‘Homem de confiança' de Santos Pereira foi mantido em cargo estratégico com arquivamentos administrativos. Documentos oficiais revelam que vários esquentamentos foram flagrados no Departamento de Trânsito de Mato Grosso do Sul.

O diretor de Segurança no Trânsito e Controle de Veículos do (Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso do Sul), Nelson Gonçalves Lemes, foi indiciado em sindicância de 2008 pelo crime previsto no artigo 311 do Código Penal Brasileiro, mas continua trabalhando após o arquivamento administrativo do processo.

O crime definido pelo artigo 311 é “adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento” e tem pena prevista de reclusão, de três a seis anos, além de multa.

Nelson é apontado como “homem de confiança” do diretor-presidente, Carlos Henrique dos Santos Pereira, e ainda acumula a presidência da Comissão de Leilão do órgão estadual. A informação sobre o indiciamento está em um relatório da própria Corregedoria do Detran-MS de 15 de dezembro de 2009.

Segundo o documento da Corregedoria, Nelson Lemes foi enquadrado no parágrafo segundo, que estabelece: “Incorre nas mesmas penas o funcionário público que contribui para o licenciamento ou registro do veículo remarcado ou adulterado, fornecendo indevidamente material ou informação oficial”.

Mesmo com a gravidade do crime, justamente para o diretor responsável pelo controle de veículos registrados no Detran de Mato Grosso do Sul, o diretor-presidente do órgão não soube detalhar se Nelson sofreu algum tipo de sanção e não se manifestou sobre como ele continua no cargo estratégico após o indiciamento.

Para a reportagem, Carlos Henrique assegurou que “todas as informações serão repassadas com detalhamento pelos setores apropriados”. Desde então, após inúmeros contatos, ninguém do Detran-MS se manifestou oficialmente sobre a Sindicância Administrativa 58/08, que investigou “irregularidade administrativa em vistoria e transferência de veículo”.

De acordo com o relatório da investigação conduzida pelo delegado de polícia Fernando Paciello Junior, finalizado em 8 de outubro de 2008, o automóvel VW Gol de placas HQZ-6539, com sinais de adulteração, foi liberado pelo funcionário Everton Moslaves Teixeira por ordem direta de Nelson Gonçalves Lemes.

Segundo Everton contou no depoimento, um homem o procurou e solicitou a liberação do automóvel dizendo que Nelson já havia autorizado o procedimento. Como ainda não havia feito o laudo pericial para constatar a adulteração suspeitada, o funcionário do Detran-MS procurou diretamente o Diretor de Registros, Nelson Lemes, que teria dado a ordem expressa para liberação do carro mesmo sem a perícia.

Nelson admitiu que teria dado a ordem ilegal. “(…) o interrogando autorizou a liberação do automóvel para o Sr. Isaias Alves dos Santos, porém com a ressalva de que o mesmo deveria, de posse do laudo pericial, e se este concluísse que o número do motor realmente encontrava-se adulterado, procurar a Defurv ou o Detran”, diz o relatório da sindicância.

Na prática, o diretor responsável pela segurança no trânsito e responsável pelo controle de veículos do Detran-MS entregou um motor com suspeita de adulteração para o dono mesmo verificar. “É como achar alguém com um pacote de maconha e liberar porque se trata de um conhecido, dizendo: verifica por aí se é droga mesmo, e, se for, volta aqui”, ironiza um delegado aposentado que leu o processo.

A Resolução 282, publicada em 26 de junho de 2008 pelo Contran (Conselho Nacional de Trânsito), determina no artigo sétimo que motores com sinal que possa indicar alteração “Deverão ser imediatamente encaminhados à autoridade policial”.

Ouvido na época, Nelson usou argumento semelhante ao utilizado recentemente pelo chefe dele, Carlos Henrique dos Santos Pereira, para justificar porque pagou por fora dos trâmites burocráticos convencionais, com dinheiro do próprio bolso, pelos danos em um carro que foi furtado do pátio do órgão em Campo Grande.

“Me compadeci da situação do dono, que precisava do carro para transportar a filha, e resolvi ajudar”, disse o diretor-presidente do Detran-MS.

Já o diretor de Controle de Veículos assegurou na sindicância que ordenou a liberação de um carro com suspeita de adulteração porque o homem que tentava documentar o automóvel “dependia do veículo para trabalhar”. Ele ainda sustentou que não teria extrapolado suas funções, e que no ano de 2005 o veículo havia sido vistoriado e aprovado, segundo relatou o delegado que conduziu o processo.

Prática comum

O relatório da sindicância termina sem informar sobre o destino da investigação, dizendo apenas que seria encaminhado ao Corregedor do Detran-MS para “crivo e demais medidas administrativas cabíveis”.

No entanto, a reportagem teve acesso a um “Balanço da Gestão 2009” da Corregedoria de Trânsito do Detran-MS, no qual há um capítulo inteiro falando sobre a “Legalização de veículos que apresentavam motores adulterados”.

Segundo o então corregedor, delegado de Polícia Civil André Luiz da Costa Pacheco, pelo menos seis sindicâncias administrativas teriam identificado “casos em que houve a aprovação junto à e consequente regularização de veículos que apresentavam evidentes sinais de adulteração”.

Sobre a situação específica do diretor Nelson Gonçalves Lemes, o delegado fez questão de registrar no documento que não havia tomado parte dos procedimentos.

“Cabe ainda destacar que, muito embora o funcionário Nelson Gonçalves Lemes tenha sido indiciado pelo crime capitulado no art. 311, §2º, CO (SAD 076/08), houve o arquivamento administrativo (SAD 058/08) e judicial do processo (001.09.047409-1). Deve-se frisar que a sindicância administrativa n.º 058/2008 não foi presidida por este subscritor”, relatou o delegado.

O diretor Carlos Henrique dos Santos Pereira garante que nada teria ficado impune desde que ele assumiu o órgão, em 2008, mas não respondeu sobre o caso de Nelson. “Isso aí é melhor ver direito com a corregedoria”, esquivou-se.

Segundo a assessoria de imprensa, a atual corregedora de trânsito entraria em contato com a reportagem assim que tivesse detalhes sobre o assunto, porque estava em viagem. A equipe tentou ainda falar com o diretor indiciado, mas a informação foi de que o mesmo não estaria no órgão por problemas de saúde. Até o fechamento do texto, não houve nenhum retorno por parte do órgão.