às infrações do Transporte Coletivo, pois a entidade preferiu aguardar o final de cada etapa da audiência para emitir as guias de pagamento com segurança e confiabilidade”, admitiu a Agereg.
Apesar disso, a Agereg nega, novamente em resposta ao Ministério Público, que tenha havido omissão por sua parte na questão da cobrança desses dividendos. A empresa, no entanto, sequer foi cadastrada na dívida ativa do município, como aconteceria com qualquer contribuinte ‘comum’.
“Informamos que nenhuma providência foi tomada, pois não existe e nem nunca existiu omissão da fiscalização em qualquer parte do procedimento fiscalizatório”, continuou a Agereg.
Comissão para Consórcio
Para tentar resolver esse impasse, a Agereg criou do Cajur (Conselho de Análise e Julgamento de Recursos de Transporte), especificamente para receber e analisar todos os recursos interpostos pelo Consórcio devido a multas de trânsito aplicadas.
Ligado a Agência de Regulação, o setor tem por objetivo agilizar a análise e decisão sobre as multas aplicadas pela Agência de Trânsito em segunda instância, já que a primeira fica a cargo da Jarit. Não há informações de quantos das 2.200 multas já foram analisadas e ratificadas ou extintas ou se o Consórcio realizou o pagamento de algum débito neste ano, já que até o final do ano passado nada havia sido depositado na conta da Prefeitura.
“Existia um conflito de normal legais que impedia o julgamento em segunda instância das multas. Então nós mandamos um projeto de lei para a Câmara Municipal que foi aprovado, que criou o Cajur. Esses recursos que estavam parados estão sendo julgados. Os julgamentos são todos as quartas-feiras, aqui na Agereg”, explicou Leite, em contato com a reportagem.
O diretor-presidente afirmou que já ocorreram vários julgamentos, sem saber informar quantos, mas garantiu que em vários casos a multa foi mantida. Ainda conforme Leite, após a penalidade ser julgada e reafirmada, a multa volta para a Agetran, por onde o Consórcio é novamente cobrado.
Leite salientou que a atual administração tem tomado as medidas possíveis para resolver o problema. Perguntado se ele acredita que possa ter havido omissão por parte das administrações passadas, já que o contrato foi firmado em 2012 e a maioria das multas é de 2013 a 2016, o diretor-presidente não quis comentar o fato.
A reportagem procurou a Prefeitura de Campo Grande para saber quantas dessas multas já foram pagas ou se alguma foi paga, mas até o fechamento desta matéria nenhum posicionamento sobre o assunto foi dado.
Oitivas
Apenas entre 2017 e 2018, segundo consta no documento ao qual o Jornal Midiamax teve acesso, 34 agentes de trânsito trabalharam em notificações, autuações ou fiscalização do transporte público de Campo Grande, por isso, parte desses funcionários foram ouvidos pelo promotor, assim como o Diretor de Transportes da Agetran, Luiz Carlos Alencar Filho, dois gerentes e dois chefes de divisão, que também participaram das fiscalizações.
Conforme o documento, as oitivas aconteceram no início deste ano, na 31ª Promotoria de Campo Grande e foram todas gravadas em áudio e vídeo.
A reportagem entrou em contato com o Consórcio Guaicurus para comentar o inquérito, e ainda aguarda resposta, que será prontamente repassada aos leitores.
Lista de irregularidades
Dois que apuram irregularidades e correm na 31ª Promotoria de Justiça de Patrimônio Público, como o acima descrito, e outros dois que estão em segredo na 25ª e na 43ª Promotorias de Justiça.
Problemas de sobra
Enquanto os procedimentos correm, quem sente os problemas são os trabalhadores e estudantes que usam cotidianamente os ônibus.
Com problemas graves de qualidade, e custo alto se comparado com opções como aplicativos de transporte, dificilmente quem ganha salários pelo menos um pouco acima da média nacional se submete ao suplício do serviço de transporte coletivo urbano em Campo Grande.
O Jornal Midiamax listou nesta quarta-feira (5) 10 situações flagradas no transporte público da Capital em que a empresa, detentora do contrato, poderia ser punida, mas não foi. Além disso, Consórcio Guaicurus recebeu duas autuações do Procon-MS por atrasos e a multa poderia chegar a R$ 100 mil.
Poderia, porque, na prática, os empresários que ganharam o contrato milionário para explorar o transporte coletivo em Campo Grande nunca receberam uma multa.
Vereadores ignorados e Procon-MS em ação
Além dos promotores, os parlamentares eleitos pelos campo-grandenses também têm prerrogativa de fiscalização dos atos do executivo, como a manutenção do contrato de concessão.
Recentemente, o Procon-MS entrou na briga de forma tímida, e se limitou a autuar o Consórcio pela segunda vez, com ‘risco’ de multa de R$ 100 mil depois de inúmeras denúncias dos passageiros sobre os atrasos constantes.
Primeiro prefeito a ‘quase multar’
O prefeito Marquinhos Trad (PSD), pressionado sobre a postura da Prefeitura diante de tantos problemas, ressaltou que não é pessimista e que foi o primeiro prefeito a pelo menos autuar o Consórcio Guaicurus com possibilidade real de multa.
Desde a assinatura do contrato milionário no final do mandato do ex-prefeito Nelson Trad Filho (PSD), em 2012, passaram pela Prefeitura de Campo Grande Alcides Bernal (PP), Gilmar Olarte (Sem Partido) e Marquinhos Trad (PSD).
No entanto, apenas em 2019, depois de mais de um ano com quase 50 ônibus acima da idade prevista em contrato rodando, é que a Agereg (Agência de Regulação dos Serviços Públicos) aplicou a sansão, com ameaça de multa de R$ 2,7 milhões ao Consórcio por conta dos veículos velhos e vencidos.
Segundo dados da Agereg 48 ônibus em circulação estão vencidos, além de 80 prestes a vencer. No total, estariam em circulação em Campo Grande 550 carros.
Multa adiada e ‘equívoco’ da Marcopolo
Porém, após a aplicação da penalidade, a empresa apresentou a Prefeitura de Campo Grande um ofício informando a compra de 55 novos carros. A fábrica, Marcopolo, disse ao Midiamax que na verdade a compra sequer tinha sido confirmada ainda quando o documento foi apresentado à Agereg para adiar a multa.
Após a repercussão, a empresa mudou a versão e disse que tinha cometido um ‘equívoco’, mas admitiu que os ônibus ainda dependiam de confirmação de detalhes, pois sequer tinham entrado na linha de produção.
O prazo foi firmado porque seria o que a empresa apresentou inicialmente como o de entrega dos carros. Entretanto, a empresa fabricante não poderá cumprir este cronograma e os ônibus só devem chegar na Capital em outubro.
Mesmo assim, a Agereg afirmou que ainda pretende ‘reavaliar a multa’, mesmo após o prazo dado ao Consórcio se esgotar.
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