Casagrande revela medo de recaída: ‘sou derrotado perante a droga’
Depois de sofrer derrotas consecutivas durante três décadas, Walter Casagrande Júnior vem tentando há dois anos virar o placar, conquistando vitórias diárias com ajuda de auxiliares em uma competição sem prazo de encerramento. O comentário resume o empenho e técnica adotada para evitar o ataque do adversário: as drogas. “Se saio sozinho, estou num bar […]
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Depois de sofrer derrotas consecutivas durante três décadas, Walter Casagrande Júnior vem tentando há dois anos virar o placar, conquistando vitórias diárias com ajuda de auxiliares em uma competição sem prazo de encerramento. O comentário resume o empenho e técnica adotada para evitar o ataque do adversário: as drogas.
“Se saio sozinho, estou num bar tomando um chopp com os amigos e tenho vontade de ir num banheiro, eu fico receoso. É no banheiro que as pessoas usam cocaína quando estão no bar. Eu então evito. Pego meu carro e vou até minha casa. Sempre que saio sozinho, fico ao redor da minha casa. É meio desgastante esta preocupação, mas eu prefiro não correr o risco”.
Da posição de um provável rebaixamento definitivo, após sofrer quatro overdoses entre 2005 a 2007 pelo uso de cocaína e heroína, o ex-jogador da Seleção, ídolo da torcida corintiana e comentarista de futebol da Rede Globo tenta atualmente a ascensão ao equilíbrio, declarando ser impotente frente ao oponente.
“Sou um derrotado perante a droga”, diz ele. A admissão é o primeiro passo para se livrar do vício que esteve presente em 60% de sua existência e que culminou em um acidente quase impensável: há cinco anos, em setembro de 2007, ele capotou o veículo que dirigia e atingiu vários carros parados em uma tranquila rua da Vila Romana, na zona oeste da capital paulistana.
Visivelmente alterado, ele foi levado para um hospital, no qual permaneceu durante três dias em estado de confusão mental. Dali, Casão, apelido pelo qual os amigos lhe chamam, seguiu para um internamento compulsório em uma clínica de recuperação de Itapecerica da Serra (SP), onde passou um ano se preparando para retornar.
Após sair de lá, ele ficou mais um ano se reservando. “Eu tinha medo de sair de casa. O ano passado é que me senti mais tranquilo para voltar a tentar levar uma vida normal. Hoje já vou a shows, saio à noite, mas na maior parte do tempo sempre estou acompanhado de uma psicóloga”, conta.
Palestra
No atual estágio de seu tratamento, Casagrande pratica outro passo recomendado por especialistas em reabilitação de dependentes e compartilha sua história em palestras para auditórios lotados. Foi numa delas, realizada na noite de sexta-feira em Maringá (PR), que o Terra conversou com o comentarista.
Ele estava ali como convidado do Sesi/PR para um ciclo de palestras iniciado em julho em Curitiba e que deverá percorrer várias cidades do interior paranaense nos próximos meses. A ideia é alertar trabalhadores sobre os riscos da dependência causada por álcool e drogas. Uma pesquisa do órgão revelou que usuários destas substâncias estão envolvidos em 65% dos acidentes de trabalho, faltam dez vezes mais, utilizam 16 vezes mais o plano de saúde e solicitam seis vezes mais indenizações e empréstimos nas empresas do estado.
Casão participou de dois encontros. Pela tarde, esteve em um indústria de lingerie para falar com um público de 200 pessoas, composto em sua maioria por mulheres. A maioria o desconhecia, mas se mostrou interessada em seu depoimento. À noite, no ginásio de esportes do Sesi em Maringá, ele conversou com 400 pessoas sobre o assunto. Ao seu lado, durante todo o tempo, estava a psicóloga Daniela Gallias, que viaja com o ex-jogador durante as transmissões de jogos e palestras.
Ela atua como assistente terapêutica e tem a missão de evitar situações de risco para o comentarista. Como um técnico que acompanha a partida ao lado do campo, ela faz orientações e se necessário até substitui pessoas em volta do ex-jogador.
