Nutricionista comenta lei de regulamentação de cantinas nas escolas de Campo Grande

A nutricionista Daniela Wanderley de Mendonça é especializada em nutrição em pediatria na escola e na adolescência.  Ela trabalha há dez anos com nutrição infantil e ajudou a implantar um sistema semelhante ao extinto TOI (Tratamento da Obesidade Infantil) do Hospital Regional na Uniderp. Atualmente ela atende crianças em uma clínica para programação de perda […]

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A nutricionista Daniela Wanderley de Mendonça é especializada em nutrição em pediatria na escola e na adolescência.  Ela trabalha há dez anos com nutrição infantil e ajudou a implantar um sistema semelhante ao extinto TOI (Tratamento da Obesidade Infantil) do Hospital Regional na Uniderp. Atualmente ela atende crianças em uma clínica para programação de perda de peso e trabalha em uma escola particular em um projeto chamado “Alimente-se bem na escola”.  Ela fala sobre a importância da alimentação saudável ainda na infância e da lei sancionada nesta semana pelo prefeito Nelsinho Trad, que regulamenta o que pode ou não ser vendido nas cantinas das escolas de Campo Grande.

Midiamax – A realidade antes do projeto na escola era diferente? O consumo de balas e doces era alto?

Daniela – apesar dos profissionais da escola orientarem e fazerem um trabalho de conscientização das crianças na escola, a adaptação ainda não era grande. Agora a gente observa a diferença nesses alunos. As pessoas colocam seus filhos desde os 4 meses nas escolas, nos berçários e muitos centros de educação funcionam em período integral. A criança acaba realizando todas as refeições na escola que é o local onde ela aprende o que é certo enquanto pessoa e cidadã, a educação alimentar é fundamental.

Além disso, o número de adultos com problemas decorrentes da má alimentação é muito grande, porque eles não tiveram a orientação desde o início e também não havia tanta informação a respeito do que o consumo alto de açúcar podia acarretar. O número de alimentos industrializados é enorme, porque ele é muito mais prático. O tempo para os pais prepararem alimentos em casa para os filhos é muito pequeno, então eles acabam comprando o industrializado. Também tem a quantidade grande de sal e açúcar nos industrializados, porque o sal que conserva e dá um tempo maior pro alimento ficar na prateleira. A criança que consome isso todos os dias pode vir a desenvolver pressão alta. Eu tenho um caso de um paciente meu com 5 anos de idade que toma remédio controlado para a pressão por causa da alimentação. E já não é um caso esporádico, isso está virando uma epidemia.

Aqui no nosso estado 35% das mulheres do nosso estado estão obesas. Então a escola tem que ser um ambiente coerente, a cantina tem que ser um ambiente saudável, de acordo com o que é ensinado em sala de aula. Toda a população tem a ganhar. Nem os donos das cantinas vão perder dinheiro e nem os alunos serão induzidos mais a comprar os produtos que não são saudáveis.

A criança não tem a condição de escolher o que é saudável ou não. Ela é influenciada pela cor, pelos desenhos, pelos “bichinhos” da embalagem.

Midiamax – E para um adolescente, que recebe já com dificuldade essa questão de normatização das coisas? Como é lidar com reeducação alimentar nessa faixa etária?

Daniela – É fase de entusiasmo, de mudar o mundo, de agir conforme eles acham que está certo, mas a gente vê até uma aceitação boa deles. Eles estão preocupados com a saúde deles. Eles vêm conversar e contar que estão acima do peso, com colesterol elevado, preocupados mesmo. Na escola onde eu atuo, a cada 20 alunos, 4 são obesos. Eu vejo que eles precisam de um profissional da área trabalhe com eles nesse processo de transformação. Hoje em dia existem produtos industrializados que são saudáveis e que a garotada gosta também. Falta a informação por parte desses cantineiros também. É função do nutricionista orientar as cantinas, mostrar opções para o estabelecimento que fica dentro da escola.

Estamos ali pra isso, para dar um suporte. Existem muitos alimentos no mercado e eles não são caros. Uma das grandes preocupações da aprovação da lei é a questão do custo.
É preciso entender também que o salgado não está proibido, só a fritura. Tem empada, pão de queijo, que é saudável, pastel assado. A mudança maior é no refrigerante e no doce.

A adaptação é a curto prazo. A maioria dos pais vai agradecer, eles não têm tempo de preparar algo saudável em casa, recorrem ao supermercado e compram um produto industrializado e calórico. Se tiver a opção do alimento saudável na cantina fica mais fácil para o aluno comprar do que levar de casa.

Midiamax – E quando o aluno não tem dinheiro, não pode comprar? Há a ideia de que o alimento saudável é mais caro. Isso é certo?

Daniela – É errado. Uma banana custa R$ 0,20, uma maçã R$ 0,80, um mamão R$ 1,00. Isso é muito barato em relação a um pastel frito de R$ 2,50.
O próximo passo após essa lei é a confecção de uma cartilha para orientar e dar embasamento aos cantineiros sobre cursos e receitas de alimentos saudáveis nas cantinas. 

Midiamax – É mais fácil para a pessoa se adaptar a uma alimentação mais saudável na infância?

Daniela – Todo mundo tem a capacidade de se alimentar, o processo de adaptação é um período curto. Mas é muito importante que o hábito seja desenvolvido na infância e tenha a continuidade que a consciência já foi desenvolvida. Por exemplo, eu trato de crianças com alergias e intolerância a lactose. Como elas sobrevivem? Elas não pedem um doce, um bolo, nos aniversários? Quando ela tem a consciência ele simplesmente não faz questão de consumir aquele produto, ela sabe que aquele alimento causa um mal para o corpo dela. Ela registra isso na cabeça dela e quando ela cresce, pensa: isso aqui não. Ela se lembra da orientação que recebeu.
O adulto tem que ter mais disposição para isso. Por exemplo, a sacarose, esse açúcar de mesa. Nós não precisamos dele. É um vício das pessoas, as frutas e alimentos já têm a quantidade necessária de açúcar, a frutose.

Midiamax – E o efeito sanfona nas pessoas, como acontece?

Daniela – existem células responsáveis por armazenar gordura no nosso corpo. A gordura é importante por manter a temperatura do nosso organismo, proteger os órgãos. Ela é fundamental na nossa alimentação, só que o tipo da gordura é que vai causar o dano ou não em nós.

Essas células têm a capacidade de se multiplicar em grande quantidade e porque ela se multiplica? Porque está entrando uma grande quantidade de gordura no organismo, que precisa ser armazenada de alguma forma. Essas células de gordura não morrem. A pessoa, desde criança, por vezes, tem uma alimentação que não é equilibrada e recebe um excesso de açúcar, gordura. Então a pessoa faz um regime e emagrece. Ela não perdeu as células de gordura, elas estão lá. Por isso tem que haver um controle da alimentação, que a capacidade de preencher novamente essas células ainda existe.

Midiamax – A obesidade e a aparência – existem “gordinhos” que se aceitam e se gostam como são. Alguns são saudáveis, não têm problemas de saúde. Qual o recado para eles.

Daniela – Existem também os falsos magros. São pessoas com a aparência esguia, mas que quando fazem exames descobrem colesterol, diabetes e doenças relacionadas à obesidade. O recado é que todos façam exames periodicamente, de seis em seis meses, para verificar a saúde. Quando adolescente, os obesos sofrem preconceito pela aparência, porque mesmo saudáveis os obesos algum dia desenvolverá algum tipo de doença pela má alimentação. Por isso é preciso fazer, além do acompanhamento com um nutricionista, acompanhamento com psicólogos, cardiologistas. 

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