Fake news reinaram durante eleições de 2022, mas Justiça Eleitoral foi severa em punições

Polarização reforçou circulação de informações falsas, mas TSE e TRE atuaram para barrar circulação de materiais apócrifos

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Urna eletrônica foi um dos principais alvos das fake news em 2022. (Foto: Divulgação/TRE-MS)

O ano de 2022 foi dominado pelas eleições gerais, que foram marcadas pela polarização e a consequente circulação das chamadas fake news, ou notícias falsas em português. Desde 2018, a Justiça Eleitoral vem reforçando o combate à desinformação, e em âmbito federal, foi severa nas punições.

Nem o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) nem o TRE-MS (Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul) têm dados de quantas ações foram ajuizadas especificamente contra fake news, dado o volume de movimentações. Além disso, é possível que muitas publicações falsas sequer foram denunciadas.

A polarização na eleição foi outro fator que dominou o pleito e se estendeu até mesmo após o fechamento das urnas, com manifestações que já duram mais de 30 dias. Porém, um advogado e ex-juiz do TRE ouvido pelo Jornal Midiamax avalia que a Justiça Eleitoral fez o que pode com a legislação existente e que as urnas devem ser respeitadas, ainda que protestos sejam aceitáveis.

Campanha foi marcada por fake news que envolveram até Jornal Midiamax

A campanha mal começou em agosto e o TRE precisou agir contra a circulação de notícias falsas. Dias antes do início oficial, a marca do Jornal Midiamax foi usada em um site falso.

Um texto apócrifo com ataques contra o governador de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), e o então pré-candidato tucano Eduardo Riedel, passou a ser compartilhado no aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp.

A direção do jornal denunciou o caso à Polícia Civil e Riedel foi ao TRE contra o site. O desembargador substituto Vladimir Abreu da Silva determinou que a página falsa fosse retirada do ar.

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Advogado do Midiamax foi à polícia contra uso da marca do jornal para divulgar notícia falsa. (Foto: Nathalia Alcântara, Arquivo, Jornal Midiamax)

Como se não bastasse, a corte ainda teve que obrigar usuários do WhatsApp a remover um vídeo que acusava o candidato ao governo pelo PRTB, Capitão Contar, de ser o criador do site apócrifo.

“Há o apelo ao imaginário político do eleitor, pelo uso de palavras e expressões como ‘gabinete de disparos’, ‘fake news’ e ‘site fake cair’, destinadas a acionar gatilhos, e que, associadas à trilha musical de fundo, buscam macular a imagem do representante Renan Barbosa Contar, associando-o a condutas ilícitas e em desacordo com a moralidade jurídica”, pontuou.

Além da desinformação, ataques à imprensa foram comuns. O Midiamax foi alvo de diversas ações do candidato ao governo pelo PSD, Marquinhos Trad. Em duas ocasiões, ele tentou impedir a veiculação de uma reportagem sobre o inquérito policial a que responde por crimes sexuais.

Às vésperas do primeiro turno, o ex-prefeito de Campo Grande obteve decisão favorável para remover dezenas de reportagens sobre a investigação da Polícia Civil, que só foi revertida durante a campanha de segundo turno.

E ao longo de toda a campanha, o TRE multou várias pessoas por divulgar fake news. Em um dos casos, duas pessoas foram multadas em R$ 5 mil cada por divulgar pesquisa de um instituto que sequer existe.

Na decisão de setembro, o juiz substituto do TRE, Ricardo Gomes Façanha, destacou que a legislação eleitoral obriga o registro de pesquisa no TSE para divulgação e que compartilhar levantamento sem anuência da corte é passível de punição.

“É preciso destacar que a publicação de pesquisas eleitorais falsas, em redes sociais, precisa ser combatida pela Justiça Eleitoral, visto que a internet é uma perigosa ferramenta de divulgação de informações inverídicas, amplamente utilizada nas campanhas eleitorais com o intuito de tumultuar o processo eleitoral”, escreveu.

Num caso semelhante, o Midiamax voltou a ser alvo de criadores de fake news. A marca do jornal foi usada em outra pesquisa falsa. Pela divulgação, seis pessoas foram multadas também em R$ 5 mil cada.

Polarização nacional refletiu em Mato Grosso do Sul

A disputa acirrada pela Presidência da República chegou aos estados, incluindo Mato Grosso do Sul. Dois candidatos, Capitão Contar e Eduardo Riedel, declararam apoio ao presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), que concorreu à reeleição.

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Eduardo Riedel e Capitão Contar declararam apoio a Jair Bolsonaro, mas presidente teve que ficar neutro no segundo turno. (Fotos: Clauber Cleber Caetano/PR e Reprodução/Facebook)

Ainda que não tenha visitado o Estado durante a campanha, o nome do presidente esteve em duas decisões locais. Em agosto, o TSE multou em R$ 5 mil a Copper (Cooperativa dos Produtores Agropecuaristas do Paraíso) por propaganda eleitoral antecipada.

