Grupo que deu vida aos primeiros celulares de Campo Grande se reúne após 25 anos: ‘Celebrar’
Ex-funcionários de empresa de telefonia marcaram encontro e relembram histórias de um trabalho de extrema relevância para Mato Grosso do Sul.
Graziela Rezende –
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Ter um celular na palma da mão parece tão simples e acessível que a gente nem imagina a trabalheira que foi quando chegaram os primeiros celulares, na década de 90. Em Campo Grande, a empresa de telefonia que distribuiu os 1,5 mil aparelhos iniciais se chamava Telems – hoje Oi. A extensa fila que se formou lá na frente está na memória de muitos ex-funcionários inclusive, chegando a 10 mil pessoas. E foi justamente esta turma que se reuniu, após 25 anos, para celebrar a amizade e relembrar o trabalho de extrema relevância para Mato Grosso do Sul.
Tudo começou quando a antiga agente administrativa Edinéia Aparecida Lourenço Silveira, de 55 anos, foi convidada para o “almoço das telefonistas”, há cerca de dois anos. “Lá estava eu, o Uechi, a Matilde, a Marli e Nilo, todos colegas do meu setor, que era o COR [Centro de Operações de Rede] e COS [Centro de [Operação de Serviços] e o 103 e 104, onde a gente desempenhava as nossas funções, uma sala bem grande. Na hora eu pensei: a gente podia reunir a nossa turma também, que era um pessoal muito bom de trabalhar. O Uechi então marcou a confraternização e me convidou pra ajudar a organizar a festa.”, contou ao Jornal Midiamax.
Neste ano, no mês de novembro, decidida a concretizar o evento, Edinéia entrou em contato com um dos colegas e este criou um grupo no WhatsApp. Ao todo, ela imaginava cerca de 50 pessoas, mas, 70 começaram a participar e o encontro foi organizado em menos de um mês. “Esta é a turma que atendia ao cliente que reclamava de defeito no telefone, pedia mudança de número, de endereço, entre vários outros problemas. Isto tudo estamos falando de telefone fixo, depois é que veio o aparelho celular”, contou.
Na época da implantação dos celulares, Edinéia disse que ela e os colegas é quem fizeram o cadastro dos aparelhos. “Tinha um código imenso, um número de série que, se o telefone fosse roubado, não tinha como a pessoa usar e, inclusive, um colega estava contando aqui que encontrou o celular de uma pessoa importante da cidade. Era daqueles tijolão mesmo e ele conseguiu reconhecer por conta do número de série, então, não tinha como roubar e sair usando. Agora no caso do telefone fixo aconteciam muitos casos de chiado, de telefone mudo e gente pedindo a mudança de endereço”, relembrou.
Telefonistas dormiam na empresa: ‘Não existia Uber’
Neste resgate de histórias, Edinéia diz que também descobriu como surgiu o setor dela na empresa e até contou a amizade com as telefonistas, o que fazia ela e as colegas descansarem na sala delas na hora do intervalo após o almoço. “Lá era 24 horas e não existia Uber e ônibus de madrugada como hoje, então, elas dormiam lá. Tinham uma sala e banheiro lindo, que antes eram nosso e por isso a gente ia descansar lá na sala delas. Depois é que houve a reforma e fomos para o prédio da Embratel [Empresa Brasileira de Telecomunicações], então, são lembranças boas e é uma felicidade imensa estar neste encontro”, falou.
A antiga telefonista Mara Lúcia Gamarra Lescano, de 62 anos, hoje aposentada, comenta que possui muito orgulho da sua profissão, hoje em extinção. “Eu comecei em 1980 e passei por alguns setores. Tem 12 anos que não estou mais na empresa, fiquei 31 anos ao todo. Fiz muita amizade por lá. Alguns colegas já morreram e agora a gente tá reunido no WhatsApp de novo, estamos convivendo e está sendo maravilhoso”, alegou.
Atendente na empresa e apelidado de Botafogo, Silvio Augusto Uechi, de 64 anos, atualmente aposentado, relembra que também registrou os primeiros telefones celulares em Mato Grosso do Sul. “Era tudo anotado em um fichário enorme. Não existia computador e aí colocávamos todos os nomes e telefones, tudo de forma manual, anotado em uma fichinha. E daí se a pessoa falava que tinha um defeito no 383 2020 a gente pegava aquele fichário. Ninguém tinha preguiça, lembro que depois chegou o computador e ficávamos até tarde da noite colocando tudo no sistema”, comentou.
Piadista da turma, Uechi também não perdia a oportunidade brincar com os colegas. “Eu falei uma vez para ele que só tomava Skol. E uma vez ele pegou a Antarctica, trocou o rótulo e foi lá e me deu. Tomei duas, ele me perguntava se estava boa e eu dizia que sim. Daí do nada ele veio e falou: ‘Isso não é Skol coisa nenhuma, é Antarctica. Foi uma farra, me lembro até hoje”, relembrou Tânia Maria da Silva Rezende da Cruz, de 64 anos, também aposentada.
