Casa própria tem sonho, resistência e janela para favela

Para quem já conseguiu a casa popular, conselho é não desistir

Ouvir Notícia Pausar Notícia
Compartilhar

Para quem já conseguiu a casa popular, conselho é não desistir

Apertadinho e com as casas todas iguais, o residencial popular Isabel Garden, na região da Morada do Sossego em Campo Grande, não é só o cinza que dá cor às casas. Cada morador ali impõe sua personalidade às habitações. Assim como nas ocupações – que aumentaram em 2016 -, as mulheres são maioria no residencial. Muitas estão ali após aguentar uma série de altos e baixos. Separações, pais que abandonam os filhos para que as mães arquem com toda responsabilidade e um passado que guarda a adversidade que entrava pelas frestas dos barracos. Hoje, superação. As mulheres que conseguiram a casa própria olham suas histórias com outra perspectiva. As novas casinhas, que oferecem alento e proteção aos filhos, guardam os sonhos e os sorrisos delas. Para quem ainda luta pela casa, elas deixam uma mensagem: nunca desistir.

 

Confira a reportagem em vídeo:

 

 

 

 

Rosângela Andrade, 36, recebe a reportagem com a casa e o sorriso abertos. Cada detalhezinho da casa é observado por ela com orgulho. O sofá, o canto da sala, o chuveiro no banheiro. Ela para uns instantes no parepeito da janela. Olhando longe, a janela dá para o sonho que ela conta. Foram cinco anos vivendo na favela Portelinha – uma das ocupações que mais duraram na Capital -. Até conseguir a casa própria, ela enfrentou violência, barraco que foi ao chão e até a separação.

“Na Portelinha, no começo, era bem difícil. E aí depois melhorou um pouco. Eu fiquei cinco anos lá né. Graças a Deus conseguimos, eu não acreditava muito, mas, agora, estamos aqui. Muito difícil lá, porque quando chovia entrava água no barraco, foi difícil demais, meus guris eram pequenos. Naquela época ainda tinha meu marido. Mas aí quando a gente veio pra cá separou”, relata.

A casa, conforme explica, traz um pouco mais de segurança, retira um pouco da preocupação de deixar os filhos. “É totalmente diferente, o conforto pra gente, é uma confiança a mais, que eu possa sair pra trabalhar e deixar meus filhos”, conta.

“Ter pra onde voltar é muito bom. Agora a gente curte a chuva né?”, ri ela.

É só inclinar um pouco a cabeça para o lado que Rosângela pode ver o póprio passado, que para muitos, ainda é presente. Ao lado do Isabel Garden, está a nova favela de Campo Grande, com cerca de 500 barracos. Para eles, ela deseja fé. “Não perder a confiança, a fé. Acho que a gente tem que ter fé, porque não é fácil mesmo”.

 

 

 

Na nova casa, um novo negócio e um portal para a favela

Ela é verdureira, como gosta de falar. E foi vendendo verdura que Rosi Maria dos Santos, 51, começou a saga que a levou para a casa própria. Ao lado da casa, uma pequena mercearia. É novo negócio de Rosi, que vende “de tudo um pouquinho”, até marmitas.

“Pra conseguir a casa eu comecei vendendo verdura na calçada, ali na Rua Pintassilgo. Aí vendi, por duas semanas, na calçada. A Portelinha já existia, aí os fiscal veio e me notificou por eu estar vendendo na calçada. Aí falei pra eles: ‘eu já to velha e eu não guento mais trabalhar pros outros’. Bem em frente onde eu estava vendendo, tinha um pedaço de chão lá, desocupado. Eu falei: ‘se eu entrar ali vão vir me tirar’”.

A vida não se tornou um mar de flores assim que conseguiu a casa, é o que ela explica. A estabilidade foi construída aos poucos. “No começo aqui foi bem difícil, difícil mesmo, porque a gente não tinha dinheiro e eu vendia ali na janela [verduras], mas, graças à Deus a gente lutou, venci e hoje estou muito feliz com a minha vida”. “Hoje eu vendo arroz, feijão, refrigerante, cerveja, pra levarem. De cada coisa um pouquinho e faço marmitex e tenho uma frutaria”, enumera Rosi, orgulhosa.

