Relator retira da pauta ação que pode anular concessão bilionária do Consórcio Guaicurus

Com isso, julgamento que pode tirar contrato das mãos da atual concessionária fica sem data para novo julgamento

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Transporte público em Campo Grande (Foto: Henrique Arakaki, Jornal Midiamax)

Ação que pode anular a concessão do Consórcio Guaicurus para explorar o transporte coletivo de Campo Grande não tem prazo para ser julgada. Isso porque, em sessão nesta quinta-feira (18), o relator do processo – movido pelo MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) -, desembargador Alexandre Raslan, pediu a retirada de pauta, decisão a qual foi seguida pelos demais membros da 5ª Câmara Cível.

Isso significa que os desembargadores querem mais tempo para analisar o caso. Assim, não há uma nova data para o julgamento da ação civil pública.

O contrato bilionário do Consórcio Guaicurus foi colocado em xeque pela 30ª Promotoria da Comarca de Campo Grande na ação civil pública que aponta indícios claros de corrupção e incapacidade das empresas de ônibus em prestar um serviço condizente com o contrato.

Então, o promotor Fábio Ianni Goldfinger apontou cenário ‘nitidamente caótico’ e destacou que, mesmo vencedor do processo licitatório de 2012, o Consórcio ainda “não conseguiu satisfazer a população” e que, ainda, o processo licitatório tem indícios de corrupção desde antes de ter sido lançado.

“O Consórcio Guaicurus apenas sagrou-se vencedor da Concorrência nº 082/2012 pois sua vitória já tinha sido previamente ajustada (ou comprada, visto que efetuou pagamentos ao escritório de Sacha Reck e Guilherme Gonçalves para que estes, em contato com o Município de Campo Grande, providenciasse seu êxito na licitação fraudulenta)”, apontou na manifestação do MPMS.

Durante defesa da anulação do contrato, o promotor ainda destacou “diversos problemas de atrasos e fazendo com que os cidadãos tenham que se socorrer de carros particulares para conseguirem chegar aos seus destinos”. Conforme a licitação, o Consórcio deve faturar cerca de R$ 3,4 bilhões durante os 20 anos de contrato firmados.

Consórcio recebe subsídios milionários e quer dois aumentos da tarifa em 2024

Enquanto briga na Justiça para impor novo aumento do passe de ônibus – que já teve reajuste de R$ 4,65 para R$ 4,75 no mês passado -, o Consórcio Guaicurus ‘turbina’ seus cofres com aumento de R$ 3,4 milhões em subsídios. O valor é referente ao incremento no repasse feito pelo governo do Estado em 2024 para custear o passe dos estudantes da Rede Estadual – uma das condições para segurar o valor da tarifa -.

Enquanto milhões em subsídios continuam entrando nos cofres das empresas de ônibus, a população sofre com o serviço precário prestado pela concessionária. Dentre as dezenas de reclamações diárias que a reportagem do Jornal Midiamax recebe dos leitores estão: superlotação, ônibus quebrados, atrasos, falta de linhas, goteiras, entre outros transtornos.

O convênio com aumento de 34% no subsídio foi publicado em edição extra do DOE (Diário Oficial do Estado) desta quinta-feira (18). O valor total para o ano de 2024 é de R$ 13.470.573,90, uma diferença de R$ 3.453.393,90, em relação a 2023, quando foi repassado à prefeitura, o montante de R$ 10.017.180,00. A vigência do contrato é de 12 meses.

O aporte financeiro aumentou após a prefeitura de Campo Grande solicitar acréscimo de R$ 3,4 milhões ao governo em audiência pública realizada em dezembro de 2023, para arcar com transferências impostas pela empresa que norteia os serviços na Capital.

Mesmo com lucro milionário de R$ 68,5 milhões – somente nos 7 primeiros anos de concessão -, e agora mais recursos, o Consórcio Guaicurus insiste em manter ônibus velhos nas ruas e afirma que só irá renovar a frota se houver novo reajuste da tarifa do transporte coletivo neste ano. No dia 14 de março, a tarifa subiu de R$ 4,65 para R$ 4,75, após decisão judicial.

Além dos reajustes e cooperações, a concessionária obtém altas cifras de lucro líquido desde o início do contrato, bem como, benefícios como a isenção do ISS (Imposto Sobre Serviço) e subsídios milionários.