‘Vira e mexe tinham casos de escuta telefônica’, diz atendente
No entanto, Uechi diz que o serviço era levado “muito a sério”. “Naquela época era tudo rede física, diferente de hoje que tem a rede virtual. Na minha área também tinham muitos casos de escuta telefônica e aí dependia do setor jurídico pra gente repassar todas as informações. Não eram pedidos rotineiros, mas, vira e mexe tinha um caso. Era realmente um trabalho de equipe, então, muito bom a gente resgatar este relacionamento. Passou uma vida e estamos aqui”, ressaltou.
Engenheiro e ex-gerente da empresa, quando ainda era a Telemat, Heriberto Gerivaldo Liberatti, de 69 anos, disse que chegou em Mato Grosso do Sul no ano de 1988. “Um ano após a divisão da empresa eu fui transferido e cheguei em Campo Grande. Eram cento e poucos mil usuários de telefone e cada um tinha que ter a sua linha. Aí em 1998 entrou o celular e eu trabalhei nesta implantação, fazendo as primeiras vendas. A gente tinha 1,5 mil números para vender na cidade e fizemos o anúncio da inscrição na sede que fica ali no bairro Cruzeiro. Para se ter uma ideia, começamos a atender oito da manhã e, meia-noite do dia anterior, já tinha gente na fila”, comentou.
Conforme Heriberto, no decorrer das horas, quando a fila virava quadras e juntou cerca de 10 mil pessoas na disputa por um celular, teve quem vendesse lugar por cerca de mil reais. “Hoje é tão fácil, todo mundo tem acesso a um celular, mas, foi algo muito disputado na época. E era o telefone tijolão, aquele que tinha uma anteninha. Eu, que era gerente, só fui ter celular cerca de dois anos depois, quando ampliou. Antes, só a diretoria mesmo, que tinha acesso. Eles tinham que ter, além de governador e prefeito”, explicou.
Olhando para trás, Heriberto diz que os funcionários realizaram um trabalho diferenciado. “De 1,5 mil celulares passou para 10 mil, 30 mil e 100 mil muito rápido. Chegamos a 20 mil aparelhos no segundo ano, mudando o planejamento que a diretoria tinha feito na época. Foi um trabalho excepcional em equipe e logo chegamos em Dourados, Três Lagoas, Corumbá e Aquidauana. Eu vim do Paraná e também tive experiência trabalhando em Cuiabá, Rondonópolis e Brasília. Me aposentei em 2015″, contou.
‘Celular tocou no shopping e todo mundo veio’, diz ex-gerente
O também gerente Marian Jan Schudechi Júnior, ao receber um aparelho celular, diz que passou por situações inusitadas. “Lembro que fui no shopping aí o telefone tocou lá. Juntou um monte de gente ao meu redor, querendo ver, fazer ligação. Dei pra um e ele ligou pra mãe, falando que estava lá falando de um celular. Eu tinha um porque precisava, mas, orientei o pessoal da empresa a dar oportunidade para quem quisesse comprar primeiro. E ali todo mundo se conhecia, se respeitava, mas, se tivesse que xingar xingava também, não tinha essa”, afirmou.
Marian disse que também se relembra desde os problemas com telefone fixo até a implantação com o celular. “Eu comecei como agente administrativo e fui criando vínculo. Chegou a informatização e passamos pela transição. Eu fui ser o responsável pelo sistema, então, estar aqui com esse pessoal é maravilhoso. Passamos por muitas coisas juntos e eu rodei na empresa, até que fui transferido para Brasília. Agora já retornei. Mesmo eu sendo paulista aqui é a minha casa. Cheguei em Mato Grosso do Sul em 1974”, falou Marian.
O caçula da turma é o engenheiro Gustavo Henrique Silva de Oliveira, de 45 anos. Ele participou do projeto ‘Bom Menino’ e este era o apelido que tinha dentro da Telems.
“Foi o meu primeiro local de estágio. Fui enviado por uma entidade, a Promosul, que cuidava do bem-estar do menor e aí que eu conheci estar turma toda que está reunida hoje. Está sendo muito legal reencontrar todo mundo. São 30 anos, praticamente, sem se reunir assim”, avaliou.
‘Levei o celular na escola e fiquei exibindo’, brincou ex-estagiário
De acordo com o Gustavo, a empresa e os colegas o ensinaram a ter um bom relacionamento com o próximo, a conviver e trabalhar em equipe, respeitar as hierarquias, entre outros aprendizados. “Eu também peguei essa transição do telefone fixo para o celular e foi muito engraçado que vi a empresa dar vida as primeiras linhas de telefone. Vi os testes e aí entregavam o aparelho para ficar cada dia com um. No meu dia, foi muito engraçado que levei para sala de aula e fiquei me exibindo lá. No ônibus, voltei falando com a minha mãe o tempo todo”, relembrou.
Por fim, Gustavo diz que saiu da empresa, fez faculdade e retornou novamente para o outro estágio, em meados do ano 2000, quando a empresa já se chamava Brasil Telecom. “É aquele lugar e estes colegas que são os responsáveis por todo o meu início profissional. Todo mundo era gente boa demais, foi um tempo maravilhoso e por isso estou aqui”, finalizou.
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