 

A pequena mercearia de Rosi (Cleber Gellio)

 

A crise econômica, no entanto, também afetou os negócios da verdureira.”Caiu bastante, bastante, bastante. O ano passado, nessa época, eu já estava lá com a minha frutaria né, estava bombando mesmo”. De repente, Rosi olha pra cima e muda o tom: “eu não posso reclamar, não estou murmurando”, explica, como se estivesse pedindo desculpas à sua ideia de Deus. “Mas caiu muito. Às vezes, as pessoas falam: ‘eu quero isso, quero aquilo’, mas é tudo sem dinheiro”.

Rosi também cuida de quem ainda não tem casa. Enquanto ia aos fundos da casa, ela revela o único acesso do residencial para a nova favela. No fundo da casa, Rosi tem o portal do Vale. Portal que ela atravessa todos os dias, já que a moradora do residencial ‘não esquece de onde veio’.

“Tem gente que tem vergonha e eu pergunto: ‘qual sua origem? de onde você veio’. Da favela”, ia falando, enquanto recolhia roupas no varal. O varal é a janela de Rosi para a favela. Ela declara ajudar a todos da nova ocupação, e o conselho que ela dá é que “não saiam”.

“Tem que persistir, não sair. Tem a favela aqui no fundo né? O que eu posso eu faço. Eu falo pra eles, ‘eu estou ajudando como eu posso’. Eu já fui na promotoria, já tive reunião com defensor, com presidente da Emha, com o secretário de segurança, então ajudo eles como eu posso. Eu falo pra eles: ‘eu sou quem eu sou porque eu persisti’. Porque muitas vezes chegavam: ‘ah vocês não ter que sair e vinha aquele pedido pra desocupar, mas a gente persistiu, tanto no terreno, como na luz, na água. Lá mesmo [Portelinha], eu estava operada, eles chegavam pra cortar a luz. Eu falei: não’”.

 

A janela de Rosi (Cleber Gellio)

 

Do abrigo à casa própria

 

Tatiane Ribeiro Novais, 35, cuidadora, tomava um tereré com a mãe em frente à casa. Ao saber do assunto ela já abre um sorriso: “ah, é maravilhoso né”. É assim que ela se refere a própria casa, conquistada após a dificuldade de morar com os quatro filhos pequenos em um abrigo.

“Eu estava em um abrigo, eu pagava aluguel antes, mas eu não tinha condições de pagar aluguel, eu fui despejada e fui pro abrigo com as minhas crianças. Aí do abrigo eu fiz tudinho pra ganhar a minha casa e depois de um ano eu consegui. Graças à Deus”, sorri ela. “É uma maravilha né, é muito bom, bom demais. Só de pensar que você não vai mais pagar aluguel, nossa é muito bom mesmo, pago minha água, pago minha luz”, conta ela, entusiasmada.

Tatiane, como as outras mulheres, também lembra dos filhos ao comemorar a própria casa. “Eles amam isso aqui né. Eles gostaram muito, demais da conta, é tudo diferente. Porque o dinheiro do aluguel é uma coisa que você paga e não tem volta e é dos outros. Aqui não, aqui é meu mesmo, eu conquistei sozinha, eu suei muito pra ganhar essa casa, graças à deus, tudo no meu nome, tudo certinho”, conta rindo à toa.

Agora, ela já direciona o olhar aos problemas do bairro. No local, conforme explica, falta posto de saúde, ônibus e sinalização de trânsito. O pedido para que Campo Grande olhe mais para o Isabel Garden ela faz para o novo prefeito, Marquinhos Trad (PSD). “Que ele ajude essas famílias né. E que ajude nosso bairro, esses campinho, cheio de mato, tinha que ter um semáforo aqui. Aqui já teve acidente. Chovia aqui e o cara quase morreu, atropelado. O bairro está precisando de mais atenção. Aqui tem rua que é muito escura”.

Para conseguir a casa, a cuidadora relata que teve que se tornar uma pedra no sapato da Emha. Tatiane relata que foi à sede da Agência de habitação tantas vezes que se tornou conhecida por lá. É o conselho que ela dá para quem ainda busca pela casa própria: incomodar.

“Não pode desistir, tem que ir lá na Emha, tem que fazer a inscrição. Eu ia três vezes ao mês lá, conversava com as psicólogas, assistente social, todo mês, era três vezes por mês eu ia, nunca deixei de ir lá e elas me ajudaram muito. É só batendo o pé lá e renovando a inscrição. Não pode ficar parado. Foi assim que eu consegui. Eu suei muito”.

Reportagem em vídeo: Cleber Gellio e Izabela Sanchez
música: Admirável gado novo, Zé Ramalho

Conteúdos relacionados