Sindifisco defende simplificação de processos para combater sonegação

Paralelamente à reforma da Previdência, o governo precisa combater a sonegação fiscal, que registra grandes perdas no país. É o que defende o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), Kléber Cabral. Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, Cabral informa que são projetadas perdas de arrecadação superiores a R$ 500 bilhões […]

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Paralelamente à reforma da Previdência, o governo precisa combater a sonegação fiscal, que registra grandes perdas no país. É o que defende o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), Kléber Cabral. Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, Cabral informa que são projetadas perdas de arrecadação superiores a R$ 500 bilhões anuais, sendo R$ 375 bilhões apenas no âmbito federal, com o não pagamento de impostos.

“É possível acabar com a sonegação? Vou te dizer que não, sempre vai ter algum nível de fraude. Mas se pudermos reduzir em 30% a sonegação atual, já vamos arrecadar mais de R$ 100 bilhões ao ano só no governo federal. Tem muita coisa para ser feita no âmbito da Receita Federal, da legislação, para que a gente tenha um combate à sonegação mais efetivo”, afirma.

O presidente do Sindifisco Nacional, Kleber Cabral concede entrevista exclusiva para Agência Brasil.

Cabral também cita o excesso de recursos administrativos nos processos tributários, critica os programas de regularização tributária e vê com bons olhos a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, de taxar lucros e dividendos com a combinação de uma redução na alíquota de Imposto de Renda das empresas.

Processos e cobranças antigas

No combate à sonegação, Cabral aponta como um dos desafios a quantidade de processos tributários.

“O contencioso tributário, por exemplo, que é aquilo que vai para as DRJ [Delegacias de Julgamento da Receita] e para o Carf [Conselho Administrativo de Recurso Fiscais], tem R$ 1 trilhão de estoque de recurso para ser julgado. São R$ 200 bilhões nas DRJs e R$ 800 bilhões no Carf. O país numa crise fiscal grave, precisando cortar gastos e esses processos que não andam. Vamos supor que metade desse total a Receita perca, chega-se a conclusão que o contribuinte tinha razão. Mesmo assim, ainda seriam R$ 500 bilhões a serem cobrados de quem deve.”

Segundo o auditor, a maior parte dos processos tem cerca de 10 anos. Em relação às dificuldades de cobrança de empresas extintas, Cabral explicou que nesses casos os valores já foram inscritos na dívida ativa e devem ser cobrados pela Procuradoria da Fazenda Nacional. “Essa cobrança também tem um processo muito ineficiente, muito demorado. Após o lançamento do débito da empresa pelo auditor fiscal, ela tem DRJ, Carf, segunda instância, demora 10 anos, aí entra-se na Justiça. O processo todo demora 20 anos e a empresa não vive 20 anos. Passado esse tempo todo, quando você for fazer a cobrança, não vai encontrar patrimônio mesmo”.

Fiscalização

Sobre a fiscalização, Cabral alerta que a Receita tem 9,2 mil auditores, sendo que 400 cuidam dos julgamentos dos processos. Segundo ele, dados do Tribunal de Contas da União (TCU) e Controladoria-Geral da União (CGU) “se mantido o ritmo atual, levaria 77 anos para finalizar o estoque atual de processos, isso se não entrasse nenhum processo novo”. Nós apresentamos ao Marcos Cintra [secretário especial da Receita Federal] um documento que diz respeito aos grandes desafios estruturais que, com ou sem reformas, o país precisa fazer. Umas das medidas é justamente para acelerar os julgamentos desses processos tributários, que permite muitos recursos e instâncias”.

Questionado sobre as propostas de corte de benefícios no funcionalismo público dentro da reforma da Previdência, o presidente do Sindifisco diz que “servidor público não ficar de bode expiatório na história”. “O servidor público hoje ou é mais novo e está enquadrado no Funpresp, recebendo o mesmo tratamento do trabalhador privado, ou, se é antigo, ele recolheu a vida toda 11% sobre o salário todo e não sobre o teto do RGPS [Regime Geral da Previdência Social]. Além disso, há 20 anos existe a idade mínima para o servidor público, que é 60 anos, e até hoje não tem idade mínima para se aposentar pelo INSS. Desde 2003, não há mais paridade e integralidade, mas parte da imprensa e os chamados especialistas ainda ficam batendo na tecla que tem muito privilégio, dá a impressão que o servidor trabalha pouquinho e se aposenta com salário todo. Isso já aconteceu, de fato, e deixou buracos. Haverá um chamamento da sociedade para o sacrifício? Estamos dentro, não tem problema. E os militares, estão dentro? O grande empresariado também? O servidor público não pode pagar esse pato sozinho”.