Tratamento
Ainda com crises de ansiedade e de depressão (ocasionais) – “tomo medicamentos para que esses sintomas não se tornem um risco de recaída” -, Casagrande foge do estereótipo de ex-dependentes e não quer que as pessoas o vejam como exemplo de nada. “Quero conscientizar as pessoas sobre o que é dependência química. Explicar que é uma doença. Tratar o assunto sem preconceitos. O cara que usa droga não é um vagabundo. Ele é doente e precisa de tratamento”, diz ele.
Casão, no entanto, não fala sobre prevenção. “As pessoas usam drogas por conta própria, ninguém é influenciado ao vício. É uma escolha individual. Se tiver a conscientização sobre a dependência química, ela poderá avaliar melhor sua escolha. Mas eu evito essas campanhas com o tema ‘Diga Não às Drogas’. Como vou falar só isso para o cara se eu mesmo usei por um longo tempo. Prefiro falar sobre as consequências e alertar para o tratamento”.
Ao contrário de depoimentos de ex-dependentes, a palestra de Casagrande não se baseia no apelo emocional das tragédias que viveu sob a influência do vício. Evita tocar no tem de religião e conta a derrota interna que sofreu para as drogas enquanto as pessoas o viam na mídia erguendo taças nos campos de futebol. Adverte que há tratamento e se define como um “dependente químico em recuperação”. O ex-jogador comparece semanalmente a sessões de terapia e consulta regularmente seu psiquiatra.
Autoestima
O comentarista acredita que sua estadia na clínica o ajudou a compreender a vida sob um prisma diferente, mas sem abrir mão do que gosta. O ex-jogador afirma que tem um permanente “vazio” dentro de si após largar os gramados, mas hoje aprendeu como conviver com o sentimento.
“Antes, após parar de jogar, eu buscava completar este vazio como comentarista. Não deu certo e acentuou o uso da droga. Hoje eu sei que não dá para tentar tapar o vazio que ficou, mas descobri outras opções prazerosas. O trabalho de comentarista e as palestras que faço me dão prazer agora, mas não estou substituindo nada. O vazio vai continuar lá”, afirma.
A ideia, de acordo com Casagrande, é reavaliar os conceitos e manter a autoestima, sentimento ausente no dependente químico. “Continuo gostando de rock. Meus ídolos ainda são os mesmos, Janis Joplin, Jimi Hendrix, Jim Morrison e The Doors. Mas agora avalio a competência musical deles e não desejo ter a vida deles, não quero imitá-los. Eles viveram uma vida ruim e eu tive a vida ruim deles por um bom tempo. Não quero mais isso para mim”, diz ele.
Agora conscientizado sobre sua dependência, o ex-jogador diz que não pode fugir da droga que está em todo o lugar, segundo ele. “Mas sei que sou impotente perante ela e que devo evitar. Não deixei de ter amigos, mas fiz uma peneira e sobraram poucos, mas de qualidade”, afirma. Também não abandonou o gosto por shows e pela noite. Após a palestra no Sesi/PR, o comentarista seguiu ansioso, levando a psicóloga a tiracolo, para ver a banda Kid Abelha que se apresentava na cidade.
Antidoping
Em entrevista coletiva em Maringá, Walter Casagrande criticou a suspensão de dois anos aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) ao goleiro Rodolfo do Atlético-PR. No inicio de agosto, Rodolfo admitiu ser dependente de cocaína e aceitou a internação voluntária em uma clínica de recuperação, após ser pego em exames antidoping.
Casagrande defende que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) precisa repensar a situação de jogadores que fazem uso de drogas. “O problema da droga hoje é social. Ninguém usa crack, maconha ou cocaína para aumentar o rendimento. Então o jogador ser suspenso dois anos não está ajudando em nada. Acho que devia uma ajuda psicológica, um tratamento e não ser suspenso da profissão”, disse ele. Para o comentarista, o uso de drogas “não tem nada a ver com doping”.
Casão ainda elogiou a posição do goleiro atleticano, que aceitou a internação e admitiu a dependência. Mas lembrou que isso é só o início. “Depois tem que matar um leão a cada dia. No meu caso, mesmo depois da internação na clínica, continuo em tratamento para tentar evitar que eu caia em outra situação de total descontrole”, conclui.
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