Prefeitura é suspeita de ‘iludir’ moradores com falsas escrituras em ano eleitoral
Moradores dizem que receberam papéis como se fossem escrituras
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Moradores dizem que receberam papéis como se fossem escrituras
Dezenas de famílias que vivem em Corumbá, a 444 quilômetros de Campo Grande, suspeitam que tenham caído em uma ‘pegadinha’ da Prefeitura Municipal. Segundo os moradores, eles teriam recebido documentos da administração municipal apresentados como escrituras de imóveis ocupados, em alguns casos, há mais de 20 anos, e descobriram que os papéis são, na verdade, contratos de concessão.
As ‘entregas’ teriam ocorrido justamente no período de campanha eleitoral deste ano, quando o atual prefeito, Paulo Duarte (PDT) concorreu à reeleição, mas perdeu. Alguns moradores relatam que pessoas se apresentando como da Prefeitura chegaram a pegar de volta algumas das ‘escrituras’ quando foram questionadas sobre a validade e natureza dos documentos municipais.
De fato, Paulo Duarte sancionou uma lei em 14 de outubro de 2015, a 2.501, com o propósito de “legitimar contratos de concessão real de uso para fins de moradia”. A intenção oficial era agilizar o processo de regularização fundiária em Corumbá. Mas, a forma como a lei foi aplicada, com entrega de documentos meses antes das eleições, levantou suspeitas sobre as intenções.
“A gente mora aqui faz um tempão sem garantia nenhuma, daí aparece um pessoal dizendo que o prefeito vai ajeitar pra gente. É claro que ficamos muito felizes, porque político só lembra de pobre na época de campanha. A maioria acreditou que eram mesmo as escrituras definitivas, mas depois foram vendo que o papel não dá o direito mesmo da casa pra gente. É como se fosse só uma autorização pra gente continuar morando aqui. Isso pegou mal. Parece que estavam querendo enganar a gente mesmo”, lamenta um dos moradores.
A denúncia do suposto uso eleitoral da regularização fundiária, segundo a Prefeitura de Corumbá, já teria sido investigada e devidamente arquivada por um promotor de justiça. A reportagem tentou confirmar o arquivamento, mas na Justiça Eleitoral, a resposta é de que as informações não poderiam ser repassadas por telefone ou email.
A equipe esteve na última sexta-feira (11) em horário comercial no cartório eleitoral, que estava fechado. No local, um segurança informou que o expediente só seria retomado no dia 16 após o feriado de Proclamação da República.
A reportagem quis ouvir a versão da prefeitura, mas não conseguiu. Primeiro, buscou diálogo com a procuradoria geral do município, que encaminhou o caso ao gerente de Habitação da prefeitura, Madson Ramão.
A Ramão foi enviado um e-mail narrando o histórico das reclamações dos moradores. No entanto, o gerente não respondeu. A assessoria direta do prefeito Paulo Duarte informou que ele não comentaria a questão.
Moradores apresentaram à reportagem dois dos ‘títulos definitivos’, assinados pelo prefeito Paulo Duarte. E confirmam que receberam os documentos em plena campanha eleitoral, como se fossem as escrituras definitivas dos locais onde vivem.
Os documentos se referem a imóveis no loteamento Jatobá e Jatobazinho, ambos situados aos arredores do bairro Popular Nova. Conforme a denúncia, além destas regiões, os papeis também foram entregues a moradores do Jardim Aeroporto, bairro Tiradentes, Morro da Carlinda, loteamento Corumbá e bairro Cristo Redentor.
São todas regiões populares na periferia de Corumbá. O Midiamax visitou um dos locais que a prefeitura havia prometido, em outubro do ano passado, assim que sancionada a lei, a concessão real de uso para fins de moradia.
Entre os moradores, a esperança pela regularização das áreas embala o cotidiano sofrido de quem vive à margem da estrutura urbana mínima.
Juliana de Carvalho, de 50 anos de idade, disse que 22 anos atrás ela foi morar na localidade que chama-se hoje loteamento Jardinzinho.
Afastado da parte central de Corumbá, o lugar, oficialmente, não é abastecido com água nem possui rede elétrica. Fica ao lado de uma morraria arborizada, habitada por bichos selvagens, entre os quais onças, segundo os moradores.
“Damos um jeito, mais isso vai melhorar”, disse a moradora a quem a prefeitura, segundo ela, tinha prometido a escritura da casa. “Aqui criei meus seis filhos, e hoje tenho até netos comigo”.
Juliana disse que a área em questão, propriedade do município, foi ocupada por famílias de sem-teto. Conversando com alguns dos cerca de 300 moradores da região, nota-se que uma casa por ali custa de R$ 300 a R$ 2 mil.
Cláudia da Silva Pinho, 30, mora no Jardinzinho há pelo menos quatro anos. Ela, como Juliana, não tem documento algum que indica ser a dona do imóvel, mas está esperançosa quanto à promessa da prefeitura. “Estamos aguardando, o difícil aqui é a falta de água e luz”, disse.
Os moradores do local rateiam entre si o valor da água e da luz que captam.
Vanda Rosa, moradora do local há nove anos, além da casa, montou em seu lote uma igreja. A queixa principal dela também é a falta de estrutura no local. A religiosa também não tem documento de posse do lote.
Albertina Oliveira de Arruda, 73, uma das mais antigas moradoras do Jardinzinho, também aguarda o documento prometido pela prefeitura. Ela disse que guarda contigo um papel, que seria a escritura do imóvel, que conquistara em anos anteriores.
O QUE DIZ A LEI
Pela Lei 2.501, o favorecido perde o direito real de uso se:
a qualquer título ele transferir, transmitir ou ceder o imóvel a terceiros, sem prévia e expressa autorização do município; tornar-se proprietário de outro imóvel, seja urbano ou rural; não manter o imóvel em perfeito estado de conservação.
Além disso, o beneficiado perde o direito do domínio se abandonar o imóvel, ou der destinação diversa do estabelecido pela Legislação.
Diz ainda a lei que ocorrendo qualquer uma dessas hipóteses, o município poderá realizar nova concessão da área revertida.
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