A representação foi proposta pelo diretório nacional do PT. Fotografias anexadas ao processo demonstraram a existência de outdoors em vários locais do Brasil, incluindo nas cidades sul-mato-grossenses de Camapuã, Paraíso das Águas, Chapadão do Sul e Douradina. Já em setembro, o juízo da 31ª Zona Eleitoral mandou remover outro outdoor de apoio ao presidente em Sidrolândia.

Mas foi no último debate entre os candidatos à Presidência que a polarização cresceu. Bolsonaro decidiu declarar apoio a Capitão Contar, que acabou indo ao segundo turno no Estado.

A fala do presidente foi usada na campanha a tal ponto que o adversário, Eduardo Riedel, foi ao TRE pedindo que a peça fosse proibida de ser veiculada. Porém, o tribunal entendeu que valia apenas o esclarecimento de que a declaração foi no primeiro turno, já que Bolsonaro anunciou neutralidade na segunda rodada.

Com a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em outubro, começou uma série de manifestações em todo o Brasil, incluindo em Mato Grosso do Sul. Tudo começou com bloqueio de rodovias estaduais e federais.

Decisões judiciais determinaram a desobstrução das vias, mas pouco a pouco os manifestantes se dispersaram. Por outro lado, uma outra manifestação persiste até agora, faltando poucos dias para a posse de Lula.

Cidadãos que contestam o resultado da eleição estão há mais de 40 dias em frente ao CMO (Comando Militar do Oeste), em Campo Grande. Eles pedem apoio do Exército para uma intervenção que impeça o retorno do petista ao Palácio do Planalto.

Mesmo com pedido de vizinhos e até decisão judicial, os manifestantes continuam mobilizados em frente ao CMO.

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Manifestantes seguem em frente ao CMO mais de um mês após o segundo turno da eleição presidencial. (Foto: Henrique Arakaki, Arquivo, Jornal Midiamax)

Para advogado, legislação deve ser revista para ampliar combate às notícias falsas

O advogado Elton Nasser, que foi juiz do TRE-MS entre 2012 e 2014, avalia que as urnas foram soberanas, mas que o Congresso Nacional precisa agir para reforçar o combate às fake news.

“Infelizmente, as fake news estiveram presentes em 2022. A Justiça Eleitoral cumpriu seu papel nas decisões, na comunicação com a sociedade, e trazendo conscientização averiguando tudo o que foi veiculado. Foi estabelecida uma linha divisória entre o que é fake news e o que é fato”, disse.

Apesar de várias multas terem sido contestadas, Nasser reforça que o Judiciário fez o que lei previa. “A Justiça Eleitoral aplicou as punições pertinentes. Essas decisões terão efeito pedagógico, mas o Congresso precisa estabelecer uma legislação mais intensa, com efeito sancionatório maior”, ponderou.

Sobre os questionamentos dos resultados, o advogado aponta que estes devem ser direcionados à Justiça, tendo embasamento. “As urnas eletrônicas sedimentaram sua credibilidade. Discutir o resultado delas deve ser devidamente fundamentado, não em alegações não comprovadas. Qualquer questionamento deve ser pela via judicial. A manifestação é um descontentamento, a população pode protestar, sem ferir os direitos fundamentais inclusive de ir e vir e dentro dos limites da própria legalidade”, comentou.

Além disso, Nasser acredita que a troca de gestão no governo federal precisa ser pautada pela união. “É um momento de união. Entendo que o resultado deve ser respeitado e o novo governo garanta o legítimo direito à oposição. Mas essas eleições provaram que o brasileiro está apaixonado pela política”, concluiu.

Justiça Eleitoral não dimensionou tamanho do universo de fake news

A reportagem questionou tanto o TRE como o TSE para saber se há levantamento específico de quantas ações foram julgadas para remoção de fake news. Mas nenhuma das duas cortes têm esses números.

Apesar de haver assuntos específicos para isso, como a chamada “Divulgação de Notícia Sabidamente Falsa”, a Justiça Eleitoral só tem neste momento um panorama geral. Esses processos são classificados como Representação, sendo ajuizadas 259 neste ano no Estado.

Por outro lado, o TSE contou com o Sistema de Alerta de Desinformação contra as Eleições. Até outubro, a corte encaminhou 22.109 alertas para as plataformas, sendo 2.732 disparos em massa e 15.406 perfis de usuários com indícios de comportamento inautêntico.

E um estudo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) contabilizou a circulação de  202,5 mil mensagens falsas durante a campanha de primeiro turno e 311,5 mil no segundo turno. Alegações de fraude e apelos moralistas dominaram a discussão.

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