Tributação de lucros e dividendos

Cabral destaca que nenhum país da Organização para o Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) isenta a distribuição de dividendos e que o Brasil precisa mudar esse cenário. Para ele, a isenção incentiva contratações por meio de pessoa jurídica e acaba favorecendo determinadas formas de organização ou profissão. “É muito mais barato você ser PJ [pessoa jurídica] do que ser um celetista [empregado regido pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT] ou um profissional liberal, que paga imposto de renda de até 27,5%. Se você, como PJ, se enquadrar no lucro presumido ou tiver a felicidade de se enquadrar no Simples, aí é o paraíso fiscal. O advogado, o contador, eles podem entrar no Simples, tem uma tabela para cada um deles. Ficou muito estranho, cada um tem uma regra, não tem uma tributação geral. Essas modalidades de tributação, o Simples e o lucro presumido, acabaram se distorcendo das usas origens. Hoje, mais de 80% das empresas estão no Simples. O que era antes relação de trabalho acabou virando PJ.”

Para o auditor, esse processo de “pejotização” impacta nas contas da Previdência. “Sem relação de trabalho na pejotização, empregado e empregador não recolhem mais INSS, vira uma relação entre prestador de serviço e um tomador de serviço. A nossa defesa na tributação de lucros e dividendos não é para arrecadar mais, mas essa isenção acabou se tornando, no Brasil, uma forma dos grandes não pagarem ou pagarem muito pouco imposto. Quando isso voltar a ser tributado, essas relações de trabalho voltam a se organizar, bem como a própria economia. A decisão de enquadramento tributário tem que ser dar por causa do nicho de negócio, não porque vai pagar menos imposto, não pode haver esse tipo de indução.”

O Sindifisco defende que uma eventual tributação de lucros e dividendos alivie a tributação sobre a pessoa física.  “A nossa opinião é que essa tributação poderia ser usada para reduzir a tributação em cima das pessoas físicas, mas pelo o que o ministro Paulo Guedes falou a ideia é reduzir a tributação das pessoas jurídicas para até 15%. Essa questão do percentual da alíquota, no debate tributário, muitas vezes, é enganosa, porque o imposto pago é alíquota versus base de cálculo. Você pode baixar as alíquotas de mudar a base cálculo e, com isso, arrecadar mais imposto e não menos. Foi o que aconteceu na reforma tributária dos Estados Unidos, que reduziram a alíquotas, mas mudando a base cálculo, o que fez com que, no conjunto, as empresas passassem a pagar mais tributos.”

Refis

Cabral critica programas como Refis. De acordo com ele, “70% dos aderentes aos Refis são sempre os mesmos e que estão pulando de um programa para o outro, já que a lei permite”. Por isso, defende a adoção de critérios para evitar que as empresas fiquem sempre aderindo a esse programas de regularização tributária. “Virou instrumento de planejamento tributário. As empresas optam por não pagar o imposto devido, recorre se for autuado e, como demoram os julgamentos, lá na frente aparece um Refis e elas aderem. Você pode ter o Refis, mas tem que ter critérios. É o que diz o PLS 425, em tramitação no Senado. Foi um projeto apresentado no âmbito da CPI da Previdência, pelos auditores-fiscais, que estabelece um regramento e uma diretriz para futuros programas de parcelamento, alterando o CTN [Código Tributário Nacional], com status de Lei Complementar.”

O projeto, conforme Cabral, prevê que para aderir a esse tipo de programa a empresa não pode ter obtido lucro nos últimos três anos, não pode ter sido acusada de crime, não pode ter aderido ao Refis em um período inferior a três anos. “São critérios para que aquele empresário, que está tendo prejuízo, que não tem histórico de ser devedor contumaz, que de fato precisa, aí ele entra no programa, com alívio no parcelamento, alívio nas multas, e que possa voltar a produzir.”

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