Ariano Suassuna, na Flupp: “sou um homem da esperança”

Um dos mais importantes escritores e poetas do Brasil, o paraibano Ariano Suassuna emocionou o público que foi ao Morro dos Prazeres, no primeiro dia da Feira Internacional de Literatura das UPPS (Flupp), no Rio, nesta quarta-feira (7). Pisando pela primeira vez em uma favela carioca, Suassuna não escondia a satisfação pelo convite de estar […]

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Um dos mais importantes escritores e poetas do Brasil, o paraibano Ariano Suassuna emocionou o público que foi ao Morro dos Prazeres, no primeiro dia da Feira Internacional de Literatura das UPPS (Flupp), no Rio, nesta quarta-feira (7). Pisando pela primeira vez em uma favela carioca, Suassuna não escondia a satisfação pelo convite de estar no lugar que ele classifica, inspirado nas palavras de Machado de Assis, de “Brasil real”, ou “Brasil do povo”.

Do alto de seus 85 anos, o autor de clássicos da literatura brasileira como O Auto da Compadecida e O Romance da Pedra do Reino deu uma verdadeira aula de cultura popular e, por que não dizer, de sabedoria. Sem grande esforço, conquistou o púbico que lotava o espaço do GEO (Ginásio Experimental Olímpico), onde se concentraram as atrações da feira na noite de quarta-feira (7).

Suassuna enalteceu o processo de pacificação das favelas cariocas, pelo qual também passa o Morro dos Prazeres, no tradicional bairro de Santa Tereza. “Pela primeira vez, estão vendo, reconhecendo, que nas favelas tem gente ordeira, trabalhadora e que é vítima do crime como todo mundo.” Para ele, de certa maneira, “estão libertando o povo brasileiro”.

Apesar de derramar elogios sobre o processo implantado no Rio, ele fez um alerta: “não sou idiota não, essa libertação tem que ir adiante”. Em entrevista aos jornalistas, Suassuna, numa conversa cercada de poesia, avaliou o cenário mundial e brasileiro e lançou várias reflexões sobre o processo social “da humanidade inteira”. “Eu não sou nem otimista, nem pessimista. Os otimistas são ingênuos, e os pessimistas, amargos. Eu me considero um realista esperançoso. Sou um homem da esperança. Sonho com o dia em que o sol de Deus vai espalhar justiça pelo mundo todo.”

Vereador mais inábil

Ex-secretário na gestão do então governador Miguel Arraes, em Pernambuco, o escritor não se furtou a avaliar o quadro político brasileiro. Diz ter esperança no Brasil atual e foi taxativo ao considerar que o País hoje está muito melhor do que no passado. “Os velhos da minha idade costumam dizer: ‘na minha época era melhor’. Mentira deles. Era muito pior, muito pior!” Para Suassuna, o País melhorou com os governos do ex-presidente Lula e da atual presidente Dilma.

Mesmo assim, lamentou o cenário atual e a descrença na política entre a população. Para ele, chegamos a um ponto absurdo de as pessoas com mandato terem vergonha de falar que são políticas. “Os bons não podem pagar pelos pecadores.”

O poeta ainda afirmou não ter “cabeça para política”, mesmo tendo já sido sondado para disputar cargos públicos no passado e ter atuado ao lado de Miguel Arraes, um dos mais importantes líderes políticos que o Nordeste já teve. “Eu sou escritor, não tenho cabeça para política. Olha, você pega o vereador mais inábil do Rio de Janeiro que ele me enrola todinho”, brincou.

Num misto de sarcasmo e ironia fina, o poeta parece não ver pesar os 85 anos que já fragilizam um pouco o corpo. O raciocínio lógico e a leitura que faz de vários temas com enorme clareza sacramentam a jovialidade do artista. Foi assim ao falar sobre linguagem popular e tirar sarro com os jornalistas cariocas presentes à entrevista coletiva. “É assim que eu entendo a fala de vocês”, disse, antes de imitar com uma longa frase o sotaque carioca, arrancando risos da plateia. E continuou: “e tenho certeza que vocês não vão fazer uma peça colocando deste jeito que eu falei”.

A brincadeira foi para se queixar dos programas de TV feitos no sudeste do País que, segundo ele, deformam a fala dos nordestinos. “Teve uma novela há um tempo em que a personagem falava de um jeito que eu nunca vi um nordestino falar. Por trás desta deformação há um preconceito terrível.”

Após citar as semelhanças que vê entre o universo das comunidades pobres cariocas e o mundo sertanejo, ele disse que hoje identifica dois símbolos deste Brasil: o sertão e a favela. Questionado sobre o tipo de produção cultural feita hoje nas favelas, disse ainda não conhecer bem o trabalho, já que sua estreia aconteceu com o convite da Flupp. Mas ponderou: “da minha parte, eu acho que o ser humano é o mesmo em todo lugar, em todos os tempos”.

A feira e as UPPs

Em sua primeira edição, a Flupp homenageia o escritor Lima Barreto e vai levar, até domingo, debates, oficinas, teatro, exposições e várias outras ações culturais para o Morro dos Prazeres. Inspirada na Feira Literária Internacional de Paraty (a Flip), a Flupp lança luzes sobre as comunidades cariocas, principalmente aquelas que passam pelo processo de pacificação.

Os mentores da ideia, Julio Ludemir e Elcio Salles, decidiram fazer o encontro em uma comunidade e chamaram os antropólogos Luiz Eduardo Soares e Heloísa Buarque de Holanda para formatar o evento. Entre as atrações até domingo estão as escritoras Ana Maria Machado, Elisa Lucinda e Luciana Hidalgo, a professora Beatriz Resende, os escritores João Ubaldo Ribeiro, Luiz Ruffatto, Carlito Azevedo e vários outros. Entre as atrações internacionais, os poetas espanhol Manuel Vilas, mexicano Juan Pablo Villalobos e o palestino Darwish. Programação e atrações no site oficial do evento www.flupp.net.br

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