Conforme perícia judicial realizada no início de 2023, o grupo de empresas que explora o serviço em Campo Grande descumpre o contrato de concessão no quesito idade média da frota. Atualmente, a idade média é de 7 anos, quando o contrato determina média de 5 anos e idade máxima de dez anos. O Jornal Midiamax flagrou veículos com até 12 anos ‘de vida’ circulando pelas ruas.

População se surpreende com reajuste e reclama de frota

Nas ruas, a reação dos usuários do transporte público de Campo Grande com o reajuste da passagem em março deste ano, foi surpresa e decepção. Muitos reclamam do peso no bolso do trabalhador, mas principalmente da precariedade dos serviços oferecidos, que incluem superlotação, atrasos, entre outras dificuldades.

O que dizem os usuários do transporte público:

Rosângela da Silva

Não sabia do aumento, mas disse que “é um absurdo pagar o que a gente paga e não ser atendido como deveria. O calor dentro do ônibus é terrível e ainda existem casos de furto que você registra o BO, mas não acontece nada”. Rosângela conta que já teve um celular furtado dentro do ônibus.

Ela ainda reclamou das condições de limpeza dos pontos de ônibus e que também são superlotados. “Ok aumentar o preço, mas esse valor tem que voltar para a sociedade de uma maneira coerente, sou usuária, sempre pego ônibus e vejo que não somos bem atendidos”, afirma ela que passa mais de uma hora por dia dentro do ônibus.

Roseli Rolon

Destacou que R$ 4,65 já era um valor alto e que pesava no bolso. Ultimamente, ela pega dois ônibus por dia para fazer um curso no centro, mas sempre usou transporte coletivo. “Para quem trabalha e é descontado do salário, o valor é um absurdo e não justifica porque os ônibus são lotados, molha dentro quando chove, não tem segurança e o calor é absurdo”.

Creuza Silva de Oliveira

“Não acredito. Isso não poderia acontecer porque as coisas já estão difíceis e é muito caro para um ônibus lotado. Hoje mesmo, vim quase pendurada das Moreninhas até o centro, estava muito cheio, cheio mesmo o ônibus”.

Vanclei Renato

“Está uma mer**. O transporte é devagar, todo mundo fica esperando, inclusive idoso, sem lugar para sentar. Por isso que eu ando de bike, precisa largar mão de transporte público”, disse ele, citando a opção que utilizou para fugir dos ônibus.

Dionísia de Souza

“Não deveria estar subindo tanto, eu nem sabia que aumentou. Para quem vai e vem duas vezes é pesado. Faltam ônibus e tem horas que lota demais e precisamos ficar esperando outros ônibus, porque não dá para entrar”.

O resultado são centenas de reclamações diárias por parte dos passageiros, como ônibus quebrados, goteiras, lotações e calorão, entre outros.

Segundo o diretor operacional da empresa, Paulo Vitor Brito de Oliveira, em coletiva de imprensa na última terça-feira (2), a suposta defasagem na arrecadação alegada pelos empresários tem impactado no investimento do serviço prestado.

“A renovação da frota, que hoje o Consórcio está impedido de fazer, é pelo desequilíbrio econômico-financeiro do contrato”, afirma. 

A empresa e a Agereg (Agência de Regulação dos Serviços Públicos Delegados de Campo Grande) travam uma intensa briga judicial sobre os reajustes no contrato entre as partes. O Consórcio alega prejuízos e defende uma tarifa técnica de R$ 7,79. O valor praticado, atualmente, é de R$ 5,95.

Esse valor é o que o Consórcio recebe por passagem, mas não é o mesmo cobrado do passageiro, pois a diferença é paga pela prefeitura e governo do Estado, em forma de subsídio.

Questionado se ocorreria renovação da frota neste ano, o diretor do grupo respondeu que não há possibilidade de comprar novos veículos sem fazer o reajuste do valor que é repassado ao Consórcio Guaicurus. “A gente depende da implantação da tarifa técnica”, defende. 

Última renovação de frota deixou mais de 100 ônibus “para trás”

A última renovação de frota do transporte coletivo da Capital foi em junho do ano passado, com 71 novos veículos. Na época, o número atualizaria apenas 15% da frota e deixaria 111 ônibus “vencidos”, ou seja, acima da idade média permitida, circulando pela cidade. 

Conforme estipula o edital de concorrência nº 082/2012, a frota de ônibus que circula no transporte público de Campo Grande deve ter média de cinco anos.

O que é a tarifa técnica?

