Mulheres só terão mesmo espaço na política em 170 anos, diz pesquisa
Apesar de ser uma das poucas nações do mundo a contar como uma mulher como presidente e de ter uma lei de cotas, o Brasil está na lanterna em termos de participação feminina na política. No ranking internacional da Inter-Parliamentary Union (IPU), o País se encontra no 142º lugar, só perdendo para o Haiti e […]
Apesar de ser uma das poucas nações do mundo a contar como uma mulher como presidente e de ter uma lei de cotas, o Brasil está na lanterna em termos de participação feminina na política. No ranking internacional da Inter-Parliamentary Union (IPU), o País se encontra no 142º lugar, só perdendo para o Haiti e Belize no continente americano. Professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, José Eustáquio Diniz Alves, projeta um cenário desanimador para as brasileiras. Ele calcula que serão necessários 170 anos para se atingir a paridade entre homens e mulheres na política do País.
“Se tomarmos como base a média de avanço na Câmara dos Deputados de 1982 (8 mulheres eleitas) para 2010 (45 eleitas), isso significa cinco mulheres por eleição. Como para se chegar à metade dos representantes é preciso atingir 256 ou 257 deputados, neste ritmo, seriam necessários 170 anos para se chegar à paridade”, afirma Eustáquio. Levantamento feito pelo pesquisador, com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), aponta que a representação feminina nas Câmaras de Vereadores é maior do que no Congresso Nacional, onde o percentual de participação não atinge 10%. Nas eleições municipais de 2008, 21% dos candidatos a vereador eram mulheres, e 12,5% delas foram eleitas.
Nas eleições municipais de outubro, a situação pouco deve se alterar, mesmo com a promessa de haver uma fiscalização maior no cumprimento da lei de cotas – que prevê que cada partido ou coligação deverá preencher o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo nas eleições proporcionais (vereadores e deputados).
Segundo Eustáquio, a lei de cotas é o primeiro passo para se atingir a paridade de gênero. “É uma forma de garantir que os partidos deem igualdade de oportunidades para homens e mulheres. Mas isto também não basta, pois é preciso garantir igualdade na distribuição dos recursos para a campanha e no horário de propaganda”, aponta.
Para a professora do Departamento de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Clara Araújo, a tendência para as próximas eleições é que haja um aumento na participação feminina, mas de forma muito tímida. “Infelizmente, no Brasil a política ainda deve permanecer por muitos anos como coisa para homens”, pontua. Segundo ela, o efeito da eleição de Dilma Rousseff à Presidência deve ser percebido, porém não a curto prazo. “A conquista de Dilma foi uma avanço, ao mostrar que não existe todo esse preconceito em relação às mulheres como se imaginava. Mas esse efeito simbólico, não é imediato, vai trazer resultados ao longo dos anos”, afirma Clara.
Para a professora da Uerj, o problema não se resolve pela lei de cotas. “Os partidos têm dificuldades de encontrar mulheres dispostas a concorrer porque elas sabem que não competem com igualdade de condições com os homens. Precisamos o mais rápido de uma reforma política que contemple o financiamento público de campanhas e as listas fechadas de candidatos”, afirma Clara Araújo. Segundo ela, a Argentina conseguiu atingir 40% de participação feminina nos cargos eletivos graças à adoção do modelo em que o eleitor não vota apenas em um candidato, mas na lista de nomes do partido.
Para Clara Araújo, a lei de cotas – criada há 14 anos – ainda não mostrou sua eficiência porque falta comprometimento dos partidos. “Preencher a lista de candidatos de um partido é um desafio, porque são necessários muitos nomes. Como não há interesse em estimular a participação feminina, muitos acabam investindo em candidaturas de fachada somente para apresentar bons números à população”, afirma. Ela ainda destaca que, mesmo não cumprindo as regras, também não há punição para as siglas.
Nas eleições de 2010, o Ministério Público Eleitoral (MPE) do Rio de Janeiro abriu investigação após suspeitas de que várias siglas usaram candidatas “laranja”. “Para burlar a regra, várias siglas entregaram a lista de candidatos com nomes fictícios de mulheres, somente para preencher a cota. Fizemos uma apuração e constatamos que muitos usaram até desenhos, avatares, no lugar das fotos das candidatas, em uma fraude descarada”, afirma o procurador eleitoral do Rio, Maurício da Rocha Ribeiro. Segundo ele, a denúncia do MPE foi encaminhada ao Tribunal Eleitoral, que nada fez já que o descumprimento da lei de cotas não prevê punição.
“A lei prevê 30% de mulheres candidatas, mas não determina nenhuma punição. Então ficamos de mãos atadas”, afirma o procurador, ao destacar que, nas eleições para deputado em 2010, apenas o Psol cumpriu com a regra da lei de cotas no Rio de Janeiro. “Apesar disso, todos os promotores estão orientados a acompanhar a inscrição das candidaturas e apresentar denúncias quando ficar evidente a utilização de laranjas. É nosso papel fiscalizar e contamos com o apoio da população para denunciar fraudes”.
Cotas nos partidos
Secretária nacional de Mulheres do PT, Laisy Morière afirma que a executiva nacional do partido orienta os diretórios municipais a respeitar a lei de cotas, mas concorda que é difícil ampliar a participação feminina. “Os partidos insistem em não investir nas mulheres. O PT está começando a mudar isso, já que ano passado conseguimos aprovar que metade dos cargos nos diretórios e na executiva sejam ocupados por mulheres. Só que esse avanço não tem resultado imediato nas eleições, ainda temos muita dificuldade para encontrar candidatas”.
A presidente do PSDB Mulher, Thelma de Oliveira, afirma que a sigla também enfrenta dificuldades de encontrar mulheres dispostas a se lançar na política. “O PSDB é um partido dos mais conservadores, se formos analisar a participação feminina. Estamos trabalhando para garantir que pelo menos 30% dos diretórios e da executiva sejam compostos por mulheres. Hoje ainda estamos muito longe disso”, diz.
Para o pesquisador do IBGE, no ano em que o Brasil comemora 80 anos do voto feminino – garantido a partir de 1932 – é o momento de partidos, lideranças e a população reavaliarem o papel da mulher para o futuro político do País. “Está na hora de começar a mudar o quadro de exclusão das mulheres dos cargos da política formal. Em 2012, vai ser a primeira vez que teremos uma eleição municipal enquanto o País é dirigido por uma mulher no Palácio do Planalto e por outra mulher no TSE (ministra Cármen Lúcia). Deveria ser o começo de uma grande mudança”, completa José Eustáquio.
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