Representantes da Agereg (Agência de Regulação dos Serviços Públicos Delegados de Campo Grande) e do Consórcio Guaicurus aprovaram, em dezembro de 2023, a tarifa técnica do transporte coletivo de Campo Grande em R$ 5,95, o que representou um aumento de R$ 0,15. 

A tarifa técnica corresponde ao total que é repassado ao Consórcio Guaicurus por passagem, somando a tarifa paga pelos usuários e subsídios da Prefeitura de Campo Grande e do Governo do Estado. A tarifa pública que é paga pela população foi reajustada para R$ 4,75, em 14 de março deste ano.

Lucro de R$ 68 milhões e nova perícia

Em 2019, o Consórcio Guaicurus pediu na Justiça uma perícia do contrato firmado com o Município de Campo Grande em 2012. O laudo pericial não identificou desequilíbrio econômico e, mês passado, foi determinada nova perícia para esclarecer algumas dúvidas.

Conforme as informações do processo, o laudo concluiu que não houve o desequilíbrio econômico do contrato. O patrimônio líquido acumulado após os 7 primeiros anos do contrato equivale a R$ 68.942.824,30, correspondendo a um crescimento anual de 21,75%.

Relembre: VÍDEO: passageiros ‘enfrentam’ chuva dentro de ônibus com goteiras em Campo Grande

Na decisão, o juiz Paulo Roberto Cavassa de Almeida, da 1ª Vara de Fazenda Pública e de Registros Públicos, aponta que o Consórcio venceu o processo se comprometendo em investir R$ 137.298.720,82, valor que corresponde à frota, a instalações e equipamentos, terrenos e pagamento da primeira parcela da outorga.

Com isso, a perícia feita no contrato identificou uma evolução patrimonial de 4,66% ao ano, enquanto a evolução do patrimônio líquido seria de 21,75%.

“Para justificar a discrepância entre a Taxa de Retorno de 21,75% relativo ao patrimônio líquido e 4,66% referente a evolução patrimonial calculada sobre o investimento inicial de R$ 137.298.720,82, disse o perito que poderia haver duas hipóteses: 1ª – o investimento demonstrado na proposta não foi efetivamente realizado, ou; 2ª – o valor do patrimônio líquido registrado na contabilidade não foi devidamente ajustado com base em reavaliação, o que demonstraria valores defasados”, diz trecho do laudo da perícia.

Para o magistrado, a conclusão da perícia deixou dúvidas sobre o real faturamento da concessionária e consequentemente sobre a existência de desequilíbrio econômico-financeiro.

Com isso, foi nomeado o Instituto Brasileiro de Estudos Científicos para esclarecer os pontos destacados, realizando nova perícia.

Consórcio pede multa de R$ 100 mil

Nesta semana, o Consórcio Guaicurus voltou a acionar a Justiça contra a Prefeitura de Campo Grande, por meio da Agereg (Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos) e Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito). O Município não estaria pagando a diferença entre as tarifas, no valor de R$ 1,20 por passageiro.

Conforme a manifestação, a Agetran teria pedido para ser removida do processo. No entanto, o Consórcio alega que a Agência assinou o Termo de Ajustamento de Gestão do TCE-MS (Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul). Ou seja, tem participação na ação.

Além disso, o Consórcio afirma que o Termo de Ajustamento não foi cumprido. A tarifa de ônibus foi reajustada para R$ 4,75, enquanto a tarifa técnica é estipulada em R$ 5,95. Desta forma, a cada passageiro o Município teria que pagar ao Consórcio o valor de R$ 1,20.

Dívidas do Consórcio

Porém, o repasse desse valor não estaria ocorrendo, conforme afirma a defesa do Consórcio. Por isso, a defesa relata que há um saldo devedor de R$ 4.749.610,38 para o período de março de 2023 a fevereiro de 2024.

Esse débito, para o Consórcio, estaria “desestabilizando, de forma grave, todo o seu sistema orçamentário do requerente e, por consequência, comprometendo, sobremaneira, a execução do serviço público de transporte municipal”.

“O aumento de simbólicos R$ 0,15 (quinze centavos) em nada altera a situação de desequilíbrio econômico existente, tendo como maior prova disso o fato de que em dezembro/2022 a Agereg apontou a tarifa de R$ 7,79”, afirmam os advogados do Consórcio.

Com isso, o Consórcio afirma que a Prefeitura de Campo Grande não está cumprindo a liminar. Ainda mais, foi feito pedido de que a Agereg tome as providências em prazo de 15 dias, sob pena de multa diária de R$ 100 mil.

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